Resumo

Este trabalho é um relato de experiência de realização de jogos escolares, dentro de uma perspectiva diferente do modelo tradicional que privilegia a competição esportiva isolada do contexto sócio-cultural e político no qual a escola está inserida. Essa tentativa se dá com base inicial na proposta de esporte e Educação Física discutidos no coletivo de autores( 1992), com vistas a encaminhar uma proposta de atividades físicas na concepção da cultura corporal, na qual é privilegiado um contexto de participação, de crítica, de propostas, de construção e avaliação de toda a comunidade escolar. O evento aconteceu do dia 22 a 28 de setembro de 1996 e contou dois blocos de atividades: a) Atividade sócio-culturais, composta de debates sócio-político (Rio 2004 e atividade física e qualidade de vida); mostras de vídeo históricos; exposições de fotografias, pinturas e recortes de jornais e revistas com referências às atividades da cultura corporal, dança de salão, música instrumental e capoeira; banca de livros e periódicos; materiais esportivos comuns e raros, etc. b) Atividades esportivas, composta de esportes convencionais, adaptados, jogos psicomotores, jogos de mesa (tênis, dama e Xadrez) e gincana. A partir de um olhar rápido a respeito dos acontecimentos, podemos afirmar que o evento foi um avanço no que se refere à tentativa de rompimento com o paradigma da aptidão física e modelo neo-liberal da prática esportiva. Entretanto estamos em processo de avaliação no sentido de podermos partir para alternativas que possam proporcionar maior participação de funcionários e professores na parte da vivência esportiva e envolvimento organizacional por parte dos alunos e demais professores de forma que possamos vislumbrar um evento que nos proporcione um exercício da cidadania, que os jogos sejam mais um instrumento desse exercício dentro da escola.

 

 

Integra

1. Introdução

Este trabalho é um relato de experiência de realização de um evento esportivo, chamado pela comunidade da escola EDEM (Escola Dinâmica de Ensino Moderno), de Olimpíada. A apresentação dessa experiência em um evento científico da Educação Física é pertinente na medida em que, consideramos que existem possibilidades de superação do modelo tradicionalmente imposto, baseado no paradigma da aptidão física e do evento esportivo isolado do contexto sócio-cultural e político da comunidade escolar.

O contexto da realização dos Jogos oportuniza a tentativa de um evento diferente. Do ponto de vista filosófico, o professor de Educação Física se vê obrigado a mostrar que a cultura corporal vivenciada na escola pode ser diferente daquelas vivenciadas em outras estruturas da sociedade, nas quais os alunos da EDEM têm fácil acesso a partir da boa condição financeira. Nesse sentido, os Jogos tradicionalmente realizados pela escola poderiam oferecer vivências que pudessem evidenciar outra concepção teórica, que não fosse predominante o espírito dos jogos modernos (mais alto, mais forte e mais rápido) ou a máxima do neo-liberalismo, a competição; entendida por nós como um evento no qual, onde surge um vencedor, surge também um perdedor, onde o jogo é apenas um instrumento de ascenção e queda.

Um fato que provoca um evento numa outra perspectiva, no nosso caso, o da Cultura corporal (Coletivo de Autores, 1992) , é que a escola apresenta aos professores um perfil pedagógico a título de base para o planejamento escolar. Neste perfil a escola reconhece seus alunos como pertencentes a uma camada sócio-economicamente privilegiada, que no entanto, buscam uma formação crítica e possibilidades de intervenção sócio-política no exercício da cidadania. Por outro lado, os jogos da escola acontecem de quatro em quatro anos, evidenciando a falta de interesse comercial do estabelecimento no evento, tendo até então (já foram realizadas 2 edições, 88 e 92), os Jogos EDEM eram apenas uma homenagem ao grande evento olímpico universal.

O evento foi realizado do dia 22 a 28 de setembro de 1996, data de aniversário da escola. Pensando no contexto da escola, nas possibilidades pedagógicas e na abertura política da parte administrativa e no papel filosófico do professor de Educação Física de tentar romper com um modelo excludente de prática da cultura corporal, partimos para o projeto, com a certeza de estávamos iniciando uma grande experiência.

Nesse sentido, elaboramos os seguintes objetivos como plataforma do projeto:

* Promover envolvimento cultural entre os membros da comunidade escolar da EDEM;

* Ritualizar e preservar um evento historicamente construído pela humanidade;

* Ampliar a visão de jogos e proporcionar a participação de alunos atletas e não atletas;

* Levar para dentro da escola o conhecimento universal do olimpismo;

* Colocar a comunidade EDEM no círculo de debate a respeito dos fenômenos da cultura corporal, no que se refere às políticas de esporte e lazer no contexto da cidade do Rio de Janeiro;

* Comemorar o aniversário da EDEM de forma mais dinâmica, alegre e participativa.

Os objetivos colocados revelaram as possibilidades do evento ser estruturado com atividades pouco comuns em eventos esportivos, entretanto não considerávamos que os jogos deveriam ser apenas esportivos, o contexto criado a partir dos problemas dos jogos já realizados e os fatos cotidianos da cidade do Rio de Janeiro, provocaram atividades que sem dúvida poderiam proporcionar à comunidade escolar um evento contextualizado: jogando, debatendo, criticando, participando, organizando, propondo e avaliando. Consideramos este conjunto de ações uma aproximação do perfil pedagógico da escola com o paradigma da cultura corporal.

2. Proposta de atividades

De imediato, percebemos que não seria tão fácil realizar um evento dessa envergadura numa escola, onde o planejamento de trabalho dos professores é criteriosamente preparado dentro de um tempo bastante compactado. Dessa forma, nossa "semana olímpica" não teria o tempo necessário, principalmente em relação ao 2º grau. Contudo, a estratégia de realizar atividades nos pequenos espaços abertos no horário da escola e a total adesão do setor de ensino primário, acabou contagiando todo o ambiente escolar e maiores espaços foram sendo abertos a partir do envolvimento dos alunos.

Outra estratégia fundamental foi a criação de comissões tentando envolver professores, funcionários e alunos nas atividades que foram divididas em: 1. ATIVIDADES SÓCIO-CULTURAIS e 2. ATIVIDADES ESPORTIVAS. Para desenvolver estas atividades foram necessárias as seguintes comissões:

• Coordenação de campo: Alunos, professores e funcionários.

* Comissão de Imprensa: Tem a função de comunicar a todos os acontecimentos relativos aos jogos em forma de Boletins diários com informação completa e formal.

* Comissão de divulgação: Tem a função de comunicar ao público o que deverá acontecer em termos de eventos específicos do dia de forma criativa e animadora, informando o local, hora e os grupos envolvidos.

* Comissão de Arbitragem: Tem a função de se envolver com a arbitragem no sentido de: distribuir de acordo com os jogos; fazer contato prévio; fornecer lanches; recolher as súmulas e fechar resultados.

* Comissão de Recepção: Tem a função de credenciar o pessoal envolvido nos jogos; de preparar o local da atividade em termos de trânsito, acomodações e atrativos de espera; de receber os convidados dos debates e das mostras.

* Comissão de infra-estrutura: Tem a função de fazer a manutenção do local que tiver tendo atividades: materiais esportivos no local de jogos; mesas, cadeiras, água e cafezinho nos debates; verificação de funcionamento de equipamentos de áudio-visual e recolhimento de todos os materiais utilizados em cada atividade.

* Comissão médica: Tem a função de preparar materiais de primeiros socorros; de manter em disponibilidade um automóvel de fácil deslocamento para encaminhamento hospitalar, etc.

2.1. Atividade sócio-cultural

Esse bloco de atividades foi composto de concursos artísticos, exposições e debates político-culturais.

2.1.1. Símbolo dos jogos da EDEM

Antes do início das atividades principais dos jogos, foi realizado o concurso do símbolo do evento, mais tarde fora estampado nas camisetas que a comunidade usou durante a semana olímpica.

As inscrições foram livres e os concorrentes foram julgados por uma junta de professores ligados à área de artes. Todos os trabalhos foram expostos no painel externo da escola. O resultado final foi analisado e criticados pela comunidade.

2.1.2. Exposição

* Painel do histórico das Olimpíadas: Foram montados pelos alunos, funcionários e professores, painéis com fotografias, recortes de jornais, pinturas, etc.
O painel ficou durante uma semana em exposição, no hall de entrada da escola, sendo visitado por toda a comunidade escolar, principalmente pelos pais que levam e buscam alunos nos dois turnos.

* Materiais e implementos esportivos antigos e modernos: Os alunos, organizados em quatro grupos, montaram exposição de materiais esportivos, uniformes de clubes, livros, etc.
Os alunos do 2º grau montaram um mini-laboratório de fisiologia, onde puderam colocar em prática as técnicas e discussões desenvolvidas em sala de aula. Foi possível medir índice de gordura, peso ideal e capacidade aeróbica dos adultos que prestigiaram o evento.
Os professores de Educação Física montaram uma banca de livros e periódicos ligados à Educação Física, esporte e lazer. Na oportunidade, os visitantes puderam perceber as várias tendências e formas diferentes de estudar e produzir teorias a respeito do fenômeno da cultura corporal.

2.1.3. Debates

Dentro do projeto original, estavam previstos quatro temas para debates durante os jogos:

* Esporte e qualidade de vida: Saúde ou Consumo?

* Violência no Esporte: Natureza do homem ou influência sócio-cultural?

* Esporte na cidade, Rio 2.004: Mais valia ou desenvolvimento econômico?

* Esporte e Meio ambiente: Degradação ou divulgação da consciência ecológica?
Na realidade, foi possível a realização do debate de apenas dois temas: Esporte na cidade, Rio 2004: Mais valia ou desenvolvimento econômico e Esporte e Qualidade de Vida.

O primeiro, contou com a presença do Profº Luis Otávio da Escola Parque, que expôs sua posição em relação à candidatura Rio 2004, bem como relatou todos os encaminhamentos que têm sido projetados e executados pelos coordenadores da campanha. Na oportunidade os alunos, professores e pais de alunos se revezaram nos questionamentos que variavam entre argumentações favoráveis e contrárias ao evento pretendido.

O ponto alto do debate foi o esclarecimento do expositor, que provocou questionamentos que normalmente a imprensa brasileira tem evitado, como por exemplo: o trato com o dinheiro público numa campanha que deveria ser feita com dinheiro da iniciativa privada; a estrutura física que está sendo implementada e seu uso posterior; as prioridades socais do município; etc.

O segundo, contou com a participação do atleta paraolímpico Luis Cláudio, que conversou com os alunos do curso primário, falando de qualidade de vida, destacando a sua condição de paraplégico que luta pela valorização da vida, pela cidadania e o direito de viver numa cidade sem os constrangimentos e discriminações impostos às pessoas diferentes. O ponto alto do debate (conversa), foi a participação dos alunos diferentes (com pequenas e médias deficiências motoras e sensoriais) que estudam normalmente numa escola regular.

2.1.4. Mostras

Durante a semana olímpica, a comunidade escolar teve oportunidade de assistir filmes dos jogos anteriores, resgatando a própria história da escola, revendo rostos e corpos jovens, brincadeiras antigas, companheiros de trabalho, etc.

Além dos filmes históricos, também foram exibidos, filmes de Olimpíadas passadas, podendo os alunos e interessados perceberem as grandes evoluções que a produção esportiva teve no mundo contemporâneo.

Outras manifestações da cultura corporal foram representadas no evento. O destaque foi a apresentação de dança de salão, que além da performance, os dançarinos proporcionaram a dança interativa à comunidade escolar. Outro destaque foi a oportunidade de alunos artistas de se apresentarem para seus colegas de escola,como aconteceu na abertura dos jogos, com um grande espetáculo de música instrumental e de capoeira.

2.2. Atividade esportiva

A parte de competição esportiva, os esportes convencionais (Futebol, Handebol, Volei, Basquete e Atletismo), praticados na forma tradicional, foi predominante. Entretanto, diante de uma comunidade de faixa-etárias diferentes, algumas modificações forma feitas, no sentido de oportunizar um maior número de participações.

Jogos de mesa (Tênis, Dama e Xadrez) e de Salão (futebol para o primário e jogos psicomotores para o Ca e maternal), foram realizados na escola e teve um grande apoio de pais, funcionários e professores de todas as áreas da escola. Inclusive, a coordenação de algumas modalidades ficou por conta de professores fora da área de Educação Física. Os professores de belas artes, computação, música, teatro, matemática e vídeo tiveram destaques nestas coordenações.

A realização dos esportes convencionais exigiu um espaço mais amplo, nesse caso, a escola se transferiu temporariamente para a Fortaleza São João na Urca. Para lá formam funcionários, coordenadoras, psicólogas, professores, pais de alunos, direção e alunos, atletas e não atletas. A grande novidade foi passar dois dias inteiros juntos. Foi sem dúvidas um grande espaço de lazer a beira do mar e da montanha do Pão de Açúcar.

Alguns avanços foram facilmente percebidos, do ponto de vista do respeito à coletividade, do reconhecimento do outro como sujeito ativo, da aceitação da mulher em equipes mistas, do apoio aos menos aptos esportivamente e da boa aceitação e participação nas provas de atletismo, que serviu para desmitificar e desfazer a ilusão do sucesso fácil imposto pela tela da televisão em épocas de jogos olímpicos e oportunizar o contato com um espaço pouco comum na prática esportiva de muitos jovens.

O tempo foi pequeno para que os alunos percebessem com maior clareza, que a organização dos jogos foi feita no sentido de provocar a participação de maior número de pessoas. Dessa forma, aqueles que estão mais acostumados com a competição esportiva se descontrolavam diante da impossibilidade de jogar tudo e sempre. Apenas no final dos jogos é que aqueles "menos aptos" foram aparecendo a partir de pedidos dos "mais aptos" e da necessidade das equipes sobreviverem na disputa.

Ainda não foi desta vez, porem, que se tornou possível a participação de pais, funcionários e professores diretamente na disputa esportiva. Entretanto, com a participação nas coordenações e a utilização de mecanismos de participação criteriosamente implantados, poderemos ter no futuro jogos envolvendo toda a comunidade escolar.

Todos os espaços possíveis da escola foram utilizados durante a semana de jogos. Salas de aulas para exposição e confecção de materiais artísticos; corredores para exposição de fotografias e mostras de vídeos; auditório para debates e jogos de tênis de mesa; computadores para jogos de Xadrez, etc. Além disso, a rua da escola foi parcialmente interditada para a abertura e desfile da equipes, envolvendo a comunidade externa à escola: o policial do posto militar da esquina, a lanchonete e os moradores da vizinhança.

Apesar de todas as inovações pretendidas, a partir de demoradas reuniões decidiu-se pela manutenção da premiação com medalhas aos atletas vencedores. Vários argumentos a favor e contra foram apresentados e a questões da tradição, do direito ao prêmio e incentivo e da simbologia pesaram mais do que as questões da exaltação do individualismo, da sobrepujança do "mais forte", das possíveis frustações e até mesmo da parte econômica.

Com as adaptações e criação de mecanismos para a diminuição dos argumentos contrários à premiação (medalha para o 4º colocado), a medalha acabou perdendo seu valor simbólico, dado à quantidade distribuída, em média, quase duas por aluno participante.

3. Avalição

No momento, os jogos realizados passam por uma avaliação da equipe pedagógica, dos alunos, pais de alunos e professores. A primeira vista o evento teve boa aceitação da comunidade. Entretanto, consideramos necessário uma avaliação sistemática por dois motivos: a) pretendemos avançar na realização dos próximos com maior aproximação de um paradigma diferente da aptidão física e do contexto neo-liberal e b) entendemos que é possível avançar no conhecimento da Educação Física em relação à prática esportiva dentro da escola, a partir de uma nova visão de cultura corporal que a comunidade escolar for assumindo depois das vivências em jogos.