Resumo

O objetivo deste estudo foi o de analisar práticas discursivas que permeiam clubes brasileiros de futebol gay, no sentido de resistir à homofobia e à heteronormatividade vigentes nas instâncias sociocultural e institucional/desportiva. Com base em amplo arcabouço teórico, este estudo qualitativo entrevistou 22 jogadores homossexuais participantes de clubes de futebol gay de diferentes capitais brasileiras. A entrevista realizada adotou roteiro semiestruturado de investigação. Os dados, após coletados e tratados, foram submetidos à análise foucaultiana do discurso, especificamente, no que tange ao eixo de transição da constituição de enunciados e práticas discursivas (arqueologia discursiva) para a constatação de práticas sociais e o dispositivo de sexualidade (genealogia do poder). Tomando como unidade de análise os enunciados dos entrevistados, quatro práticas discursivas, recorrentes, foram assim interpretadas: i) pedagogia da homofobia: a discriminação contra homossexuais no futebol, não se perfaz absoluta, mas como um dispositivo pedagógico, ensinado, aprendido e apreendido, sobre o que consiste ser masculino; ii) objetivações e subjetivações gays no futebol convencional e nos clubes de futebol gay: a constituição de clubes de futebol gay é o que tem permitido, desvencilhar-se, em certa medida, dos mecanismos de assujeitamentos presentes outrora nas demais instâncias sociocultural e desportiva; iii) enfrentamento e resistência no contexto do futebol gay: elaborações de discursos de enfrentamento e resistência em tais clubes são pautados na subversão da injúria homofóbica, ressignificando linguagens e adotando, principalmente, o humor e a comicidade; iv) silenciamento e invisibilidade: a orientação sexual, em contextos considerados hostis, encontra lastro no silenciamento e na invisibilização; como estratégia alternativa de resistência, porém, os enunciados sugerem o retrocesso aos tabus e à fragmentação identitária. Discute-se se as práticas discursivamente engendradas por meio do futebol gay são autênticos meios de resistir à dinâmica homofóbica e heteronormativa ou se operam dentro das armadilhas dos discursos hegemônicos, os quais preconizam mecanismos de reprodução da sujeição. Conclui-se que o futebol, para além da sua dimensão desportiva, é um fenômeno da linguagem, interseccionando práticas discursivas a práticas sociais – ordens dos discursos e dispositivos. Por fim, o estudo incentiva, em âmbito de estudos organizacionais, análises pautadas na resistência como fenômeno de natureza organizacional, tomando como relevante a faceta discursiva existente no mundo do futebol.

Acessar Arquivo