Integra
Seja o jornalismo um discurso do factual construído a partir da observação direta ou sobre outros discursos e falas, seja a narrativa por excelência (ainda) das sociedades contemporâneas, marcada pelo particular ponto de visão do narrador, mas firmemente ancorada em evidências oferecidas pela realidade, seu compromisso fundamental é com o leitor. Com o público. Com a sociedade, se preferirmos, dentro da qual lança quase ininterruptamente informação tida como relevante sempre estruturada numa determinada linguagem. E pouco importa se, sob o ângulo de sua natureza socioeconômica, o jornalismo é tomado como serviço público, parte do negócio da indústria cultural ou, mais propriamente, como ambos ao mesmo tempo -- seu compromisso permanece.
Norteado por esse princípio do interesse público, o primeiro fundamento ético do jornalista é, senão "o amor à verdade" -- tal como o defendia, ainda apostando numa verdade absoluta, Tobias Peucer, no primeiro estudo acadêmico conhecido sobre o jornalismo1, em 1690 --, ao menos a busca incessante por uma verdade factual, empreendida de modo criterioso. Uma verdade que desliza por entre falas contraditórias, que se esgueira por trás da aparência dos eventos, que se entremostra às vezes por informações em off jamais desinteressadas, mas que clama por ser construída. E isso vale mesmo num mundo saturado de informações digitalizadas que se cruzam e entrecruzam, em tempo real, em infinitas redes e teias comunicacionais, nas quais seu consumidor é simultaneamente produtor e difusor. Vale mesmo num tempo de crise de identidade do jornalismo, desafiado por um modo de produção de notícias proposto pelas novas mídias que parece ameaçar todo o edifício lógico da representação dos fatos relevantes do mundo erigido em dois séculos pela mídia tradicional.
Essa construção de uma verdade factual, antecedida sempre por um trabalho exaustivo (idealmente) de seleção - do que efetivamente é ou não matéria prima para o relato jornalístico, das fontes, das referências, dos aspectos a serem aproveitados e daqueles que serão descartados no relato e tantas outras escolhas --, marca essencial do jornalismo, vale para todas as suas subdivisões.
Vale também, portanto, para o jornalismo científico. Que é primeiro jornalismo, o substantivo nessa expressão, para só depois ser científico, conforme a indicação contida no adjetivo.
É tempo agora de trazer à cena esse jornalismo e a Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC). Em três décadas de existência, desde a gestão José Reis, seu primeiro presidente e respeitado pioneiro do jornalismo científico no Brasil, a ABJC vem realizando um notável esforço para difundir entre os jornalistas uma visão consistente da importância da inclusão de ciência e tecnologia na agenda regular do jornalismo brasileiro. Cabe nesta visão a compreensão sobre o quanto é importante contribuir, em seu campo próprio, para a difusão social e o debate consequente de temas que afetam ou vão afetar de modo decisivo, positiva ou negativamente e por diferentes meios, a vida das pessoas. Assim como cabe a percepção do quanto temas de ciência e tecnologia, ou melhor, do quanto informação sobre as aventuras da construção do conhecimento, da dimensão excitante do conhecer, descobrir, compreender, podem ser estimulantes para ampliar a atenção da sociedade para uma dimensão fundamental da ciência e, portanto, alargar ou aprofundar a cultura científica em dada sociedade. E cabe por fim, uma noção do quanto o entendimento social, crítico, do papel central e constitutivo de ciência e tecnologia nas sociedades contemporâneas, sobre o qual o jornalismo tem algo a dizer, pode contribuir para o desenvolvimento humano dessas mesmas sociedades. Comentos mais fecundos ou menos fecundos, maiores ou menores dificuldades ao longo dos anos, a ABJC tem difundido essa visão.
Nos últimos anos, o jornalismo científico brasileiro se expandiu de forma notável, por meio de velhos e novos veículos, pela mídia tradicional e pelas novas mídias e há medições consistentes desse fenômeno, inclusive acadêmicas. Desde a virada do século XX para o século XXI, as produções da ciência brasileira passaram a fazer parte da pauta diária da mídia tradicional, ainda que permaneça um tanto míope seu olhar para as grandes mudanças que vêm ocorrendo no ambiente da inovação tecnológica no país. Mais recentemente, num outro espaço de comunicação, os blogs de ciência se multiplicaram. As instituições de pesquisa e de gestão e fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico, espalhadas pelo país, adensaram suas estruturas e suas estratégias de comunicação e passaram a alimentar a mídia com mais e mais informação. Dessa forma, somada a ação de todos os atores nesse cenário, pode-se observar uma divulgação e popularização sem precedentes dos temas de ciência e inclusive o aumento da percepção de seu papelcomo indutor de melhoria da qualidade de vida no país.
Enquanto essa dinâmica se desdobrava, a ABJC se preocupou em buscar parcerias com as instituições líderes do sistema brasileiro de ciência e tecnologia e com as múltiplas representações da comunidade científica, orientada pela convicção de que uma articulação inteligente entre quem traça as políticas de ciência, tecnologia e inovação no país, quem produz ciência e inovação tecnológica e quem produz informação jornalística, contribuiria para ampliar rapidamente nossa cultura científica. E evidentemente a ampliação dessa cultura tem enormes consequências no modo como a sociedade brasileira vai lidar com a construção do conhecimento científico e com a apropriação do conhecimento pela inovação tecnológica para encontrar novas vias de desenvolvimento social, econômico e cultural.
Queremos agora ampliar essas parcerias. Mas como parceiros efetivos, ou seja, numa relação de simetria das partes envolvidas, queremos, ao mesmo tempo, afirmar a especificidade do jornalismo no empreendimento conjunto da ampliação da cultura científica na sociedade brasileira.
O jornalismo científico não pode tomar como seus os discursos das ciências e os objetivos estritos das ciências porque ele próprio, sendo jornalismo, tem um outro corpo discursivo, uma outra linguagem, outros objetivos. E é nessa alteridade que precisa ser reconhecido para funcionar como parceiro da ciência em benefício do desenvolvimento da sociedade brasileira. As convergências precisam ser buscadas, respeitadas as diferentes naturezas envolvidas.
Nessa busca pela relação simétrica, claro está que a formação do jornalista de ciência precisa ser de tal ordem que lhe permita dialogar criticamente com os cientistas e com os formuladores da política de ciência e tecnologia. E a ABJC deve estimular fortemente vias inovadoras de formação continuada para esses profissionais e incentivar o debate fecundo entre cientistas e jornalistas, dentro e fora do país. A ABJC precisa, ao mesmo tempo, por meio de filiações e associações a entidades internacionais, promover a articulação dos jornalistas de ciência brasileiros com seus colegas do mundo inteiro tendo em vista a discussão consequente do que é exercer essa atividade no mundo contemporâneo, em rápida mutação de suas formas de comunicação.
Nessa primeira declaração de intenções, gostaríamos de convocar todos os colegas associados à ABJC para participar da eleição e, posteriormente, participar de uma grande campanha pela busca de novos associados e ampliação da representatividade da ABJC.
Não traçamos aqui metas de gestão, mas princípios de atuação a serem perseguidos ao longo dos dois anos de mandato. Precisamos de seu voto de confiança para fortalecer nossa entidade. Eis algumas das ações que pretendemos desenvolver com seu apoio:
. Fortalecer o papel da ABJC junto aos órgãos de fomento à pesquisa nos âmbitos estadual e federal;
. Estabelecer canal direto de comunicação com os órgãos gestores da política de CT&I visando a ações conjuntas;
. Criar núcleos regionais da ABJC;
. Colaborar para a criação de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu de Jornalismo Científico junto a universidades e outras associações;
. Estabelecer parcerias para pesquisas na área de Divulgação Científica para melhor conhecimento das realidades locais e regionais;
. Estabelecer canais permanentes de comunicação da ABJC com os jornalistas e a sociedade em geral, começando pelo aperfeiçoamento do site da entidade.
. Desenvolver campanha de sócios para fortalecer a Associação (profissionais da área, pesquisadores e estudantes);
Contamos com vocês para manter a ABJC viva e atuante. Atenciosamente: chapa "Jornalismo Científico e Cultura Científica" (2011-
2013)
1 Ver "Tobias Peucer e o representar" em Costa, Caio Túlio, Ética, jornalismo e nova mídia: uma moral provisória, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2009.
DIRETORIA
Mariluce Moura é diretora de redação da revista Pesquisa FAPESP. Jornalista de ciência desde 1988, liderou, a partir de 1995, a estruturação da área de comunicação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Foi gerente de comunicação da instituição até 2002 e a partir daí concentrou-se no projeto da revista e no programa de rádio Pesquisa Brasil. É graduada em Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia (1972), mestra (1987) e doutora em Comunicação (2006) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desenvolveu vários projetos editoriais na área de jornalismo científico e atua também como consultora de comunicação em planos de divulgação de ciência e tecnologia. Seus estudos acadêmicos concentraram-se na chamada informação em off dentro do jornalismo econômico e nas relações entre a mídia nacional e a ciência produzida no Brasil. Foi professora concursada no Departamento de Comunicação da UFBA e professora visitante na Unicamp
Eduardo Geraque é reporter é da Folha de S. Paulo desde outubro de 2006. No jornal, ficou três anos na editoria de Ciência. Hoje, cobre meio ambiente e infraestrutura no Cotidiano. Passou principalmente pelas redações do Diario Popular, Gazeta Mercantil e Agência Fapesp. É formado em jornalismo e biologia. Tem um mestrado em oceanografia biológica e um doutorado em jornalismo ambiental. Ambos títulos obtidos na Universidade de São Paulo (USP). Fez rádio e trabalhos para revistas de ciência, esporte e de interesse geral. Cobriu ainda polícia, cultura e economia.
Ricardo Zorzetto é desde 2007 editor de ciência da revista Pesquisa FAPESP, publicada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. É formado em Jornalismo pela Universidade de São Paulo (1997), tem especialização em jornalismo científico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e é mestre em ciências pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Em 2005 foi professor visitante da Unicamp. Recebeu o 1º e o 2º lugar do Prêmio de Reportagem sobre a Biodiversidade da Mata Atlântica, categoria impresso, SOS Mata Atlântica e Conservation International do Brasil em 2004
Heloiza Dias da Silva, jornalista, tem mestrado e doutorado em processos comunicacionais pela Universidade Metodista de São Paulo e especialização em divulgação científica pela Universidade de Brasília. Desde 1978 é funcionária da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária-Embrapa, onde exerceu diversas funções nas áreas de informação e documentação, difusão de tecnologia e assessoria de imprensa. Foi chefe da Assessoria de Comunicação Social da Embrapa de 1996 a janeiro de 2003, coordenando, dentre outras atividades, a elaboração e implementação da Política de Comunicação da Empresa. Atualmente atua com estudos, pesquisas e planejamento da comunicação organizacional.
Joice Santos
Alicia Ivanissevich é formada em jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ em 1985, fez um curso de especialização em divulgação científica no Wellcome Centre for Medical Sciences, em Londres (1996-1997). Trabalhou como repórter no Jornal da Ciência/SBPC, revista Ciência Hoje e Jornal do Brasil. Neste último exerceu também o cargo de subeditora de ciência. Desde 1997, é editora executiva da revista Ciência Hoje. Colaborou como free lancer com as revistas Nova Ciência (Editora Block), Novos Caminhos (Associação dos Professores de Pós-graduação em Educação de Belo Horizonte), Skopia Médica (SmithKlein Beecham), Galenus (Merck), Escola e Vídeo (Fundação Roberto Marinho) e com o Caderno Ciência da Folha de São Paulo (1991-1994). Desde março de 2008 é consultora e pauteira do programa Globo Universidade (TV Globo) e, a partir de abril de 2010, é editora-chefe do programa Globo Ciência (TVGlobo). Ganhou o premio José Reis de jornalismo científico em 2008.