Juca Kfouri Chuta o Balde
Por Juca Kfouri (Entrevistado), José Trajano (Autor), Roberto Freire (Autor), Sérgio Pinto de Almeida (Autor), Hamilton Mellão (Autor), João Noro (Autor), Hélio Kaltman (Autor), Alberto Dines (Autor), Sérgio de Souza (Autor), Chico Vasconcellos (Autor).
Integra
Ele denuncia a máfia dos cartolas, a corrupção no jornalismo esportivo e dá um "furo mundial" sobre um caso de polícia envolvendo Ricardo Teixeira.
Confira a "Entrevista Explosiva" da revista Caros Amigos n.1
Sérgio de Souza - Quem começa?
Trajano - É aberto geral, podemos fazer pergunta sobre qualquer coisa?
Sérgio de Souza - Quem tem de concordar é o entrevistado...
JUCA KFOURI - Menos assuntos pessoais.
Sérgio de Souza - Intróito é desnecessário, não precisa fazer intróito, o Juca faz isso, o Juca é aquilo... Vamos começar com as perguntas diretas.
Sérgio Pinto - Vamos provocar. Você foi cotado para ser secretário do Maluf. Você acha que ser secretário do Maluf engrandece a biografia de alguma pessoa?
JUCA KFOURI - Não, não acho que engrandeça, mas acho que ser secretário, ou ser ministro, ou ser qualquer coisa pública em sendo jornalista, não engrandece a biografia de ninguém. Quer dizer, eu jamais trocaria o ser jornalista por qualquer outra coisa, em qualquer outra área.
Sérgio Pinto - Mas você não sentiu conflito?
JUCA KFOURI - Não, eu achei que era mais ou menos inevitável em função daquela Carta de São Paulo que era assinada por algumas pessoas identificadas com a esquerda, e que ele, habilidoso como era, ia tentar fazer de algum daqueles signatários um secretário. Conseguiu fazer o Rodolfo Konder. Não acho que se trate de engrandecer, mas também não acho que diminua, não acho que o Rodolfo ficou menor por causa daquilo, é uma opção que eu respeito inteiramente, mas eu jamais seria, do Maluf ou de quem quer que seja.
Agora, o que eu quero dizer é o seguinte: acho muito mais grave, por exemplo, o que o Roberto Benevides fez, do que o que o Rodolfo Konder fez. Se o Roberto Benevides tivesse escrito um artigo no Estadão dizendo: "Mudei de opinião em relação ao sr. Ricardo Teixeira" -, eu ia lamentar, ia discordar, ia combater, mas não ia escrever o que eu escrevi: "Vendeu-se". Porque ele fez isso à socapa, à sorrelfa, ele fez isso sem que o leitor dele tenha sido informado. Quer dizer, o mesmo colunista que chamava o Ricardo Teixeira de "genro", passou a chamá-lo de "presidente" e a fazer parte da comitiva presidencial.
Mellão - Juca, o que ele falou sobre você te incomoda?
JUCA KFOURI - O quê quem falou?
Trajano - O Benevides.
Chico Vasconcellos - O que o Benevides escreveu...
JUCA KFOURI - Nada daquilo me incomoda. Aquilo me incomoda do ponto de vista da decepção pessoal. Se você quer saber, passei uns quatro ou cinco dias, mais, passei exatamente dez dias - fui resolver isso na terapia da semana seguinte - profundamente deprimido. Deprimido a partir do momento em que resolvi escrever o que escrevi a respeito dele. Por que? Porque ele conhece aquelas histórias todas o suficiente para saber que mentiu ao escrever as coisas que escreveu, tá? E isso é o que me decepciona, ver que o Benevides é capaz de contar a história da minha saída da Abril do ponto de vista dos patrões, puxar o saco da Rede Globo, dizendo que eu passei a falar mal da Rede Globo, e eu o desafio a mostrar uma vez que eu tenha falado mal da Rede Globo. A dizer que eu sou bajulador do Pelé, se quando você pegar a coluna dele, até os espirros do Pelé ele tenta contar. E eu com freqüência critico o Pelé, com a lealdade que me prende ao Pelé, no sentido de, por exemplo, achar que está sendo tímido na questão da Lei do Passe, que eu sou pela pura e simples extinção e o Pelé achou um jeito de tentar graduar. De contar um episódio de uma foqueada que eu dei com um estelionatário, mas que ele só soube porque contei na minha própria coluna que eu foqueei.
Mellão - E qual a sua opinião sobre ele?
JUCA KFOURI - Hoje eu tenho profundo desprezo, além da decepção. Outro dia escrevi sobre isso sem dar nome: tem duas figuras no passado recente, na história do futebol brasileiro, que me decepcionaram. Decepcionaram! Adilson Monteiro Alves, o homem da Democracia Corinthiana, e o Roberto Benevides.
Mellão - E dá para explicar para o leitor os dois?
JUCA KFOURI - Dá. Veja, eu sempre disse o seguinte: fiz na minha carreira, talvez apenas - hoje tem mais, por circunstâncias - dois amigos que, digamos, eram fonte, amigos, amigos de freqüentar a casa, de viajar juntos e tal, pá, pá. O Sócrates, com quem eu mantenho essa relação, e o Adilson Monteiro Alves, que foi um cara com quem tive o primeiro contato por causa de uma matéria feita para a Placar, cuja capa dizia o seguinte: "Por que o Corinthians não é o Flamengo?", - o Corinthians estava na segunda divisão do Campeonato Brasileiro e o Flamengo tinha acabado de ser campeão do mundo.
Mellão - Em que ano?
JUCA KFOURI - Em 81. E recebi dele primeiro um recado, por intermédio de um repórter da Placar. "Esse cara está no bolso do Matheus?" Respondi a ele na revista, dizendo que tinha em relação a ele a melhor das expectativas pelo que eu tinha sabido dele - sociólogo, vindo da USP, indo lá para o Corinthians, e tá, tá, tá - mas que imaginava que ele ia fazer o debate em um nível um pouco mais alto. Que ele não achasse que as pessoas que estavam criticando o Corinthians estavam criticando porque estavam no bolso de quem quer que fosse. Aí ele me mandou um bilhete dizendo: "Olha, a resposta para a pergunta da capa da Placar é a seguinte: o Corinthians não é um Flamengo porque não quer ser, porque quer ser muito maior." Eu achei interessante. Um ano depois o Corinthians estava na final do Campeonato Brasileiro, era campeão paulista, era bicampeão paulista no ano seguinte, bom, e nascia a Democracia Corinthiana.
Mellão - Foi lindo, foi lindo...
JUCA KFOURI - Não houve outro veículo na imprensa brasileira que tenha apoiado tanto a Democracia Corinthiana quanto Placar, a ponto, aliás, de eu ter tido talvez a única discussão mais séria com o queridíssimo Guilherme Cunha Pinto, o Jovem Gui, por causa de uma coluna que eu escrevi na Placar em apoio ao Adilson Monteiro Alves, candidato a presidente do Corinthians, que o Gui achou excessiva: "Isso não é coisa de uma revista, é coisa de um planfleto". Eu disse: "Vai ficar como tá". Bom, o que aconteceu depois com o Adilson Monteiro Alves? Virou deputado, secretário da Cultura, envolvido em superfaturamento de shows da Secretaria da Cultura... é dono de bingo em Moema...
Trajano - Foi coordenador de campanha...
JUCA KFOURI - Aderiu ao Quércia.
Trajano - Foi coordenador de alguma campanha por aí...
JUCA KFOURI - Foi expulso da campanha do Fleury, pelo Barros Munhoz.
Trajano - Aí correu muito dinheiro, teve muita discussão de grana...
Mellão - Ele é um filho da puta ou não é? A palavra é essa, desculpa querido, a gente pode usar mil subterfúgios para falar de uma pessoa - o rei da Democracia Corinthiana era um filho da puta ou não era?
JUCA KFOURI - Acho que ele se revelou uma pessoa oposta ao que eu supunha que ele fosse.
Mellão - E isso quer dizer o quê?
JUCA KFOURI - Que ele me decepcionou.
Mellão - Em português claro, porque os leitores também não vão saber...
JUCA KFOURI - Os leitores vão saber que eu estou dizendo isso, que ele parecia uma coisa e ele era o inverso dessa coisa. E também não sinalizou que era essa coisa...
Mellão - Na sua observação ele é o quê?
JUCA KFOURI - Ele é uma pessoa não confiável.
Mellão - E isso quer dizer o quê?
JUCA KFOURI - Você não acha que eu vou dizer aqui numa entrevista que ele é um filho da puta, é bobagem, por que?
Sérgio de Souza - Pode dizer que ele é corrupto, só.
JUCA KFOURI - A história dele mostra.
Trajano - Você disse que se decepcionou com o Adilson e com...
JUCA KFOURI - O Roberto Benevides. Por que o Roberto Benevides? O Roberto Benevides é um amigo de mais de vinte anos. Sempre esteve do lado bom da briga do esporte. Foi autor de um perfil do Ricardo Teixeira para Placar, em 93, que causou a minha primeira grande crise com a Editora Abril depois de 23 anos lá dentro. O Roberto Civita pediu que a matéria não fosse publicada porque ia atrapalhar uma negociação que ele estava fazendo com o Ricardo Teixeira para comprar a transmissão do Campeonato Brasileiro para a TVA. Eu fui ao Tomáz Souto Correa e disse: "Se não pode sair a matéria, não sai a matéria e saio eu". O Tomás tratou de fazer o meio-campo, disse para o Roberto que era sério, que eu ia sair, o Roberto recuou, deixou publicar a matéria. Ali eu tive o primeiro desgaste, que dois anos depois chegou a tal ponto que me fez sair da Abril, pela mesma razão. Porque não podia mais falar do Ricardo Teixeira. O Roberto Benevides é a testemunha principal dessa história. Sabe disso com detalhes.
Sérgio Pinto - Ele foi cooptado?...
JUCA KFOURI - Exato. A ponto do seguinte: na Olimpíada de Atlanta, embora com passagem e estadia pagas pelo jornal O Estado de S.Paulo, fazia parte do jet-set, que é o time dos convidados especiais do Ricardo Teixeira.
Sérgio Pinto - Quem mais fazia parte?
JUCA KFOURI - Os de sempre, aqueles que não surpreendem.
Roberto Freire - Então o grande problema é o Ricardo Teixeira, não é?
JUCA KFOURI - Ricardo Teixeira não é o grande problema. O grande problema é o João Havelange, que é o chefão da máfia: ele é subchefe, ele é genro, e na qualidade de genro ele faz as coisas que faz.
Roberto Freire - Eu queria saber mesmo o que você conhece em relação a toda a corrupção, a todos os jogos políticos que estão sendo feitos dentro do futebol brasileiro de cima para baixo, desde a CBF, desde o Havelange na FIFA, porque esses detalhes de jogadas internas são muito interessantes, poderão ser esclarecidos e tal. Eu achava que você podia ajudar muito a denunciar de forma clara, direta, aonde está a corrupção, as jogadas, as tretas, para que o futebol brasileiro não continue sendo essa coisa medíocre em razão dos cartolas. Acho que tínhamos de nos dirigir à ética. Qual é a ética que existe, ou ela desapareceu?
JUCA KFOURI - Vocês vão ter de ter um pouco de paciência. Eu vou explicar isso com começo, meio e fim.
Chico Vasconcellos - Só para facilitar o seu raciocíno, uma pergunta curta e grossa: na sua opinião, Havelange tem a ver com aquela punição do Maradona para tirar a Argentina do jogo contra o Brasil?
JUCA KFOURI - Sem dúvida. Daí, Chico, você só vai me ajudar, e o Trajano mais, certamente, para entrar com detalhes nessa história, para a gente compor esse quadro. Essa história começa no começo dos anos 70, quando - e isso ninguém pode negar ao João Havelange - o João Havelange saca qual é o tamanho do negócio que o futebol ia virar no mundo, ele percebe isso. Percebe isso num momento em que ele estava mal até com a ditadura brasileira.
Mellão - Por que?
JUCA KFOURI - Porque durante o governo Médici, pós-Copa, já se sabia quanta sacanagem o Havelange fazia com os fundos da CBD. Vamos lembrar quem é João Havelange. João Havelange era vendedor de armas, contrabandeou armas, fez o diabo a quatro.
Mellão - Você fala isso baseado em quê?
JUCA KFOURI - Na história dele. O pai era fabricante de armas, e o João Havelange começou trabalhando com o pai, mas ia expandir os negócios. Bom, quando a ditadura Médici resolveu que ganhar o tricampeonato era uma questão de segurança nacional, a primeira coisa que a ditadura fez, vocês devem se lembrar disso, foi noemar para chefiar a selação brasileira o brigadeiro Jeronimo Bastos, que foi quem de fato montou aquela estrutura toda, uma comissão técnica composta quase exclusivamente por militares. Muitos eram bons, técnicamente, naquilo que foram lá fazer. O Carlos Alberto Parreira, Cláudio Coutinho, Bonetti, Carlesso, Calomino, quer dizer, era isso, militararizam a seleção e tranformaram a seleção num pelotão avançado para ganhar a Copa do Mundo. Bom, ganhou-se a Copa do Mundo, evidentemente que isso trouxe prestígio para o João Havelange, e deu-lhe um salvo-conduto para continuar na CBD.
Trajano - Na época ainda CBD...
JUCA KFOURI - CBD, a CBF é a partir de 80, com o Giulite Coutinho. É naquele momento que o Havelange se dá conta do tamanho do negócio, e se lança candidato à presidência da FIFA. Com que estratégia? "Vou fazer no Brasil, em 72, um torneio, uma Mini Copa, o Torneio do Sesquicentenário da Independência, vou trazer o mundo inteiro para cá, principalmente os africanos, e vou ganhar o voto dessa gente."
Trajano - Ele contou com as minorias...
Sérgio Pinto - Juca, mas o desgaste dele com a ditadura, você falou...
JUCA KFOURI - Eu vou chegar lá; adiante, em 74, isso fica claro. Ele organiza a Mini Copa, pega o Pelé, e vai com o Pelé "ganhar a África." Os europeus se dão conta, a tal ponto que não veio nenhuma grande seleção da Europa, só Portugal, que não era exatamente... e que jogou a final com o Brasil. Alemanha não veio, Itália não veio, Inglaterra não veio, porque se tocaram dos planos do João Havelange. Mas que até sob um ponto de vista menos profundo, era uma jogada do Terceiro Mundo contra a Europa. "Vamos nos liberar do jugo europeu", e se elege presidente da FIFA às vésperas da Copa de 74. Muito bem, neste período, a ditadura e o Havelange fazem o que podem e o que não podem, até ameaçando com a Receita Federal, para que o Pelé vá jogar tanto a Mini Copa, que ele não jogou, quanto a Copa da Alemanha, que ele também não jogou.
Chico Vasconcellos - Quer dizer que a ditadura... até Pelé...
JUCA KFOURI - Até Pelé. Pelé já contou, e dá nome, que o Jarbas Passarinho ameaçou. "Ou joga ou a Receita Federal vai olhar suas contas". O Jarbas Passarinho desmente veementemente a cada vez que o Pelé conta essa história.
Sérgio Pinto - Como que o Pelé consegue resistir a essa pressão e não jogar?
JUCA KFOURI - Olha, o Pelé tinha para ele uma coisa que pouquíssimas pessoas são capazes de ter. Ele dizia: "Eu não ganho mais nada ganhando mais uma Copa. Posso perder perdendo, vou sair daqui por cima, as pessoas vão ter saudade de mim." E tinha todo um planejamento, que depois a Warner entrou para alavancar no sentido de vender esta imagem que vendeu até hoje.
Roberto Freire - Ele colaborava com o Brasil...
JUCA KFOURI - Isso, isso. É uma pessoa muito pouco politizada, a ponto de ter dito aquilo que disse na frente do Bosnan, na TV: "Fui meio covarde, o Afosinho tinha razão, preciso recuperar o tempo da minha covardia como atleta".
Chico Vasconcellos - Coisa honesta pra cacete.
JUCA KFOURI - Vocês não se esqueçam, só como parenteses, o episódio da Elis Regina: o Henfil enterrou no "Cemitério do Caboclo Mamadô", e eu vi como eles se reconciliaram, com a Elis Regina em prantos dizendo a ele: "Eu era casada com o Bôscoli, que dizia ‘você vai cantar lá na Olimpíada do Exército ou vão te prender.’ Eu era uma menina inteiramente despolitizada, eu fui, mas eu me arrependo, mas o que mais me doeu foi você ter me enterrado". E o Henfil dizia: "Não desenterro", isso na mesa, anos depois, em 75. No final da noite desenterrou, mas foi uma catarse. Em 74, com o Havelange já presidente da FIFA, o Geisel resolveu tirá-lo da CBD, porque as contas da CBD estavam todas manipuladas, e mandou o Nei Braga, que então era o Ministro da Educação, avisá-lo que ou ele saia ou o governo ia intervir - coisa que o governo não queria fazer porque achava que ia pegar mal internacionalmente, afinal o Havelange era um brasileiro notório. Mas intervieram! Intervieram inclusive pondo o presidente da ARENA do Rio de Janeiro, Almirante Heleno Nunes, na presidência da CBD.
Trajano - Quando se criou "aonde a ARENA vai mal..."
JUCA KFOURI - ... um time no Campeonato Nacional; onde vai bem, um time também. Chegamos a ter 96 clubes no Campeonato Brasileiro. Só que aí o Havelange já tinha se dado conta do tamanho do tesouro sobre o qual estava sentado.
Hélio Kaltman - E já representava a Adidas no Brasil.
JUCA KFOURI - Se associa aos irmãos Dassler, e criam a agência ISL, que é para a FIFA o que é a Traffic do J. Hawila para a CBF...
Sérgio Pinto - Ela administra a marca FIFA.
JUCA KFOURI - ... uma grande jogada mundial, tendo como sócios Adidas e Coca-Cola. E aí, para não entrar em meandros, o que ele faz? Ele faz um modelo - que é um modelo que depois ensinou para o genro - de que você pode ser dirigente de futebol e vender uma imagem de abnegado pelo esporte sem receber um tostão de salário pelo posto que ocupa, vivendo de comissão dos negócios e negociatas que o futebol possibilita. Então, a situação é exatamente essa. Eu vou fazer aqui uma caricatura, mas que não é uma caricatura. Você pode imaginar quem você quiser de um lado e do outro da mesa, desde profissionais da televisão brasileira até cartolas do futebol brasileiro. Senta um cartola desse lado e um homem de televisão deste; o cartola vai vender o campeonato para o cara da televisão sabendo que vale 20 milhões, e o cara da televisão sabe também que vale 20 milhões. Quando a conversa começa, o cartola diz: "Quero te vender o campeonato por 10". E o funcionário da televisão pensa: "Cacilda, estou economizando 10 paus para o meu patrão, isso vai ser bom para o meu bônus de final de ano. Tudo bem, compro por 10, só que tem uma coisa: como estamos fazendo uma negociação direta, sem agência, os 20% de lei da agência eu precisava que você depositasse para mim na conta tal e em dinheiro."E ele pensa assim...
Mellão - Isso aconteceu quantas vezes, Juca?
JUCA KFOURI - Todo dia. Não se negocia contrato, não é só com a televisão, vou longe. Eu vou te pagar 12, ainda estou ganhando 8 para o meu patrão. Mas eu da televisão tenho uma empresa que vende placas. "Só o seguinte, meu caro cartola: eu preciso que os jogos sejam mais nos estádios tal, tal e tal." Tudo bem. E aí está o ponto central da minha indignação, que é a questão da defesa do cidadão. Essa minha briga se resume a isso: ao direito do cidadão, cidadão torcedor, cidadão telespectador. Por que? E vou ser absolutamente pragmático nesse raciocínio. O Nuzman não faz diferente. A única diferença do Nuzman para essa gente do futebol é que o Nuzman "faz" direito, e ganha. Se o Nuzman estivesse no futebol, nós teriamos campeonatos nacionais com futebol só aos domingos, com estádios com 50 mil pessoas, com a televisão mostrando um produto muito bem embalado, com gramados bons, com luz boa, com tudo direito.
Trajano - Mas a corrupção é igual...
JUCA KFOURI - Exatamente. É aquela velha história do "rouba mas faz".
Mellão - Mas quem são...
JUCA KFOURI - Deixa eu falar, porra! Eu vou te dar todos os nomes depois, o Farah faz assim, o Ricardo Teixeira faz assim, o Caixa D’Água faz assim, todos eles fazem assim...
Trajano - Tem que voltar ao Havelange lá na trajetória dele...
JUCA KFOURI - Isso, porque, senão, eu vou me perder. A forma pela qual são feitos os contratos, isso vale para a televisão, isso vale para a Nike, isso vale para quem quer que seja que entre no mundo do futebol. Porque não saiu rapidamente o Cartão Bradesco Seleção Brasileira, cartão de afinidade? Saiu por todos os clubes e não saiu com a Seleção, só foi sair com o Banco Real um ano depois, quando niguém mais lembrava do Tetra. Porque a mesma pessoa que pediu dinheiro para a empresa do Pelé por fora para ter...
Mellão - Dá o nome cara, não adianta você ficar falando assim e não dar o nome de ninguém...
JUCA KFOURI - Precisamos fazer aqui um interregno para pensar o seguinte: queremos esclarecer o leitor? Queremos. Vamos esclarecer o leitor. Agora, eu não quero ter 35 processos por causa dessa entrevista, é bobagem.
Trajano - Eu queria, se desse para você colocar, onde dá para tirar dinheiro, valor de passe, contrato na televisão, e um cara na FIFA como o Havelange quando vislumbrou a oportunidade de uma grande fortuna, onde ele pôde atacar para fazer essa fortuna.
JUCA KFOURI - Deixa eu explicar, eu estou tentando explicar como são feitas as negociações. Eu estou dando o exemplo da televisão, mas para dizer que é assim com a Coca-Cola... É evidente que quando o Havelange senta com a Coca-Cola, que ela passa a ser o patrocinador eterno, contrato de 40 anos, de todas as copas do mundo, desde junior até a principal, isso custa para a Coca-Cola bilhões de dólares, e ele tem uma participação nisso. Na conta dele, aliás na Suiça, que é o paraíso fiscal do mundo e onde está a sede da FIFA. Agora eu quero voltar à questão que para mim é a questão essencial, que é a defesa do cidadão, do torcedor, do telespectador: qual é o grande problema que entrava o desenvolvimento do futebol brasileiro naquilo que nós, apaixonados por futebol, queremos do futebol? É que na hora em que eu faço um contrato desse tipo, eu não tenho a menor condição de cobrar porra nenhuma, impor nenhuma cláusula restritiva como se faz na NBA com a NBC ou com a ABC ou com qualquer grande rede americana - se atrasar 30 segundos, 500 mil dólares de multa; 1 minuto, 1 milhão; um minuto e meio, um milhão e meio, ou seja, o jogo lá começa as nove, aqui não, começa às quatro. Não começa às quatro, o que é uma sacanagem com o pobre do cara que vai ao estádio para ver o jogo que começa às quatro e o jogo começa às quatro e dez. Mas não é só isso, o jogo é feito no gramado que é feito; o jogo é feito na luz que é feita, que é inclusive antitelevisiva - hoje menos porque as câmeras digitais são capazes de dar uma luminosidade, mas antes quantas vezes você não saiu da novela do Globo, foi para a Rua Bariri no horário nobre da Rede Globo, e você diz: "espera aí, isso não tem o padrão Globo de televisão". Eu sempre digo isso: o dia em que o dr. Roberto Marinho se der conta do quanto se ganha de dinheiro em nome dele, sem que ele saiba, ele é capaz de enfim resolver morrer...
Trajano - Quem sabe ele deixa pra lá porque todo o dinheiro em volta, em todas as áreas...
JUCA KFOURI - Ele não tem conhecimento, porque tudo isso poderia ser feito em nome das Organizações Globo. A Globo podia vender as placas.
Sérgio Pinto - Quanto dá, Juca, um Campeonato Nacional?
JUCA KFOURI - É isso que eu estou falando, se eu vendo por 10..., amigo, que negócio você tem todo ano que você sabe que vai ganhar 2 milhões de dólares de comissão vendendo por 10 um campeonato que você sabe que vale mais? Quer dizer, esse campeonato até não vale mais, percebe, aí é um círculo vicioso, porque esse campeonato é uma merda, mas se for um bom campeonato vale 50.
Trajano - O que você não colocou aí e é importante, foi o seguinte: hoje em dia não se usa mais essa prática só do cara da televisão com o cartola. Eles têm o intermediário, que são as empresas, as sport promotion, sport midia, que fazem essa negociação e dão para cada um a parte que cabe a cada um. Já é uma coisa mais organizada.
Sérgio Pinto - Juca, e aquela história do jogador correr para comemorar diante da placa, ainda tem isso?
JUCA KFOURI - Eu acho que hoje em dia não tem mais, isso foi no começo, na Copa de 82 se dizia que o Éder tinha um contrato desse tipo. Mas isso tudo, Sérginho, sai na urina perto da movimentação da grande cartolagem. Então quero insistir: o que me deixa indignado é o fato de o torcedor, o cidadão, ser enganado e ter uma coisa de pior qualidade, pela forma com que os contratos são feitos, porque é evidente que na hora que eu estabeleço um contrato com você, que passa verbalmente, para você levar o jogo onde eu tenho as placas, e eu te dou uma grana por fora para você depositar na sua conta não sei aonde, obviamente não posso te cobrar que o jogo comece às quatro, não posso te cobrar mais nada, porque o contrato que começou viciado, vai morrer viciado. Não é isso? Bom, este modelo o Havelange sacou e exportou para o Brasil, desde que na mão da sua turma. Quem é a turma do Havelange? A começar pelo genro, a continuar hoje, por exemplo, uma jogada brilhante deles, de ter o presidente do principal clube do país, que é o Kleber Leite, que é do Flamengo, que é sócio do J. Hawilla na Traffic. Que viveu e enriqueceu ...
Mellão - Desculpe, eu não entendi?
JUCA KFOURI - Kleber Leite e J. Hawilla
Mellão - Aquele bunda mole do Flamengo?
JUCA KFOURI - Isso. Que cresceu, ficou rico explorando o próprio Flamengo com os contratos da Lubrax e as placas do Maracanã, que só para você ter idéia, em tempo de inflação 2.000% ele pagava as placas do Maracanã para o governo do estado do Rio de Janeiro 60 dias fora o mês. Só para você ter idéia. Este é hoje o homem que preside o Flamengo, com que raciocíno? Para onde o Flamengo for, tende a levar os outros clubes. Num momento em que se supôs que os clubes poderiam querer começar a brigar por alguma autonomia que a Lei Zico, mutilada, aleijada no Congresso Nacional, ainda permite aos clubes, eles trataram de por um representante deles no principal clube do país, para impedir que esses clubes façam aquilo que na Europa foi feito desde os anos 70.
Sérgio Pinto - Me permite, essas idas e vindas do Romário são para esquentar dinheiro?
JUCA KFOURI - É claro, é claro... Esquentar e lavar o tempo todo. Na minha coluna na Folha dei o perfil da dívida dos clubes com a Receita Federal. A Folha deu que o Banco Central está atrás das transações internacionais. E deu também o perfil da dívida desses clubes com a Previdência.
Trajano - O curioso dessa dívida é que o maior devedor é o Flamengo. E o segundo é o São Paulo, que é tido e havido como o clube melhor administrado, coisa de Primeiro Mundo, apesar de um ex-presidente ter saído de lá como ladrão.
JUCA KFOURI - Tem um caso que é exemplar...
Hélio - Com relação a esse negócio de placas, etc., está em andamento um grande negócio imobiliário na sede do Flamengo, que no jargão imobiliário se chama "pontaço", e não por acaso, pessoas do mercado imobiliário, sem tradição na cartolagem, e eu não vou dar nome senão vou tomar um processo, estão "por acaso" assumindo cargos no futebol, sem a menor tradição.
JUCA KFOURI - A única coisa de que você não pode acusá-los é de não diversificar.
Trajano - Eu queria retomar o seguinte: a gente fala muito no Havelange, no Ricardo Teixeira, nesses cartolas todos, aquela matéria da Vejinha mostrou o crescimento do patrimônio do Farah, e todos esses caras não têm salário, eles têm verba de representação para pagar viagem, almoço, jantar e o crescimento patrimonial é uma coisa absurda. Você já entrou nisso aí, quer dizer, já acompanhou o crescimento do patrimônio de Havelange, Ricardo Teixeira, Farah e cia?
Mellão - Eu completo: por que a Veja São Paulo calou?
JUCA KFOURI - A Veja São Paulo calou por causa dos interesses que hoje o grupo Abril tem com os homens do futebol para poder ...
Mellão - TVA
JUCA KFOURI - É isso.
Roberto Freire - Eu queria levantar uma outra coisa: esses acordos da televisão com os clubes para os jogos é uma coisa honesta? É certo o que eles recebem, o que é pago?
JUCA KFOURI - Evidentemente não. Eu diria o seguinte: é óbvio que não há futebol no mundo que seja melhor produto que o futebol campeão quatro vezes no mundo, em tese. Este futebol é vendido hoje por um preço menor do que o futebol chileno para a televisão do Chile. E é incomparável o tamanho da população, do mercado publicitário, do PIB brasileiro; se você não sabe, é maior que o da Espanha, e a negociação da TV espanhola para transmitir o Campeonato da Espanha, que é incomparavelmente melhor que o brasileiro, até porque os grandes brasileiros estão jogando lá, é 8 ou 10 vezes maior do que os valores daqui. Por que? Porque na Espanha o executivo da TV que negocia com o cartola, negocia com o cartola profissional, que vive disso.
João Noro - Eu morei em Barcelona e achava extraordinário ir ao estádio, 80 mil lugares lá dentro, você comprava um carnê. E há dois ou três anos todos os clubes adotaram a sociedade anônima e se tornaram profissionais.
JUCA KFOURI - Noro, o que me indigna? Aí até antes de falar dos direitos do cidadão. Eu, apaixonado por futebol, quero ter fortes emoções todo domingo. O futebol brasileiro só não mantém aqui no Brasil todos os ídolos que fabrica em função dessa gestão amadora entre aspas, que tem no futebol brasileiro. Por que? Porque se tem alguma coisa em que o Brasil é rigorosamente o primeiro no mundo, é o futebol. Se tivessemos um futebol organizado, teríamos todo domingo 70 mil pessoas no Olímpico, 110 mil pessoas no Maracanã, 90 mil pessoas no Morumbi, 70 mil pessoas no Mineirão, 80 mil pessoas na Fonte Nova, 60 mil pessoas na Ilha do Retiro, e os nossos clubes teriam dinheiro para manter esses jogadores que, diga-se de passagem, a ganhar 70 no Brasil ou 100 na Europa, preferem ficar no Brasil ganhando 70. Agora, claro que entre ganhar 10 no Brasil e 100 na Europa, vamos ganhar 100 na Europa.
Trajano - Eu discordo do Juca um pouco pelo seguinte: é dificil comparar o futebol brasileiro com o futebol europeu porque o futebol brasileiro foi construído em cima do regional, a força do futebol brasileiro foi o Campeonato Carioca, o Paulista, o Mineiro, e depois se criou o Rio/São Paulo, a coisa foi crescendo até virar o Campeonato Brasileiro. Antigamente havia pequenos campeonatos, Campeonato Brasileiro de Seleções, o Campeonato Brasileiro de Clubes foi seqüência do grande campeonato que sempre foi o campeonato regional.
Hélio - Porque você precisa gozar o cara no botequim...
Trajano - Os outros países não têm essa coisa. Não existe o Campeonato da Toscana, na Toscana só tem a Fiorentina, no Porto só tem o Porto, o outro time é da segunda divisão, terceira.
JUCA KFOURI - Espero em Deus, Trajano, que esta seja a nossa última discussão sobre isso, porque agora sem ter que obedecer o tempo de televisão, eu tenho certeza de que você vai sair daqui convencido de que isso já foi verdade e deixou de ser.
Trajano - Eu falo em cima da construção da nossa cultura esportiva.
JUCA KFOURI - Veja bem: é a pura verdade que a organização do futebol brasileiro historicamente nasceu dos campeonatos estaduais, num momento em que o Brasil, país de dimensões continentais, tinha óbvios problemas de comunicação entre os seus estados. Então você tinha o Campeonato Paulista e o Campeonato Carioca, fundamentalmente era o eixo Rio-São Paulo, tanto que gerou um campeonato regional Rio-São Paulo, e o resto se esquecia.
Sérgio Pinto - E o veículo era o rádio...
JUCA KFOURI - Exatamente. Na verdade, a primeira vez em que houve convocação de algum jogador de outros estados para uma Copa do Mundo, por exemplo, foi em 66, quando o Tostão foi convocado, pelo que estava mostrando no Cruzeiro.
Trajano - Em 50 teve um jogador gaúcho, mas foi uma exceção, o Adãozinho, que depois jogou no Flamengo. Nós tínhamos um problema de ponta direita...
JUCA KFOURI - Acontece que chegou a um ponto tal do desenvolvimento do país, que isso deixou de fazer sentido. Por que? Porque hoje o país está integrado. O exemplo que eu sempre dou é tão claro como este: o Internacional de Porto Alegre e o Grêmio de Porto Alegre, para jogar em Salvador contra o Bahia ou contra o Vitória, levam de avião incomparavelmente menos tempo do que levam para ir a Santana do Livramento jogar contra um time sem a menor expressão, coisa que eles têm de fazer de ônibus. Muito bem. Estamos falando aí sobre as frias regras do sistema capitalista do mundo dos negócios. Os 20 maiores clubes do país têm, segundo pesquisas do Gallup e do Ibope, mais de 95% da torcida brasileira. Estamos falando do mercado do futebol brasileiro. São os 13 que nós sabemos, mais o Sport, o Santa, o Vitória, o Náutico, eventualmente o Remo, o Goiás, enfim, eu provo por A mais B, sem nenhum exercício muito brilhante de raciocínio, o seguinte: o Campeonato óbvio é o campeonato que tem o Corinthians, o São Paulo, o Santos e o Palmeiras; o Inter, o Grêmio, o Atlético Paranaense, o Coritiba, o Fla/Flu, o Vasco e o Botafogo, o Cruzeiro e o Atlético - com o que eu mantenho acesa a rivalidade que vale, a que há entre Corinthians e Palmeiras, entre Flamengo e Fluminense, entre Bahia e Vitória, entre Grêmio e Inter. É evidente que se você perguntar ao torcedor corintiano de quem ele prefere ganhar, do Palmeiras ou do Flamengo, ele vai dizer: eu prefiro ganhar do Palmeiras. Agora, se você perguntar para esse mesmo corintiano, de quem ele prefere ganhar: do Noroeste ou do Flamengo? Do Flamengo, é claro.
Trajano - A coisa mais importante que tem no futebol, e o futebol vive disso, é a paixão. E essa "integração brasileira", me assusta isso, que é uma coisa meio "o Nordeste, o Norte brasileiros..."
Sérgio de Souza - Ele está falando de integração pelo transporte...
Trajano - Mas também é só avião, porque não tem trem, não tem porra nenhuma. Se sair daqui para ir jogar em Belém, mais fácil é ir para Miami. E você eliminaria essa paixão, quer dizer, ficaria uma coisa muito técnica...
JUCA KFOURI - Trajano, eu não estou tirando essa paixão...
Trajano - De repente eu vou passar o ano inteiro sem poder comemorar a vitória do meu time...
JUCA KFOURI - Contra quem?
Trajano - Contra o maior adversário meu. Na minha cidade, na minha terra, no meu estádio, valendo pelo campeonato local, não esse campeonato de todos...
JUCA KFOURI - Espera aí, espera aí. Eu monto um campeonato que tenha as grandes torcidas do país, mantendo as rivalidades locais tão acesas como sempre foram, com a vantagem de fazer com que haja apenas dois jogos desses por ano, e não a banalização desses jogos que hoje existe, e acrescento o seguinte: a revista Caros Amigos, brilhantemente dirigida por um gênio do marketing, estabelece o seguinte: que ela vai dar o Troféu de Campeão Paulista daquele ano para o clube de São Paulo que melhor se saiu no confronto apenas entre os clubes de São Paulo.
Trajano - Eu como torcedor me atiraria no Tietê...
JUCA KFOURI - Você precisa ganhar do Madureira ou quer ganhar do Fluminense?
Trajano - Ô Juca, é o seguinte: você colocaria menos clubes, mas não terminaria com essa paixão primeira, isso ainda está na gente.
JUCA KFOURI - Eu acho que essa é uma posição conservadora, de quem não quer uma mudança inevitável. Eu não quero mais jogar contra o Madureira; o Noroeste não existe, Trajano, o Noroeste é uma coisa menor, e como tal vai disputar uma coisa menor.
Trajano - O mesmo raciocínio que você está aplicando aos clubes, você está aplicando aos jogadores com a criação da Lei do Passe. No futebol brasileiro nós temos 17.000 jogadores profissionais...
JUCA KFOURI - E é mentira...
Trajano - Segundo a CBF...
JUCA KFOURI - Mas é mentira.
Trajano - "Quem tiver talento que vá se estabelecer!" Dos 17.000 vão ficar 2.000 e vai criar um desemprego de 15.000 em termos de números inteiros. Você quer acabar com os jogadores de futebol e com a maioria dos clubes - os clubes não sobreviveriam, porque se você tiver um Campeonato Brasileiro de 20 clubes, acaba com o jogador e acaba com o clube.
JUCA KFOURI - Não, não. Trajano, vamos começar...
Trajano - E não acabaria com o dirigente...
JUCA KFOURI - Calma, calma. Só vai ter o dirigente nesse modelo que eu estou idealizando se for o dirigente profissional. Vou mostrar por que. Eu começaria te dizendo o seguinte: não estão reunidos aqui para o lançamento de uma revista que se pretende de grande excelência, jornalistas que a equipe editorial dessa revista não considera que tenham excelência para estar aqui. É o mesmo raciocínio para o futebol. É mentira que existam 17.000 profissionais vivendo de futebol no Brasil, porque a mesma estatística mostra que 92% desses caras ganham 1 salário mínimo, e ninguém vive deste 1 salário mínimo. Esses caras são bóias-frias do futebol, que fazem um bico lá no time do interior de Pernambuco. Não são profissionais, Trajano, como não são profissionais esses clubes. Agora, estes clubes e estes atletas falsamente profissionais que deveriam estar, aliás como estão, trabalhando em banco, no comércio ou no varejo, não sei o quê, lá, lá, lá , são os caras que justificam a existência desses tiranetes das federações estaduais, que vivem do voto da atomização dos clubes contra o voto do Corinthians, do Flamengo, do Botafogo, do Vasco, do São Paulo, que têm massa. A população não é representada por isso.
Trajano - Eu acho que é a elite, é a nata, que vai prevalecer
JUCA KFOURI - Me deixe acabar o raciocínio. O que eu estou propondo? Estou propondo um Campeonato Brasileiro com estes 20 inicialmente que existem, com queda de 4 a cada ano, que vai permitir que a 2ª Divisão fique cada vez mais forte, porque o Corinthians vai estar na 2ª...
Trajano - Mas você não elimina a roubalheira...
JUCA KFOURI - É óbvio que não. Trajano, eu digo sempre isso: eu não tenho nenhuma idéia genial para o futebol brasileiro, eu só tenho as idéias óbvias, quais sejam: já podemos, porque temos transporte para isso, imitar a Europa.
Roberto Freire - A minha pergunta é muito simples: onde nasce o futebol, de onde vêm essas pessoas que querem jogar futebol, que começam a jogar? Tem de ser em clubezinho, e esses clubes estão abandonados, esquecidos.
JUCA KFOURI - Eu vou explicar como você cresce. Eu hoje dirijo, digamos, o Noroeste de Bauru, e eu sei que só tem espaço para mim no calendário do futebol brasileiro 4 meses por ano, que é o Campeonato Estadual de São Paulo. O que eu faço? Eu vivo desativado praticamente 8 meses, e às vésperas do Campeonato Estadual eu pego uns refugos de jogadores que já não servem mais nos outros centros, levo para Bauru e monto um time - eu sei que o meu time não vai chegar na final coisa nenhuma. Então eles moram num hotel. Eles vão morar ali de passagem, 3 meses. Jogadores sem nenhum vínculo com a comunidade, sem nenhuma inserção na vida da cidade, sem nenhum compromisso com a população local, que enganam que jogam futebol durante dois meses, e recebem. No terceiro mês nem sequer recebem, porque o cartola não vai pagar no 3º mês. No 3º mês o que eles fazem? Quebram o hotel, porque não receberam o salário deles, deixam o hotel para ser pago, tomam grandes bebedeiras e pá,pá,pá e vão embora. E deixam um puta de um exemplo ruim...
Trajano - Que vai ser repetido no ano seguinte...
JUCA KFOURI - E será repetido interminavelmente. Há anos que é assim. O que eu estou propondo? Na hora em que eu, presidente do Noroeste de Bauru, souber que o futebol brasileiro tem um calendário de 5 anos, e que o meu time foi convidado para disputar a 3ª Divisão Brasileira, eu faço o seguinte, que é o raciocínio óbvio: 3ª Divisão é uma coisa menor, pouco público, pouca grana, eu vou montar o meu time aqui, com o pessoal da minha cidade. E tem em Bauru uma porção de moleques bons de bola. Vou montar um time aqui. E vou fazer o meu planejamento. Eu tenho por objetivo subir daqui a 5 anos para a 2ª Divisão, para tanto vou montar esse meu time aqui de moleques de 17 / 18 anos, vão perder muito no primeiro ano, no segundo vão equilibrar, no 3º vão ficar ali entre os 8 primeiros, no 5º eu quero ganhar. Disputo a 2ª Divisão, com caras que eu formei na minha cidade, esses caras já estão com 23, 24 anos. Vou para a 2ª Divisão, e vou passar 3 anos nessa merda. Já é melhor, caiu o Vasco esse ano, ele vem aqui a Bauru jogar.
Trajano - Isso acontece muito na Inglaterra, vai da 4ª para a 3ª, para a 2ª e aí é campeão.
JUCA KFOURI - É isso, estou feliz. Mas daqui a 5 anos eu vou estar na Primeira Divisão...
Roberto Freire - E quem faz essa seleção?
JUCA KFOURI - É o professor de educação física, é o meu psicólogo, é o meu técnico. Montei pensando a longo prazo, e comecei a montar com o Supermercado Bauruense, com o patrocínio dele na camisa, enquanto eu estou na 3ª Divisão. Eu estou trabalhando a minha comunidade, com os filhos da minha comunidade, que vão suar sangue por aquela camisa. Quando chegar na 2ª Divisão é possível que a rede de revendedores Pirelli da região de Bauru se interesse, porque já vai ter alguns jogos que a televisão vai mostrar os gols. Eu melhoro, e construo ali um campo de treinamento melhorzinho, compro uns equipamentos para a molecada ficar mais forte, acrescento um pouco de vitamina na comida deles...
Sérgio de Souza - Mas é cidade do interior. Quem vai contratar, quem vai comandar essa coisa, não é o dono da loja lá que faz política, elege vereador, o mesmo corrupto que tem na CBF?
JUCA KFOURI - Não. Espera aí Serjão, corrupção existe no mundo inteiro. Bernard Tapie, presidente do Olimpic de Marselha, foi preso, perdeu o posto de ministro. A questão não é da corrupção, a questão é da impunidade. A corrupção existe no futebol italiano, no futebol espanhol, no futebol francês.
Sérgio Pinto - Você pode propor essa coisa; agora, realizar isso, você tem de começar realmente pela CBF.
JUCA KFOURI - Mas é claro. É o que eu estou falando: na hora que eu tiver uma CBF que estabeleça isso, que diga que as regras agora são essas, e vão valer doravante por tanto tempo, permite que um corrupto, que o bicheiro da cidade, organize o seu time para ganhar dinheiro com ele. Eu estou olhando do ponto de vista do telespectador, do torcedor.
Roberto Freire - A CBF não está interessada no nascimento do craque, não está interessada na formação do atleta, ela quer usar o atleta, só isso...
JUCA KFOURI - Sabe por que? Porque na hora que nós tivermos essa estrutura, meu amor, os Ricardo Teixeira morreram.
Trajano - Eu tenho um exemplo para colocar aqui. É um exemplo que você deu positivo no início da entrevista, que você dizia assim: se o Nuzman estivesse na direção do futebol brasileiro, nós teríamos casa cheia, bons jogos, a coisa bem embalada, lembra? O exemplo que você deu agora de cidade, de pessoas que não têm nada a ver com aquela comunidade e pé, pé, pé e tal, se dá com o voleibol e o basquete brasileiro. As pessoas são contratadas para jogar em Piracicaba, em Sorocaba, passam uma temporadinha, saem de lá...
JUCA KFOURI - Sabe por que? Vamos falar português bem claro. Porque o voleibol e o basquetebol, e o handebol e qualquer outro "ol" que você quiser, são artificiais, não têm a ver com a paixão popular. Aliás, se tivessem, tinha o time do Corinthias jogando basquete contra o time do Palmeiras, e não contra o time da Pirelli... Deixa eu concluir o exemplo do Noroeste, só para terminar na ponta final, que é que mais me interessa, que é a ponta do torcedor apaixonado. No dia em que o Noroeste for para a 1ª Divisão, num trabalho de longo prazo, que levou 7 anos, e que eu, torcedor de futebol, leitor de futebol, estou acompanhando, e o Noroeste vier jogar no Pacaembú contra o Corinthians, eu vou ver que time é esse do Noroeste. Agora, do jeito que é feito hoje, eu não quero ver o Goiás jogar amanhã no Morumbi contra o Corinthians, porque eu sei que não vai ter espetáculo nenhum. Não tem ninguém que me chame a atenção, porque é tudo artificial, é tudo mentira, esses caras já passaram por aqui.
Roberto Freire - Eu acho que todos nós somos apaixonados por futebol, de alguma forma a gente estabelece uma relação entre o futebol e a nossa vida. A gente pode maltratar tudo em nós, menos a nossa paixão.
JUCA KFOURI - Vou te dar um exemplo radical. Eu nunca imaginei, na minha adolescência, na minha juventude, que viesse a ser jornalista. Sempre fui apaixonado pelo futebol, sempre fui apaixonado pelo Corinthians, sempre foi uma coisa muito importante na minha vida e tal. Quando entrei para fazer ciências sociais na USP, o meu projeto de vida era fazer vida acadêmica e escrever uma tese sobre futebol, que sempre foi uma coisa maltratada pela intelectualidade brasileira, até pela nossa tradição muito mais européia, e o futebol e o carnaval eram coisas menores para os nossos grandes intelectuais, a ponto de a primeira grande coisa escrita sobre futebol no Brasil ser do Anatol Rosenfeld, que é alemão. Eu queria fazer uma tese para mostrar que, ao contrário de ser alienante, como a nossa intelectuatilidade supunha, futebol era um fator mobilizante. Por que? Porque eu achava assim, eu sentia assim, eu vi a primeira faixa da anistia ser aberta num jogo Corinthians e Santos, e tal. Estou eu em casa assistindo à Copa de 70, Brasil e Tchecoslováquia, o primeiro jogo, 4 a 1 para o Brasil, um show de bola, toca o telefone. Meu pai atende - eu tinha 20 anos - empalidece, desliga o telefone, olha para a minha mãe e diz: "Luísa, era o Nede (meu tio, casado com a irmã do meu pai), dizendo que o Norberto suicidou-se num hotel da Boca do Lixo". Norberto era um dos ídolos da minha adolescência, casado com uma prima minha, sou padrinho da filha que ele teve com ela, e tinha se mandado para Cuba. Tinha voltado para o Brasil, e a notícia que a gente estava recebendo era que ele tinha se suicidado. Eu saio com meu pai para a casa desses meus tios, e no caminho acaba o jogo, e a população estava na rua festejando, e eu tive ódio. Puta que pariu, o Norberto morreu por este país, e esse caras estão na rua festejando no dia da morte dele. Depois viemos saber que ele tinha morrido numa sessão de tortura no DOI-CODI, e agora está aí sendo um dos que estão tendo suas histórias recuperadas. Nesse dia prometi para mim mesmo que eu ia matar o Sérgio Paranhos Fleury. Eu já era de apoio da ALN, punha gente para fora do Brasil, nunca tinha pego numa arma. Vou fazer treinamento e matar o Fleury, porque foi o Fleury que matou o Norberto. Deve ter como parênteses a coincidência dessas coisas do destino, que bem depois, em 79, no Estádio da Vila Euclides, numa das manifestações de 1º Maio mais gloriosas da história do país, eu estava com o microfone fazendo o ambiente até o Lula chegar para fazer um discurso, quando chega um cara atrás de mim e anuncia que o Fleury morreu, num acidente numa pescaria em Ilha Bela, ou coisa que o valha. Imediatamente, no dia seguinte ao episódio da morte de Norberto, pensei: "Cacete, não confunda as coisas, as pessoas não sabem que o Norberto morreu em nome delas, isso é uma dor tua. Não permita que a ditadura te roube as coisas que você tem de mais essenciais, que é o teu sentimento, é a tua paixão. Não ache que o hino do Brasil é uma coisa que te envergonhe." A ditadura que fazia eu me impedir de ter telefone em casa porque poderia ser ouvido; que me fazia ter medo de ouvir a campainha, porque uma bela noite entraram na minha casa, tocando a campainha, e me levaram a mim e a minha mulher em cana. A ditadura que me fazia ter medo de C14, aquela perua da Chevrolet, porque era o carro do DOI-CODI, essa ditadura não pode tirar de mim as coisas mais íntimas que eu tenho. E para minha saúde fui depois para a rua festejar o Tri, quando o Brasil ganhou da Itália, embora fizesse menos de um mês da morte do Norberto.
Roberto Freire - Preservar os seus direitos de ficar arrepiado na hora de ouvir o Hino Nacional...
JUCA KFOURI - Exatamente. Para mim isso é que é o futebol. Aí eu estava fazendo faculdade e me convidaram para trabalhar na Abril, porque a Placar estava para sair, e eu virei essa coisa que eu virei. O que me move permanece sendo esse sentimento. O fato de ter ido viver por dentro, me permitiu, desgraçadamente, ver essas coisas que hoje eu vejo, o que fez com que eu tivesse, claro, hoje, muito menos paixão, embora torça pelo Corinthians quando ele merece. Quer dizer: sou capaz de fazer essa distinção. Agora, essa minha briga é para conseguir recuperar, minimamente que seja, num mundo que eu sei que não é o mundo que eu idealizo, num mundo de todas as injunções do sistema e pá,pá,pá, que esta paixão possa ser minimanente representada por quem de direito, e não por essa canalha que está aí, é só isso que me move. O que não faz com que eu perca e compreensão, por exemplo, de um fenômeno, como o do ex-presidente Mesquita Pimenta, do São Paulo, pego com a boca na botija. Se você se lembra daquele episódio, o que aconteceu ali? O sr. Mesquita Pimenta tinha comprado o Mário Tilico por US$ 200.000, e o Telê chegou para ele e disse: "Eu, não quero mais o Mário Tilico". E ele pensou: "Fiquei com o mico na mão." Aí telefona para ele um empresário canalha e diz: "Tem um time aqui na Espanha que quer dar US$ 700.000 pelo Mário Tilico, você vende?" E ele pensa com ele mesmo...
Trajano - Qual é a minha, quanto eu levo...
JUCA KFOURI - "Porra, Cacilda, eu venderia por US$ 100 mil. Eu mereço uma estátua se vender esse cara por esse preço aqui no São Paulo. Quer saber, eu larguei a minha banca de advogados que ia muito bem, estou dedicando 14 horas do meu dia aqui no São Paulo... "
Trajano - Vou recuperar...
JUCA KFOURI - "... eu mereço ser ressarcido. Vou vender por US$500.000 publicamente e vou dividir US$ 200.000 com o cidadão que está vendendo. E não vou ter um minuto de dor de consciência por isso." O que eu proponho é o seguinte: que o sr. Mesquita Pimenta ganhe US$ 60.000 por mês, salário de presidente de multinacional, para ser presidente do São Paulo, tenha objetivos, seja bonificado se o São Paulo for campeão, ganhe em cima da venda de passe de jogador se ele fizer um bom negócio, mas que isso tudo seja dito para as pessoas, seja transparente, seja um negócio como outro qualquer, não sob esta capa de falso amadorismo, que eles ganham e a gente não sabe.
Trajano - Antes de falar da imprensa esportiva que é um assunto muito interessante, eu tenho uma coisa que eu acho fundamental para a gente falar aqui. A gente já falou da corrupção dos cartolas, mas não falamos até agora quem está, vamos dizer, enfrentando os cartolas. Será que esse que está enfrentando os cartolas não será uma decepção amanhã, que é o Pelé? O Pelé, maior jogador do mundo, não é passível de ser uma decepção amanhã? Porque o Pelé, temos que registrar aqui o seguinte: ele tem uma empresa igualzinha à empresa de J. Hawilla, de Ciro José e cia. limitada, que é uma empresa de intermediação, de compra e venda, negócios esportivos, iguais aos outros... Tem um sócio que é o Hélio Viana, tive a surpresa na revista Caras, se casou com uma ex Miss Brasil e mora no Juá, ele que eu conheci muito de perto, quando era um zero à esquerda, recentemente não tinha onde cair morto. Será que a gente não corre o risco de amanhã tomar um susto com o próprio Pelé, que hoje está desempenhando um papel importante?
JUCA KFOURI - Vamos falar do Pelé.
Roberto Freire - Eu quero fazer uma pergunta: o Pelé foi indicado por você?
JUCA KFOURI - A informação é verdadeira: Eu era a única pessoa que conhecia bem o Pelé e o Fernando Henrique...
Trajano - Complementando o seguinte: se a indicação do Juca, que é a indicação do Pelé, foi mais uma jogada do governo Fernando Henrique, uma jogada de marketing, que era muito bom ter o Pelé, o Atleta do Século do lado, ou se ele estava acreditando que o Pelé realmente tivesse luzes, idéias...
JUCA KFOURI - Então vamos começar do começo, com essa história do Pelé, um depoimento bem pessoal. "Minha vida com Pelé."
Roberto Freire - Pode passar a parte sexual...
JUCA KFOURI - Não vou entrar em intimidades. Quando eu comecei a minha vida de jornalista, o Pelé já era o Atleta do Século. Comecei em 70 e o Pelé já era tudo o que era. E vi o Pelé pouquíssimas vezes durante muitos e muitos anos. Em 1993 tive a primeira conversa mais séria com o Pelé, via Hélio Viana, que, diga-se de passagem, na sua história foi subsecretário de transportes do governo Brizola, é um cara de Volta Redonda, cujo phisic du role não era exatamente agradável, dessas pessoas de quem você não compraria um carro usado, e que teve o grande mérito de ser a primeira pessoa a fazer o Pelé ganhar dinheiro. Ganhou dinheiro com isso também, aparentemente com absoluta legitimidade. É uma pessoa em quem o Pelé tem uma confiança muito grande, não conheço nenhum homem tão fiel a outro como o Hélio Viana é fiel ao Pelé. Eu fui entrevistar o Pelé para a Playboy quando a revista fez 18 anos e resolveu que pela primeira vez ia repetir uma entrevista. Pelé tinha sido entrevistado muitos anos antes, uma entrevista mequetrefe, e aí então resolvi que ia fazer com ele uma entrevista de verdade. Ela foi marcada primeiro para Nova York, depois ele desmarcou, marcamos para São Paulo, no dia que eu fui, com fotógrafo e tal, que por acaso era o meu irmão Cacalo, chegamos na portaria do prédio do Pelé, tinha uma recado dizendo que "precisou descer para o Guarujá." Um belo dia eu estou lá trabalhando na Playboy, uma quinta-feira, toca o telefone, era o Pelé me ligando de Cuenca, no Equador, onde o Brasil jogava a Copa América, ele era comentarista da Rede Globo, e me disse o seguinte: "Bobeamos, vou passar aqui 15 dias, a única coisa que eu tenho que fazer são os jogos do Brasil a cada 3 dias. Por que você não vem para cá fazer a entrevista?" Eu falei: "Está bom, eu vou". E no domingo eu estava em Cuenca para entrevistá-lo. Tivemos uma conversa de noite, num jantar, e marcamos para começar a entrevista no dia seguinte. Na 2ª feira eu fui lá para o quarto dele, e com aquela coisa do aquecimento para a Playboy, perguntei da casa, dos filhos, coisas que eu já sabia, mas só para esquentar. Com 20 minutos de entrevista - eu imaginava, como em todo aquecimento de Playboy, que isso fosse levar 2 ou 3 horas, em regra a primeira sessão você joga fora, tira no máximo algumas frases, - eu perguntei para ele, que estava falando dos filhos:
"Rei, você é chorão, faz tempo que você não chora?" E ele me diz assim: "Chorei anteontem." "Por que?" "Uma coisa chata, eu tive uma briga com o Zoca uns 10 dias atrás (Zoca é o irmão dele). O Zoca está construindo uma casa lá em Ilha Bela, está obcecado por aquela casa, e deixou os assuntos do escritório, eu tive uma discussão com ele muito séria. Pela primeira vez eu briguei com o meu irmão. E anteontem eu estava aqui, liguei para a casa da minha mãe, como faço com freqüência para dar notícias, perguntei para ela: ’Como é mãe, tudo bem?’, e ela me respondeu: ’Tá tudo bem filho, está tudo em ordem’. Eu disse: ’que bom’. ’Quem não está nada bem é seu irmão.’ ’Por que, mãe?’ ’Não dorme desde que brigou com você’. ’Mas como, mãe?’
’É, está um zumbi. Meu filho, dá uma ligada para ele, se acerta lá, pede desculpa, você aceita tanta coisa de gente ruim e não briga, e vai brigar com o seu irmão’? ‘E ela começou a chorar e eu comecei a chorar’. Aí ele começou a chorar na minha frente e dizia: ‘que merda, que merda’.... Eu: "Chora Rei, chora, quem chora não tem enfarte". Chorou dois minutos e meio na minha frente. Quando acabou de chorar, ele era uma manteiga. Onde eu enfiava a faca eu tirava o que quisesse, eram postas, péin, péin... E ele falou durante umas duas horas coisas do arco da velha. Para ter idéia, nessa entrevista a chamada de capa era "Pelé reentrevistado por Playboy fala 13 vezes que está contando uma coisa pela primeira vez". Foi nessa entrevista que ele denunciou a corrupção na CBF. Foi essa entrevista que custou a ele não participar do sorteio da Copa do Mundo...
Trajano - E um processo, né?
JUCA KFOURI - Foi essa entrevista que lhe custou um processo, e sobre o qual ele teve um comportamento absolutamente exemplar, porque o processo era contra mim e contra ele, e ele fez com que tirassem o processo de mim...
Trajano - De quem é o processo?
JUCA KFOURI - Do Ricardo Teixeira.
Trajano - Ele acusou o Ricardo Teixeira também...
JUCA KFOURI - Porque ele disse que não podia ser processado um jornalista que tinha se limitado a transcrever o que ele havia dito. No dia seguinte, para ser sincero, recomeçando às 2 da tarde, eu achei que tinha obrigação ética de repetir para ele o que ele tinha dito, pois ouvi a fita de noite...
Sérgio Pinto - A gravidade das coisas...
JUCA KFOURI - Eu já estava satisfeito, ele tinha dito. Ele tinha me dito certas coisas sob forte emoção, e eu achava importante saber se ele queria manter ou não. Ele virou para mim e disse: "Juca, é a segunda vez que eu estou sendo entrevistado por Playboy, não é?" Eu disse: "É". "Se não for para valer não faz sentido, faz?" Eu disse: "Eu acho que não, você está me dizendo tudo o que eu quero ouvir, mas eu me sinto obrigado." "Então você vai ouvir mais". E pá, pá, pá. E aí veio a história da Xuxa, etc. Essa revista foi reproduzida no mundo inteiro. Foi uma cagada porque tinha Havelange, embora ele desse nota 10 para o João Havelange nessa entrevista... Bom, aí tive a minha aproximação com o Pelé. Passamos a nos ver, eu não sei com que freqüência, ele me telefonava às vezes, foi muito direito na administração daquilo ali e tal. Um belo dia - estamos falando de quando o Fernando Henrique foi candidato, 94? - o Fernando Henrique aponta na última pesquisa como vencedor no primeiro turno. E eu pensei com meus botões: "Estou fodido... Quando chegar na última das prioridades dele: ‘Temos um cargo aqui de Secretário de Esporte que tem nível de ministro. Quem nós vamos chamar?’ ele vai dizer: ‘O JUCA KFOURI. Meu aluno, aluno da Ruth, o único cara que eu conheço que conhece esporte, é decente..."
Sérgio Pinto - Nenhuma sinalização...
JUCA KFOURI - Não. Eu pensei com meus botões, me pus na cabeça dele: é óbvio que eles vão chegar em mim...
Trajano - Porque não é a seara dele, você é um cara que ele conhece...
JUCA KFOURI - É óbvio. Eu tinha participado da organização de um almoço no Clube Pinheiros, o Almoço dos Esportistas, no qual chegando juntos ele, o Sérgio Motta e eu, pelo celular o informam que o Ricardo Teixeira e o Eduardo Farah estavam presentes. Ele vira para mim e fala assim: "O que a gente faz com isso, a gente põe na mesa principal?" Eu falei: "Se puser eu caio fora, nem pensar, senador." Aí ele disse: "Claro, nem pensar. Qual é a solução?" Eu disse: "Manda montar uma mesa só de atletas com você." Foi uma coisa. Saiu na imprensa no dia seguinte: Farah e Ricardo Teixeira postos numa mesa atrás da coluna. E ele fez lá um discurso que eu tinha preparado, de compromisso com os atletas e não com a cartolagem. Era eu, na minha cabeça: "Isso vai dar em mim! Sair do Maluf é mole, sair do Fernando Henrique é mais complicado." E não deu outra. Fernando Henrique eleito, pá, pá, pá... composição da equipe. Um belo dia me liga um deles, Paulo Renato. Ele: "Bom dia, Ministro do Esporte..." Eu disse: "Nem pensar." "Por que nem pensar?" "Não quero morar em Brasília, sei que o dinheiro é muito pouco, tenho muito filho, quero ser jornalista, estou fora." Aí um belo dia liga o eleito: "Escuta meu, tua vida inteira brigando, agora eu tô de dando a bazuca, e você não vem para a briga? Porque não quer morar em Brasília? Você acha que eu quero, você acha que a Ruth quer morar no palácio?" Sei, não quer... ele queria... Mas mais do que isso, eu tinha um raciocínio óbvio...
Trajano - Você fazendo a barba, se olhando no espelho, se vendo com cara de ministro, não houve esse momento?
JUCA KFOURI - Não. O que me ocorria era: preciso ter uma saída melhor do que eu. E aí até por raciocínio político. Eu tinha acabado de ver o Zico ser Secretário de Esporte e essa cartolagem bater na cara dele, o Havelange passar por cima. O Márcio Braga ser Secretário de Esportes, e as pessoas passarem por cima. Iam bater na minha cara. Imagina se o Havelange ia pedir audiência para mim, ia pedir para o Fernando Henrique, direto. Se pusesse ali a santa figura do Crioulo, ia ter que pedir para o Crioulo, não ia pedir para o Fernando Henrique. Porque era uma solução muito interessante do ponto de vista do marketing, mas ao mesmo tempo um problema. Como você demite o Pelé? Complicado, né? Aí fez-se uma articulação que por essas circunstâncias da vida a única pessoa que podia fazer era eu, da qual se você quer saber, eu me penitencio jornalisticamente...
Roberto Freire - Por que?
JUCA KFOURI - Porque guardei um segredo durante 2 meses, porque enganei jornalista, porque o Fernando Henrique foi lá em casa com o Pelé e eu neguei que o Pelé estivesse sendo convidado. Só foi possível porque eu tinha saído do Jornal da Globo aquela semana...
Roberto Freire - Quanto tempo ficou o segredo?
JUCA KFOURI - Dois meses, o único segredo guardado no ministério, a única surpresa no anúncio do ministério do Fernando Henrique foi o Pelé. Bom, vamos voltar lá atrás - minha avaliação em relação ao que o Trajano perguntou: o que eu acho do Pelé. Eu acho o Pelé uma pessoa com uma profunda sensibilidade para, no limite, ficar sempre no lado do bem e não do mal. Extremamente simplório, politicamente absolutamente carente de preparo, mas com um radar que eu adoraria ter 10%. É impressionante. Então eu não tenho, vê bem Trajano, nenhuma dúvida de que o Pelé não vai fazer nenhuma traição às questões centrais. O que não significa que, dado até o espírito cordato do Pelé, ele não seja passível...
Trajano - De fazer uma lambança.
JUCA KFOURI - Não, de fazer um reatamento com essa canalha, em nome do "Deixa de brigar, o Brasil é maior do que a nossa briga..."Corre esse risco, e é óbvio - não porque eu esteja fazendo uma declaração pública aqui entre amigos - que eu não tenho nenhum controle sobre isso. As pessoas é que imaginam que eu tenha um poder sobre o Pelé que eu não tenho.
Chico Vasconcellos - Voltando ao começo da conversa, eu lhe perguntei o seguinte: o que João Havelange tinha a ver com a punição de Maradona e por que foi feita essa maracutaia?
JUCA KFOURI - Muito bem, vamos ao óbvio de novo. O João Havelange se elegeu presidente da FIFA contra o continente europeu. Se manteve durante muitos e muitos anos se reelegendo presidente da FIFA sem que a Europa gostasse, mas sem que a Europa pudesse fazer nada, portanto a Europa aderindo. Com a Europa sabendo todas as sacanagens que o Havelange fazia. Mas o Havelange tinha, a exemplo do Farah aqui em S.Paulo, uma coisa que ninguém podia discutir com ele: "Eu sou presidente da FIFA há 4 Copas do Mundo, e o Brasil não ganha a Copa do Mundo." Como o Farah diz: "Eu sou presidente da Federação Paulista há 8 anos,e o Guarani não é campeão, meu time." O que seria um atestado de honestidade. O Havelange foi presidente da FIFA em 78 na Copa da Argentina, o Brasil perdeu, hoje se sabe, por uma tramóia entre peruanos e argentinos. O Brasil perdeu a Copa de 82, que o mundo inteiro chora até hoje, num jogo para a Itália, em que um árbitro de Israel, o sr. Abraham Klein, viu o Maldini arrancar a camisa do Zico, rasgar o Zico dentro da área, e não deu pênalti. O sr. Havelange era presidente da FIFA em 86, quando o Brasil perdeu nos pênaltis para a França, num lance até hoje discutido, que mudou a regulamentação do pênalti, bateu na trave e voltou, acabou o pênalti, porque não era situação de jogo. O Brasil perdeu a Copa de 90 graças ao Maradona e ao Lazzaroni. Então o Brasil não era campeão do mundo. O Havelange vivia muito disso dentro da Europa. Aí chega 94, com movimento de oposição ao Havelange já chegando no limite. E o raciocínio dele foi muito evidente: "Essa nós precisamos ganhar, porque o meu genro é o primeiro presidente de CBF que disputa duas Copas sem ter ganho uma." Até então, se você olhar, 58 o Brasil ganhou com Havelange na CBD; 62 o Brasil ganhou com Havelange na CBD; 66 o Brasil perdeu com o Havelange na CBD, a coisa ficou ruim para ele, mas em 70 o Brasil ganhou com ele na CBD. Em 74 o Brasil perdeu a Copa com o Havelange. Em 78 já era o Heleno Nunes, perdeu; em 82 era Giulite Coutinho, o Brasil perdeu; em 86 era Otávio/Nabi, o Brasil perdeu; em 90 já era Ricardo Teixeira, em 94 pela primeira vez repete-se o presidente, e ele não podia perder outra vez porque o Havelange já estava raciocinando que podia perder a FIFA mas não podia perder o domínio do futebol brasileiro. Monta-se a tabela mais a caráter do Brasil, de maneira tal que se o Brasil ganhasse os jogos que fosse tendo pela frente, como era de supor que ganhasse, só corria o risco de pegar Argentina, Itália ou Alemanha na final. Não havia a menor hipótese de pegar na semifinal ou nas quartas de final nenhum dos papões. Se você se lembrar bem da trajetória do Brasil, aos trancos e barrancos, porque o time era um time de futebol de resultados, o Brasil tem o primeiro jogo muito complicado com a Holanda, que era apitado por um juiz da Costa Rica, um absurdo você pensar numa quarta de final de uma Copa do Mundo, Brasil e Holanda ser apitado por um juiz da Costa Rica, sem nenhuma tradição. Se você se lembrar dos 3 gols do Brasil, vai lembrar que 2 eram absolutamente passíveis de ser anulados. Romário voltando e a falta do Branco dando cotovelada no holandês até tomar uma falta e fazer o gol.
Sérgio Pinto - Aquele gol do Romário é irregular?
JUCA KFOURI - O do Bebeto.
Sérgio Pinto - A saída do Romário é irregular?
JUCA KFOURI - A volta do Romário. O Romário veio voltando e a bola era lançada para ele e ele se faz de Miguel. Eu te diria até que hoje em dia é inteiramente aceitável aquele gol, mas na época não era. Claro, o Brasil vai na final contra a Itália, o jogo é decidido nos pênaltis, é difícil dizer que alguém roubou para o Brasil ganhar aquele jogo. Agora, no correr da Copa surge um time que pode ganhar do Brasil, e só um, era aquele puta time da Argentina jogando com 3 atacantes.
Trajano - O time que a gente sempre temeu...
JUCA KFOURI - Exatamente. Caniggia, Batistuta...
Trajano - E Redondo...
Sérgio Pinto - Caniggia, Batistuta e Maradona...
JUCA KFOURI - Redondo atrás... Era um puta time. Muito bem, o que se sabe dessa história? Qual era o grande desafio daquela Copa? Era fazer uma Copa nos Estados Unidos e lotar os estádios e fazer daquilo um bom produto. O que o Havelange fez? O que o João Havelange sentiu antes daquela copa: não tem nenhuma grande estrela nessa copa. Tem eventuais candidatos a estrela, mas uma grande estrela não tem. A grande estrela do futebol mundial se chamava Don Diego Maradona. O que se fez? "Maradona, vem para a Copa". Para o Maradona vir para a Copa ele precisa perder 20 kg. Perder 20 kg sem química, não perde. "Dá a química, eu seguro o anti-dopping." Vê bem o que eu estou dizendo, não estou dizendo que tenham fraudado o exame anti-dopping...
Trajano - Foi feito um acordo...
JUCA KFOURI - Estava combinado que ele não iria para o anti-dopping, porque era inevitável que aparecesse. Aí a Argentina pintou nas quartas de final contra a Romênia, e ia matar a pau, e o jeito de tirar a Argentina era pegar o Maradona no anti-dopping. Escolheram o Maradona no anti-dopping, estranhamente é a única cena da televisão americana...
Trajano - ... em que a enfermeira entra em campo...
JUCA KFOURI - É, e eu diria o seguinte, com toda a tranqüilidade... é possível que eu esteja aqui reproduzindo uma teoria conspiratória.
Alberto Dines - O Maradona já falou...
JUCA KFOURI - Sim...
Sérgio Pinto - Você acha que a câmera não ia em cima...
JUCA KFOURI - Exatamente por isso que eu estou dizendo: é possível que eu esteja aqui reproduzindo uma teoria conspiratória. Maradona, o grande astro, tinha acabado de ganhar um grande jogo, feito um gol, feito uma cara de maluco para as câmeras, uma cara possuída. Evidente que a TV americana vai atrás da grande estrela escolhida para o anti-dopping. Anti-dopping era uma coisa complicada na vida do Maradona, tinha sido pego com cocaína na Itália, não é isso? O que ensina a regra da boa ladroagem no futebol? Que você facilita o caminho, mas não chega a ponto de fazer um roubo a mão armada na frente de todo mundo. "Olha, eu te trouxe até aqui meu, agora te cuida..."
Trajano - Te vira...
JUCA KFOURI - Te vira. O Brasil foi levado até lá...
Sérgio de Souza - Quem sustenta o Havelange hoje?
JUCA KFOURI - Adidas... não! Hoje até é mais a Nike do que a Adidas. Mas a Coca-Cola.
Sérgio de Souza - Com certeza?
JUCA KFOURI - Com certeza absoluta.
Sérgio de Souza - Em que medida isso?
JUCA KFOURI - Serjão, nessa medida em que os contratos com a Coca-Cola são contratos milionários, e tem uma agência, a ISL, que defende os interesses do Havelange e a comissão é do Havelange.
Sérgio de Souza - O resto do mundo fica olhando...
JUCA KFOURI - Esse Lenalrt ?? Lennart?? Johnson, da Suécia, tem dito isso. Eu tenho, aliás eu publiquei na Folha, a troca de cartas de uma agência americana, ING, que se candidatou para as próximas Copas e não obtinha resposta. E fez uma oferta inicial de 1 bilhão de dólares. A troca de cartas entre a FIFA e esses caras eu tenho lá.
Sérgio de Souza - E o resto da imprensa mundial, como se comporta?
JUCA KFOURI - A imprensa mundial fala. Serjão, se eu contasse para você que uma vez por mês pelo menos... agora o mês que vem uma TV da Austrália vem me entrevistar, eu virei um jornalista brasileiro mundialmente conhecido por dar porrada no João Havelange. A BBC já veio, a ABC já veio, a TV 1 francesa já veio, o Financial Times...
Trajano - O que mostra o interesse da crítica em alimentar essa coisa com relação ao Havelange...
JUCA KFOURI - Porque os europeus sabem e querem derrubá-lo. Mas dirão: é por xenofobia européia contra o brasileirinho do Terceiro Mundo. Não, é pelo tamanho do negócio.
Sérgio de Souza - E na imprensa européia tem corrupção tanto quanto aqui, ou não?
JUCA KFOURI - Aí eu não posse te dizer, eu não sei te dizer. O que eu sei é que aqui ...
Chico Vasconcellos - Isso, como é a daqui, vamos falar agora como é aqui, essa conivência dela com esse samba todo?
JUCA KFOURI - O que nós temos aqui? Nós temos aqui que hoje você não sabe mais quem é jornalista, quem é garoto-propaganda, quem é promotor de evento, quem é vendedor de placa, quem é empresário de jogador.
Julio - E corretor de anúncio...
JUCA KFOURI - No rádio todos são corretores de anúncio, por definição.
Trajano - É bom colocar isso Juca: é uma coisa muito curiosa na imprensa esportiva, a gente que sempre brigou contra isso, esse negócio todo, e a gente trata bem até, esse tipo de gente, que a ética é diferente. No rádio, o grande comunicador, o grande chefe de equipe... vide Osmar Santos...
Chico Vasconcellos - Tem anunciantes...
Trajano - É aquele que sai de uma rádio para outra e leva com ele a sua carteira de anunciantes. Isso na imprensa escrita sempre foi tido como a maior agressão, a maior bandidagem possível, porque você chegar no jornal: "Eu tenho uma coluna, só que tem a Coca-Cola comigo..."
JUCA KFOURI - Usos e costumes do meio radiofônico
Alberto Dines - E hoje está na televisão...
Trajano - Mais profundamente...
JUCA KFOURI - Hoje na televisão o que você tem são duas coisas distintas. Você tem claramente o interesse do entretenimento, que leva os donos das organizações a limitar o grau de liberdade de informação do seu jornalismo com relação a esses personagens...
Alberto Dines - Deixa só eu fazer uma correção. O esporte não é mais departamento de jornalismo, antigamente era. Isso é uma coisa muito problematica.
JUCA KFOURI - Então o que você tem? Você não pode, na televisão, fazer críticas a essa gente, na medida em que isso atrapalha os negócios da organização, da transmissão dos eventos esportivos. Ao lado disso, você tem entre os executivos de televisão alguns até com funções jornalísticas entre aspas, e que são as pessoas que tratam com os cartolas, essa ambígua figura do executivo da Rede Globo, da Rede qualquer que seja...
Trajano - Um fechador de negócios...
JUCA KFOURI - Fechador de negócios e dono de empresa que vende placa. Entendeu? Então o limite é óbvio...
Albert Dines - Não há limite...
JUCA KFOURI - Eu tive uma experiência de 7 anos fazendo o Jornal da Globo. Vou te contar um episódio aqui, é a oportunidade de contar esse episódio. Eu fui fazer acho que o 2 º ou 3º jogo como comentarista da TV Globo, um jogo Santos e América de Rio Preto, na Vila Belmiro. Chovia, e o gramado da Vila Belmiro era um charco. Narrador transmitindo o jogo e ele me chama: "Então JUCA KFOURI, 10 minutos do jogo, o que você está achando da partida?" "Eu queria avisar ao amigo da Rede Globo que vou me recusar a fazer comentários técnicos em relação a essa partida, porque é uma desumanidade com o atleta de futebol profissional criticá-lo sob essas condições. A bola vai bater na canela, o nego não vai poder fazer coisa alguma, o jogador que é jogador não olha para a bola, aqui vai ter que olhar, se não olhar não mata a bola. Então isso aqui não é um gramado, é um charco, um gramado nessas condições deveria ser proibido". Eu acabo de falar isso, entra alguém no meu fone de ouvido, e eu juro por Deus que eu não sei quem foi, porque se eu soubesse eu diria: "Juca, não fala do gramado que as placas são nossas."
Alberto Dines - Gol de placa!
JUCA KFOURI - Pergunto eu: "Nossas quem, cara pálida?" O Luis Alfredo estava narrando o jogo, olhei para o Luis Alfredo, ele seguiu. Passados mais uns 15 minutos, o Luis Alfredo: "Fulano chuta longe, não sei o que... JUCA KFOURI, um gol tão fácil..." Eu digo: "Não é verdade, Luis Alfredo. Um gol dificílimo de fazer nessas condições de gramado." Aí eu ouço aquela mesma voz dizendo: "Luís Alfredo, não chama mais o Juca." Aí o Luis Alfredo faz assim, abre os braços impotente.
Roberto Freire - Você não teve curiosidade de saber quem era?
JUCA KFOURI - Eu suponho quem seja, mas seria um cara que já morreu, de câncer, um horror. Mas as placas eram da empresa do Ciro José.
Sérgio Pinto - O caso do J. Hawilla, parece que ele é o dono da empresa mais...
JUCA KFOURI - A Trafic. Tem o futebol sul-americano e a CBF...
Sérgio Pinto - Ele teve uma carreira de jornalista, parou e se lançou nesse mercado, eu acho legítimo...
JUCA KFOURI - Sem dúvida, virou empresário e joga as regras do jogo, mas nega que seja o que é, sócio do Ricardo Teixeira.
Trajano - Eu sempre fui um brigador contra essa coisa toda corrupta, safada, e tal, mas em relação a essa coisa chamada imprensa esportiva tem que fazer uma colocação: é como se todas as safadezas da nossa profissão estivessem concentradas ali. Há uma cobrança da corrupção, e se esquecendo de uma corrupção brutal - vamos pegar a televisão onde a corrupção é maior. A maior corrupção da televisão se dá no dia-a-dia, não só através da notícia até mais safada, e dos programas dos horários comprados, das pessoas que defendem interesses de todo mundo. Está na cara que o Otávio Mesquita, que faz papel de repórter, e Goulart de Andrade, que foi um jornalista até respeitável, que compram horário, viram garotos propaganda, e parece que a imprensa esportiva é que paga todos os males. E na política, Serjão? Jornalista que faz campanha política? A gente nunca parou para discutir o jornalista que larga a sua atividade profissional para fazer uma campanha de um partido não sei o quê. Eu acho muito mais grave...
Alberto Dines - E depois voltam...
Trajano - Voltam com a maior cara de pau.
Sérgio Pinto - Mas tem outra coisa também: a média do jornalista esportivo é menos qualificada intelectualmente, profissionalmente, que a média do jornalista econômico.
Trajano - Não é verdade, hoje. O jornalista esportivo de amanhã, e já está sendo hoje, é o filho do Juca, ou o Pedro Bassan, é uma garotada que está surgindo, que vem vindo aí, não tem ainda os cargos de chefia, mas é uma garotada que fala inglês, que tem um conhecimento de esportes que nunca passou pela cabeça da gente, que lê, que tem um interesse maior, e que acha essa coisa toda detestável. Eu só estou colocando essa coisa porque eu acho importante colocar.
JUCA KFOURI - Na imprensa escrita hoje não, e na televisão está surgindo uma garotada muito boa. Rádio continua a mesma coisa.
Alberto Dines - O rádio em geral, no Brasil, a terceirização das rádios, está me preocupando terrivelmente...
JUCA KFOURI - Você não tem mais repórter de campo, você tem out-door ambulante. É tudo "Brahma, Caninha 51," um horror.
Trajano - Eu tenho muito contato com essa garotada, eu vi muita gente alí, e vejo muita gente interessante que esse tipo de coisa não passa pela cabeça deles. E eles se preocupam com a formação deles.
JUCA KFOURI - Você tem razão. Eu tenho uma teoria que pode até não ser verdadeira, que é a seguinte: me assusta muito que toda e qualquer pesquisa de opinião pública sobre credibilidade das instituições mostre que a imprensa está sempre muito mal colocada. Em regra, primeiro a igreja, os bombeiros, os correios, os médicos, a OAB e aí, lá em baixo, você tem políticos, imprensa, prostitutas... Eu fiz uma teoria na minha cabeça que é a seguinte: isso se deve em grande parte à imprensa esportiva, que é, por razões óbvias, um setor da imprensa que faz com que as pessoas tenham muita notoriedade. E acho que tem uma grande confusão na cabeça da opinião pública, exatamente em função dessas pessoas que são tão notórias e fazem anúncio de imobiliária, anúncio de bingo, anúncio de disque-900, remédios...
Trajano - Remédios, que é uma coisa perigosíssima...
JUCA KFOURI - Então eu diria o seguinte: se você olhar o panorama, principalmente da televisão, que é claramente o setor da imprensa esportiva mais notório, você vai ver que as pessoas mais importantes dessas redes de televisão são, em regra, pessoas que estão envolvidas ou com promoção de eventos ou com venda de placa, ou fazem papel de garotos propaganda, ou vendem jogador, são intermediários na transação de jogador. O que faz com que a opinião pública não saiba se quando o fulaninho é elogiado é elogiado porque de fato joga bola ou se porque aquele comentarista ou aquele repórter estão querendo vendê-lo. Agora, isso infelizmente nos meios eletrônicos abertos é a regra, não é a exceção.
Sérgio Pinto - Você imagina que a opinião pública saiba que eles são assim?
Roberto Freire - Não sabe absolutamente...
JUCA KFOURI - Ela saca...
Roberto Freire - Não saca, não. Desculpe Juca, aí eu vou discordar.
Sérgio de Souza - Você se considera um o quê, Juca, um cruzado?
JUCA KFOURI - Muito obrigado. Em regra, quando querem me diminuir me chamam de quixotesco. O Roberto Civita um dia me disse isso: "Você é um cruzado". E eu disse a ele a mesma coisa: "Na Globo me dizem que eu sou um Dom Quixote." Eu acho que é um sentimento de indignação mesmo, mas não vou fazer disso nenhum cavalo de batalha, nenhum martírio. Te diria que isso hoje é muito mais a meu favor do que contra mim. Se fosse por oportunismo eu faria essa mesma opção, porque isso me distingue...
Sérgio Pinto - Você já recebeu alguma proposta indecorosa? Ou algum contato que você sentiu que ia levar alguma proposta...
Alberto Dines - Sugestiva.
JUCA KFOURI - Já.
Sérgio Pinto - De quem?
JUCA KFOURI - Eu diria para você que o mesmo J. Hawilla que fez o encontro de Ricardo Teixeira e Roberto Benevides, tentou fazer isso comigo.
Sérgio Pinto - O J. Hawilla é que promoveu esse encontro? E tentou fazer isso com você também...
JUCA KFOURI - Tentou. É o papel dele.
Sérgio de Souza - Quantos sobram, Juca, nessa barca aí? Você e o Trajano?
JUCA KFOURI - Não, sobram mais.
Sérgio de Souza - Digo de projeção...
JUCA KFOURI - Eu te diria, a equipe de reportagem da Folha de S. Paulo, por exemplo, boto a mão no fogo por todos eles.
Sérgio de Souza - Não, estou falando de televisão, de projeção nacional...
JUCA KFOURI - Que eu ponho a mão no fogo na televisão... para deixar claro que isso não significa que outros por quem eu não ponha a mão no fogo não sejam decentes, mas eu ponho a mão no fogo pelo Flávio Prado... Trajano, me ajuda!..
Alberto Dines - O Armando Nogueira?
JUCA KFOURI - O Armando é outra coisa, o Armando não se confunde com isso.
Alberto Dines - É hors concours.
JUCA KFOURI - Eu ponho a mão no fogo, do ponto de vista da honestidade, de um Osmar de Oliveira. O Sílvio Luiz é um cara muito decente, embora incorra nesse tipo de coisa, faz ali uma propaganda, coisa e tal, eu sou contra...
Sérgio de Souza - Pedir camiseta, tudo bem...
Trajano - Como o Silvio Luiz é um cara assim brega, ele alimenta isso, é o marketing dele, comentando o jogo, falando, mas não se aproveita disso sacanamente, é um estilo.
Sérgio Pinto - Como é quando você vai a um estádio ver um jogo e cruza com essas pessoas? Que tipo de reação você recebe dessa gente?
JUCA KFOURI - É cínica, eu te diria. Outro dia mesmo o Trajano foi testemunha de uma cena dessas. Eu encontrei, num bar que a gente vai tomar cerveja, depois do Cartão Verde...
Trajano - E na mesa ao lado...
JUCA KFOURI - Estava ali o pessoal da Record, que tinha acabado de me descascar, e dito que eu tinha o olho esbugalhado...
Trajano - Meteram a orelha na gente essa semana, sabia? Disseram que o Sérgio Groissman foi no programa da gente e recebeu um cachê.
Sérgio Pinto - Mas e aí, como é?
Trajano - É cínica mesma. Sabe o que acontece, Serginho? A gente não freqüenta o meio. No nosso dia-a-dia, quando você fala em imprensa esportiva dá a impressão de que o cara freqüenta ali um clube. Nosso mundo é maior, porque o cara, para ser bom jornalista esportivo, tem que olhar o mundo de um outro jeito.
Sérgio Pinto - Mas vocês se encontram em algumas situações. Eu queria saber se tinha algum tipo... No estádio?
JUCA KFOURI - Você não cumprimenta
Roberto Freire - Em viagem, você tem que conviver, é o mesmo avião...
Trajano - O Avalone não me cumprimenta mais...
JUCA KFOURI - O Orlando Duarte eu não falo com ele...
Sérgio de Souza - O Orlando Duarte vendeu placa na TV Cultura!
JUCA KFOURI - Isso, vendeu placa na TV Cultura.
Trajano - Mas a sensação Juca, não sei se você concorda comigo, e você tem uma formação diferente, para fechar um pouco essa conversa. Você teve uma formação de Editora Abril, e eu tive uma formação de Jornal do Brasil, nós tivemos uma formação de imprensa escrita. Essa formação foi muito importante, marcante e sólida para a gente poder mais tarde até enfrentar melhor isso daí...
JUCA KFOURI - Sem dúvida.
Trajano - Se você nascesse no rádio, nascesse em não sei o quê, é possível que você se contaminasse por uma outra coisa.
Alberto Dines - E o pessoal de alguns outros jornais, o velho Jornal dos Sports, na época que o Mário Filho era vivo e estava ali fazendo aquela coisa...
Sérgio Pinto - Mas é que a coisa do rádio é muito pauperizada mesmo, é uma coisa pequena.
Alberto Dines - Hoje é, mas você tinha antigamente no jornalismo impresso aqueles focos do pessoal que estava na mão dos cartolas.
Trajano - Se vendiam a troco de uma viagem com o clube.
Alberto Dines - Quantas vezes a diretoria de algum clube chegava no Jornal do Brasil e pedia para trocar o setorista porque ele estava incomodando.
Trajano - Contra o clube...
Alberto Dines - Tinha um rapaz, o Werneck...
Trajano - José Inácio Werneck...
Alberto Dines - O presidente do Fluminense pediu para o Nascimento Brito tirar o Werneck da cobertura porque estava incomodando, e a gente manteve lá.
Trajano - Entre uma coisa e outra, o Juca citou o pessoal da Folha, mas se você olhar...
JUCA KFOURI - No Estadão tem gente muito boa...
Sérgio de Souza - Ele está dizendo os projetados...
Trajano - Eu estou entendendo, mas uma outra acusação que se faz ao pessoal da Folha, não tem nada a ver com corrupção, é que eles não fazem imprensa esportiva, eles se preocupam muito mais com números, com estatística...
JUCA KFOURI - Com literatura...
Trajano - Eles são muito distantes, não existe o repórter, o repórter faz pelo telefone, os jogos são estatísticas, no caso até o Estadão vai mais ao local do que a Folha, eles já são distantes dessa coisa toda, porque há uma distância editorial, não uma distância ética.
JUCA KFOURI - Trajano, vou te dizer uma coisa: se eu fosse hoje editor de jornal, claramente separaria a editoria em duas áreas. O futebol comme il faut, futebol, jogo, treino, time, jogador, e uma outra coisa chamada política esportiva - bastidor, negócios, articulações...
Sérgio Pinto - Mas a sociedade ainda não se deu conta dos valores monetários.
JUCA KFOURI - Serginho, eu estou te dizendo que não, mas eu vou te dizer uma coisa: a coisa mais gratificante dessa cruzada, para usar o termo do Serjão, é que as pessoas percebem as coisas muito mais do que a gente supõe. Cada rolo que eu me meto, o que eu recebo de fax, de e-mail, do escambau, de pessoas que não faço a menor idéia de quem sejam, que são telespectadores, ou leitores, de solidariedade, de "vai em frente, a gente está atento, não pense que você está sozinho não, você nos representa...", é uma grandeza.
Alberto Dines - Juca quero fazer minha última pergunta. Eu sou de um tempo em que os jornais eram o seguinte: primeira página era o espelho do jornal, a última página, do esporte. Com isso você tinha o leitor fanático por futebol, começava pela última página e depois ia para o jornal inteiro. E aí ele se engrandecia, ele sabia de economia, de política internacional... Eu tenho falado muito sobre essa fragmentação do produto jornal em cadernos, que quebra a coisa orgânica, universal e cósmica do jornal único.
JUCA KFOURI - Mais do que isso, a lúdica.
Alberto Dines - Eu tenho falado sobre isso, mas eu não sou um esportista, talvez esteja enganado, numa dessas cruzadas perdidas. Eu queria a sua opinião sobre isso.
JUCA KFOURI - Eu acho que a cadernilização do jornal, você falou uma porção de termos mais pomposos, mas eu reduziria isso a uma questão, para mim como leitor, meramente lúdica. Era muito mais gostoso, era muito mais gostosa a relação, começava pelo fim, via o esporte e aí ia chegando. Agora eu sei que tem há um milhão de razões industriais e tal, e a argumentação é sempre essa.
Alberto Dines - Você acha que tem mercado para jornais esportivos, para publicações ...
JUCA KFOURI - Terá quando o futebol for minimamente organizado, porque se trata exatamente disso, Dines. Diferentemente da cobertura jornalística do futebol na Europa, você aqui no Brasil está sempre correndo atrás de tudo, porque tem 3 jogos por dia, é impossível você organizar tudo. Uma revista então é muito mais difícil cobrir.
Sérgio de Souza - Juca, você tem censura na Folha ou não?
JUCA KFOURI - Não.
Sérgio Pinto - Nenhuma, nenhuma?
JUCA KFOURI - Já houve, já aconteceu assim do Otávio achar que algumas coisas estavam parecendo muito pessoais, me pedindo para ser mais cuidadoso, mas nunca... a bem da verdade, a única vez, parece uma ironia, que eu tive que rescrever uma coluna foi quando dei uma gozada no Benevides. Na Olimpíada, o Benevides escreveu uma coluna que era uma coisa absolutamente dantesca, véspera da final Nigéria e Argentina. O Benevides escreveu uma coluna cujo título era o seguinte: "Zagalo, o Profeta," na qual elogiava o Zagalo porque tinha previsto, antes da Olimpíada, que um dia um time africano chegaria à final de um torneio importante. Então, em vez de criticar o Zagalo porque o Brasil não estava naquela final, ele elogiava e terminava a coluna contando o seguinte episódio: Ricardo Teixeira estava com fulano e sicrano numa mesa no restaurante Porcão, em Miami, quando alguém lhe disse que o Flamengo havia perdido de 1 x 0 para não sei quem e ele perguntou: "Quem foi o filho-da-puta do juiz?" e a mesa morreu de dar risada. E eu fazia o comentário já dando o nome, era a primeira vez que eu citava o Benevides - que o colunista Roberto Benevides estava conseguindo achar graça numa pessoa que poderia ter até uma série de qualidades que eu desconhecesse, mas que seguramente não era uma pessoa engraçada porque é arrogante, imperial. E terminava assim: "rá, rá, rá, como diria o Zé Simão". Aí eles me ligaram...
Trajano - Já que a gente está falando do Ricardo Teixeira, acho bom colocar algumas coisas assim das dúvidas dos jornalistas, das coisas éticas, do que deve falar, do que não deve falar e tal. E a gente fala sempre em corrupção e coisa e tal - aquela coisa da morte da amante do Ricardo Teixeira?
JUCA KFOURI - Puta merda, me esqueci, mas vou trazer agora porque isso eu faço questão.
Trajano - Noticiar a morte da amante do cara.
JUCA KFOURI - Boa, grande. Dei uma coluna de interesse público. Eu vou explicar, eu sei que é dificil. E aí eu quero trazer um documento que vai ser furo mundial da revista Caros Amigos. Um belo dia, eu tenho uma informação segura de que o Ricardo Teixeira está se separando da Lúcia Havelange por estar apaixonado - coisa pela qual eu tenho o maior respeito, pois acho que sempre que as pessoas se apaixonam ficam melhores. Dei uma nota dizendo que estava acontecendo uma coisa importante na vida da família do futebol brasileiro que podia mudar os rumos da história do futebol brasileiro, porque, claro, se o Ricardo deixasse de ser genro do Havelange as coisas iam complicar para ele na CBF.
Alberto Dines - Podia continuar sócio...
JUCA KFOURI - Era pouco provável, é a filha única do Havelange. Aí houve uma cerimônia aqui em São Paulo, pública, numa homenagem que o Farah fez ao Havelange, em que o Ricardo Teixeira apareceu e foi discriminado, e foi o que deu razão ao financiamento de um livro escrito pelo Sérgio Baklanos e pelo Edgard Soares: "Havelange, o Jovem", patrocinado pelo Eduardo Farah, que começou a se candidatar para ser herdeiro do Havelange no lugar do Ricardo Teixeira, porque já davam como certo que eles iam se separar. Aí essa menina por quem ele estava apaixonado morre num acidente de carro em Miami, ela dirigindo o BMW dele. Eu tenho essa ocorrência da polícia de Miami e nunca a publiquei, nunca mostrei, apesar do Ricardo Teixeira viver dizendo que não teve nada a ver com o acidente. Ensina a boa regra do jornalismo que nem sempre as coisas de interesse do público são de interesse público. Mas eu já tinha dado a notícia do possível divórcio e achei que tinha de dar que a moça havia morrido. - enfim, não dei o nome da moça, nada. Contava até que ele, Ricardo Teixeira, tinha sido muito decente no atendimento à moça, à família da moça.
Trajano - Mas Juca, isso não é uma coisa meio discutível? Porque de umas pessoas a gente conta tudo, de outras a gente conta mais ou menos, e de outras conta só um pouquinho.
JUCA KFOURI - É discutível...
Trajano - Quer dizer, quando a gente quer foder alguém a gente destrincha a vida da pessoa de cabo a rabo. Outros que a gente tem mais boa vontade, é mais carinhoso, tem alguma relação qualquer, política, emocional, sexual, seja lá o que for, você manera, fru, fru...
JUCA KFOURI - Sem dúvida nenhuma é discutível...
Trajano - Jornalisticamente eu achei perfeito, agora ...
JUCA KFOURI - Se fosse um outro personagem eu provavelmente não fosse tão fundo. Agora, eu acho que tenho no mínimo a boa desculpa de dizer que o divórcio do Ricardo Teixeira, que só é o que é por ser genro do João Havelange, poderia mudar a história do futebol...
Trajano - É muito interessante, agora veja o Pelé. A mulher do Pelé, a primeira, a Rose, está escrevendo um livro onde diz que o Pelé foi um merda no sentido de pai, marido, ausente, sei lá o que e tal, e a filha que ele não assumiu que já teve todos os ganhos na justiça, DNA e tal. É uma coisa que a gente por ligação, quer dizer, a mesma coisa falam do Cartão Verde, está o Pelé, eu mesmo confesso que deixo ele meio... "não vou tocar nesse assunto, o cara está de convidado no programa." Eu acho que a gente comete um... , a gente tem essas coisas...
Sérgio de Souza - Mas aí tem uma divisão...
Alberto Dines - Mas no caso Pelé, você falar na vida privada dele , já que ele não está sendo posto em questão, a vida privada dele é a vida privada dele. Já o caso do Teixeira...
JUCA KFOURI - Ele só é o que é porque é genro...
Sérgio de Souza - Mas não é só por isso. É uma posição política também, você conduz de uma forma política, como o outro canal lá conduz de outra forma.
JUCA KFOURI - Um leitor mandou uma carta para a Folha, que a Folha mandou para eu responder. Um cara lá de Salvador, dizendo que era uma absurdo que a Folha tivesse como colunista de esportes um cara com óbvias ligações com o Pelé, que se houver alguma irregularidade no ministério do Pelé ele não vai denunciar, e que vira e mexe dá notícias sobre os gêmeos do Pelé, e não fala da filha bastarda que ele tem. Respondi assim: "sou amigo do Pelé, e estou de acordo com o essencial da política em seu ministério. Sempre que houver irregularidades no ministério, como houve e eu publiquei com relação à Confederação Brasileira de Triatlon, se eu souber o leitor também saberá, não me cabe comentar assuntos de foro íntimo do sr. ministro." Até cheguei a escrever: "por mais que dele discorde, por mais que eu agisse diferente."
Sérgio de Souza - Você tem sofrido alguma ameaça?
JUCA KFOURI - A última foi via Internet: "JUCA KFOURI, você não acha que com as coisas que fala do Ricardo Teixeira, do Farah e coisa e tal, é bem provável que numa noite dessas você saindo da Rede Cultura encontre uma Kombi cheia de homens armados?
Sérgio de Souza - Só essa?
JUCA KFOURI - Agora mais recente só essa. Já teve muita, você sabe né, Serjão?
Trajano - Torcedor nos estádios, comigo acontece muito pouco, com o Flávio acontece muito, com o Juca... parece coisa maluca, mas a gente evita de ir ao estádio, procura ver pela televisão, mas a torcida ofende muito.
Sérgio Pinto - No que a torcida ofende, no seu caso, Juca?
JUCA KFOURI - No meu caso já aconteceu de tudo, Serginho. Desde o episódio da loteria esportiva houve ameaças de nego ligar falando castelhano, dizendo que tinha sido contratado e que sabia que meus filhos André e Daniel estudavam na escola tal e saiam a tal hora, o que me obrigou até a andar com segurança uma certa época. Depois, no caso Mário Sérgio em 84, a torcida do Palmeiras queria me matar e eu fui cercado num posto de gasolina na estrada Bandeirantes, e foi um perereco danado, estava com o Berezowsky que era o fotógrafo de Placar. Depois a torcida do Corinthians andou puta comigo porque Placar fez uma capa "Fiel Verde está Feliz"; a Gaviões abriu uma faixa no Pacaembu: "JUCA KFOURI a Fiel é uma só", e fui recebido com um coro de filho da puta...
Sérgio de Souza - Mas da parte dos políticos, dos Farahs...
JUCA KFOURI - Não, nunca. O Farah um dia fez uma ameaça num debate de rádio, eu por telefone e ele por telefone. O Farah disse: "Toma cuidado que quem mexe comigo, veja fulano de tal, mexeu comigo morreu-lhe a mãe", era um juiz que havia denunciado ele. Eu disse para ele: "Olha, presidente Farah, eu se fosse o senhor punha dois seguranças para tomar conta de mim, porque qualquer coisa que me aconteça, por acidente que seja, vão achar que foi o senhor."
Sérgio de Souza - Juca, se amanhã você sai da Folha, onde você tem lugar na imprensa?
JUCA KFOURI - Se amanhã eu sair da Folha, Serjão, acho que tenho lugar nos programas do tipo que eu estou fazendo em rádio com essas redes malucas via satélite, tenho lugar na TV Cultura, e eventualmente tenha lugar numa CNT, tenho lugar, vamos dizer, em veículos marginais, mais do que isso não.
Alberto Dines - Na grande imprensa escrita, não?
JUCA KFOURI - Não.
Sérgio de Souza - Na Abril você não tem chance mais?
JUCA KFOURI - Para a Editora Abril eu só voltaria se ela me pedisse desculpas publicamente, e isso não vai acontecer nunca, também não dou essa importância toda.
Alberto Dines - Estadão, O Globo?
JUCA KFOURI - Estadão hoje não, não pelo Estadão, mas porque o editor de esportes hoje do Estadão é o Roberto Benevides, então evidentemente eu não teria espaço, se me convidassem seria porque estavam demitindo ele. Acho que o Estadão não tem a dimensão do compromisso que o Benevides estabeleceu com essa gente, talvez um dia venha a ter.
Sérgio de Souza - A TV Globo fechou a porta?
JUCA KFOURI - Olha, é difícil dizer isso. Veja bem, eu dei muita cotovelada no tempo que eu passei na TV Globo. Farah mandou carta reclamando e Ricardo Teixeira reclamou, pá, pá, pá, tanto Armando Nogueira quanto Alberico seguraram, mas tinha ali limites editoriais muito claros. Esses limites eu acho que ainda são muito claros. E aí tem aquela história que é pouco provável que dentro desse novo projeto da Rede Globo e tal, alguém incômodo como eu recebesse um convite para trabalhar lá.
Trajano - E aquela pergunta bem, como se fala?... do programa do Raul Gil, "Para quem você tiraria o chapéu?"
JUCA KFOURI - No esporte?
Trajano - Na imprensa esportiva, dirigente, jogador, técnico, para quem você tiraria o chapéu?
JUCA KFOURI - Até para provar que não há questões pessoais, há sempre questões políticas, estruturais e tal, eu por exemplo, um presidente de Confederação que eu tiraria o chapéu é o Giulite Coutinho. Outro dirigente que eu tiro o chapéu, é Antônio Pithon, que reassumiu o Bahia. Como dirigente esportivo eu tiro o chapéu por mais polêmico que possa ser, para o Márcio Braga. Tiro o chapéu para o ex-presidente do Grêmio, Paulo Odoni. Tiro o chapéu para o Carlos Miguel Aidar, presidente do Clube dos 13, ex-presidente do S.Paulo.
Trajano - E jogador, técnico e imprensa esportiva?
JUCA KFOURI - Tiro o chapéu para o Telê. Acho que vou tirar o chapéu um dia para o Wanderley Luxemburgo. Tiro o chapéu para o Pelé. Tiro o chapéu para o Mané, tiro o chapéu para o Tostão.
Sérgio de Souza - Só vale quem está jogando...
JUCA KFOURI - Ronaldinho, seguramente, Djalminha seguramente, Leonardo seguramente, Giovani seguramente.
Sérgio de Souza - Na imprensa esportiva?
JUCA KFOURI - Na imprensa esportiva eu tiro o chapéu para o Zé Trajano, eu tiro o chapéu para o Marcelo Damato, da Folha.
Sérgio Pinto - O Mário Sérgio?
JUCA KFOURI - Como jogador de futebol, antes de se dopar, seguramente. Como comentarista, como ser humano, acho um ser desprezível.
Julio - E ele como técnico?
JUCA KFOURI - Péssimo. Nota zero.
Sérgio Pinto - Além do Pelé, quem são, quantas são, suas fontes?
JUCA KFOURI - Serginho do céu, isso eu não vou te contar mesmo.
Sérgio Pinto - Por exemplo, para chegar ao B.O. da morte... ou para saber que o contrato do fulano...
JUCA KFOURI - Serginho, o que eu vou te dizer é o que você está cansado de saber. A grande bobagem que alguns jornalistas cometem é achar que você tem que estar bem com o poder para ter fonte. Em regra, as melhores fontes são as que estão fora do poder, fazendo oposição a ele. E você há de imaginar, até pelo fato de eu ter hoje um programa diário de entrevistas na televisão, que tem muita gente interessada em me agradar e que me conta coisas...