Jornal da Ciência, n 783, 2019.
Integra
Novos tempos e caminhos para as meninas na ciência
Das discussões da Assembleia Geral da Unesco de 25 de setembro de 2015, uma consecução de metas e ações sobre o desenvolvimento humano mundial resultou no texto “Reformando Nosso Mundo: Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, que destaca 17 objetivos e 169 metas que buscam completar o que o mundo não conseguiu alcançar nos direitos humanos, igualdade de gênero e empoderamento das mulheres e meninas na ciência. O documento ressalta bem como estes fatores são integrados e indivisíveis, e equilibram as três dimensões do desenvolvimento sustentável do planeta, qual sejam a econômica, social e ambiental. A ciência e a igualdade de gênero são vitais para se alcançar as metas de desenvolvimento acordadas internacionalmente e incluídas na Agenda 2030. Nos últimos 15 anos, são notórios os esforços feitos em todo o mundo para inspirar e envolver mulheres e meninas na ciência. As cientistas brasileiras poderiam até comemorar, já que dados do relatório Gender in the Global Research Landscape, editado pela Elsevier em 2017, mostra que no Brasil e em Portugal, 49% dos pesquisadores são mulheres, tornando esses países particularmente notáveis na paridade de gênero entre cientistas. Mesmo que estes dados possam nos envaidecer, a realidade global mostra o quanto as meninas estão fora da participação plena do mundo da ciência. O mais impressionante, segundo dados da Unesco (2014 - 2016), é que só 30% de todas as alunas escolhem seguir cursos de ensino superior nas áreas de ciência, tecnologia, engenharias e matemática (STEM). Mais triste mesmo é verifi car o quanto temos que avançar no percentual de meninas matriculadas em tecnologias de informação e comunicação - TIC (3%), ciências naturais, matemática e estatística (5%) e em engenharia, manufatura e construção (8%). Por que até hoje, com todos os avanços alcançados, as meninas continuam fora do universo das ditas “ciências duras” (hard sciences)? Vieses de longo prazo e estereótipos de gênero caracterizaram e afastaram garotas e mulheres das áreas relacionadas à ciência por muito tempo.
O mundo real refl ete preconceitos petrifi cados num longo processo cultural, quase impossível de ser quebrado. Por muito tempo, as crianças foram educadas ouvindo o estereótipo de que os meninos são naturalmente melhores em matemática e ciências, enquanto as meninas são melhores em artes da linguagem. No ambiente familiar, as meninas sempre foram as “princesinhas encantadoras”, enquanto que os meninos foram incentivados a questionar, até pela discussão de futebol com os papais! Este processo cultural, surpreendentemente sutil, marca estereótipos prejudiciais e que acredito levou a uma disparidade histórica no desempenho de meninos e meninas, não apenas aqui, mas em todo o mundo. Medidas concretas, tanto no nível político quanto ideológico, são fundamentais para corrigir problemas históricos. Mudar uma cultura é um processo de longo prazo, mas é possível com ações e programas de educação envolvendo todos os atores que constituem a sociedade. São vitais programas de políticas públicas que incluam meninas de todas as classes sociais, raças e credos em programas de ciência em todas as escolas.
A SBPC, ao longo de seus 70 anos de trabalho pela ciência e pelos cientistas brasileiros, tem se destacado por várias ações voltadas para meninas e meninos na ciência. Este ano deu um passo à frente criando o “Prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher”, em duas categorias, uma voltada para cientistas seniores e uma voltada para meninas que almejam se tornar cientistas. Componente forte no processo de crescimento e amadurecimento de meninos e meninas é o “espelhar-se em.” As jovens cientistas podem ser as heroínas de um novo tempo para as meninas. Neste universo, aprenderão que a ciência é um instrumento maravilhoso de desvendar os segredos no mundo e um meio para caminhar fi rme em busca do empoderamento profi ssional, envolvendo todas as áreas da ciência, que as levarão a atuarem por um mundo sustentável.
Nesta edição, trazemos modelos de meninas que encontraram um caminho para entrar nesse fantástico mundo da ciência, de projetos e iniciativas que abrem portas para essas caminhadas, e de mulheres, que um dia, como eu, foram meninas que sonharam em se tornar cientistas e pavimentaram estradas para que a igualdade de gêneros seja uma realidade.
Boa leitura!
Vanderlan da Silva Bolzani, vice-presidente da SBPC