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Toda vez que um banqueiro, um grande empresário ou um executivo de terno bem cortado aparece nas manchetes por algum crime financeiro, o roteiro se repete. Fala-se em “complexidade técnica”, em “necessidade de aprofundar investigações”, em “direito à ampla defesa”. O tempo passa. Os processos se arrastam. A prisão, quando ocorre, é sempre uma hipótese distante ou quase abstrata.

Os números ajudam a tirar essa sensação do campo da impressão. Estudos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e da Receita Federal estimam que a sonegação fiscal no Brasil ultrapassa R$ 500 bilhões por ano (dados consolidados entre 2021 e 2023). É dinheiro suficiente para mudar a vida de milhões de pessoas ou equipar escolas e universidades pelo país. Ainda assim, os responsáveis por esses crimes raramente conhecem o interior de uma cela. Respondem em liberdade, amparados por recursos infinitos, acordos administrativos, prescrições convenientes e pela conhecida morosidade do sistema de justiça, mas, que, curiosamente, só é lenta para alguns.

Enquanto isso, do outro lado do balcão da justiça, a pressa impera. Dados do INFOPEN/DEPEN, de junho de 2023, mostram que 41% da população carcerária brasileira é composta por presos provisórios. Detalhe: quase todos pretos. Gente que ainda não foi julgada. Gente jovem, majoritariamente negra e pobre. Gente presa por pequenos delitos patrimoniais ou por crimes relacionados à Lei de Drogas. Homens e mulheres simples que, sem advogado, sem recursos e sem voz, vão sendo esquecidos em cadeias superlotadas, aguardando uma sentença que talvez nunca chegue.

Em janeiro de 2023, veio à tona a fraude bilionária das Lojas Americanas. Mais de R$ 25 bilhões em dívidas ocultadas, balanços maquiados, contratos simulados, o famoso risco sacado transformado em engenharia contábil de alto nível. A empresa entrou em recuperação judicial, ações despencaram, fornecedores quebraram, trabalhadores foram atingidos. Investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal avançam, ex-executivos foram denunciados. Mas, até aqui, ninguém dormiu atrás das grades. Para crimes dessa magnitude, o sistema parece sempre pedir calma.

Já para quem furta para comer, não há tempo a perder. O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu manter presa uma mulher de 41 anos acusada de furtar alimentos em um supermercado da Vila Mariana. Prisão em flagrante, manutenção da custódia, cadeia. O peso da lei caiu com força total. Sem balanço fraudado, sem risco sacado, sem bilhões. Apenas fome.

Talvez não seja exagero dizer que o sistema prisional brasileiro não falha. Ele funciona exatamente como foi desenhado. É conivente com os crimes das classes abastadas e implacável com os pequenos delitos cometidos por quem vive à margem. Não se trata de justiça cega, mas de uma justiça que enxerga muito bem quem pode punir e quem pode proteger.

No Brasil, a cela não é apenas um espaço físico. É também um marcador social e de classes, com cor e sem advogado. 

Alexandre Machado Rosa