Linguagens Corporais na Educação de Jovens e Adultos em Escolas Municipais de Angra dos Reis
Por Edna Ferreira Coelho (Autor).
Em IV EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
Este texto objetiva apresentar a iniciativa do Projeto Político Pedagógico do Regular Noturno de algumas Escolas Municipais de Angra dos Reis, que vem refletindo sobre a Educação de Jovens e Adultos no país e a importância de se pensar numa proposta pedagógica que valorize e inclua as Linguagens Corporais como um componente curricular essencial nesta modalidade de ensino. Neste particular,
A representação social da educação de jovens e adultos (EJA)
A Educação de Jovens e Adultos no Brasil é o resultado das precárias condições de vida de grande parte de nossa população assim como de um ensino regular público insuficiente, que além de não atender a todos, mantém uma proposta/organização inadequada às necessidades das classes populares.
Neste sentido, a Educação de Jovens e Adultos, como bem nos diz HADDAD (1992), é uma educação para as camadas populares, para os pobres, os excluídos do desenvolvimento e dos sistemas educacionais de ensino. Integram a educação de jovens e adultos aqueles que não tiveram acesso à escola na idade apropriada, os que foram reprovados, os que evadiram, os que precisaram trabalhar para ajudar a família...
Apesar dos avanços que tivemos nos últimos vinte anos, com um número cada vez maior de jovens e adultos participando de atividades de formação, nem todos têm acesso a ela. A Educação de Jovens e Adultos, segundo documento da CONFINTEA (Conferência Internacional de Educação de Adultos - 1999), ainda permanece um privilégio das populações mais fortemente escolarizadas, dos homens mais que das mulheres, dos países mais ricos, das zonas urbanas melhor equipadas, dos brancos mais que dos negros e índios
É comum programas distantes da realidade cultural, camuflando as diferenças e preconizando padrões de uma cultura hegemônica.
Existem hoje, no Brasil, milhões de pessoas que não sabem ler nem escrever e outros milhões que apenas possuem os rudimentos elementares dos códigos da língua, mas que não compreendem a realidade na qual estão inseridos e não possuem os instrumentos que lhes permitem agir sobre ela.
Educar jovens e adultos é um desafio de temos que enfrentar para minimizar os efeitos negativos que séculos de exploração impingiram às classes populares. Os avanços tecnológicos na informação precisam estar a serviço de todos. É necessário criar condições para que homens e mulheres desenvolvam suas competências para criar, intervir e dialogar com o diferente, assumir seu lugar no mundo, compreendendo e (re) significando a realidade. Para isso, é necessário um contínuo aprendizado por toda a vida.
"A coragem e a imaginação do ser humano são nossos melhores adornos; precisamos dar condições para que estas qualidades se desenvolvam e se associem ao conhecimento (...)Cabe-nos definir os papéis a serem atribuídos à educação de adultos para que ela possa vir ao encontro de um novo mundo, que está assumindo suas formas próprias em nosso redor(CONFINTEA: 1999).
Na escola a encenação da vida política e social
A escola é hoje uma das instituições mais poderosas na transmissão de normas e valores e na prescrição de comportamentos desejáveis, determinados pela organização social aos indivíduos. Por isso, ela não pode perder de vista a função para qual foi criada, ou seja, organizar e desenvolver o processo ensino-aprendizagem segundo determinados interesses.
A historicidade sócio-política da escola expressa uma dada realidade. Seus projetos, currículos e forma de organizar as atividades pedagógicas caracterizam a visão de mundo e sociedade que pretende desenvolver. Neste sentido, os conteúdos, os espaços e as relações interpessoais estão carregados de significados e interpretações que caracterizam o imaginário social de seus atores e identificam seus papéis.
A realidade das escolas que trabalham com jovens e adultos mostra práticas escolares resistentes às inovações, conteúdos de ensino distantes da realidade da vida e das necessidades desta parcela da população, proposta pedagógica homogênea para uma população extremamente heterogênea, falta de preparação dos docentes, organização segundo os mesmos parâmetros utilizados na escola diurna que, na maioria da vezes, também não tem conseguido atender as necessidades dos alunos.
A escola caracterizada por FOUCAULT (1989) que valoriza a ordem, a disciplina, a técnica, o trabalho repetitivo e a organização linear da aprendizagem, tenta enquadrar os corpos de seus atores em modelos preestabelecidos. Difunde valores, leis e regras sociais no sentido de enquadrar suas atitudes ao ambiente, mantendo-as dentro de uma normalidade massificada.
Os corpos disciplinados que a escola noturna quer, já se apresentam com marcas e signos sociais que os diferenciam dos corpos infantis. A tatuagem da exclusão e discriminação pode ser lida nos comportamentos agressivos, indiferentes ou de baixa auto-estima. A auto-desvalorização não é atitude rara neste meio. Os jovens e adultos precisam construir outros conceitos sobre si mesmos, acreditar em sua real contribuição para o processo de transformação do espaço e das relações.
Existe uma singularidade no ensino noturno que nos remete à necessidade de rever alguns conceitos desenvolvidos pela escola. O aluno jovem e adulto tem necessidades que são imediatas. O aqui e agora é mais forte porque dele depende sua sobrevivência. Logo, os papéis que lhe cabe não podem ser o mesmo da escola diurna. A proposta deve trazer outras motivações. O aluno, precisa ser envolvido, conquistado, encantado para se sentir parte da escola.
Seu corpo cansado pelo trabalho busca algo mais no espaço escolar do que apenas aprender a ler e escrever. O ambiente da escola se transforma em cenário para as relações socializantes. Os diferentes espaços são apropriados e (re)significados pelos alunos. Eles buscam identidade, precisam (re)ver sua auto imagem, querem criar laços que os encorajem a continuar a caminhada, temem o fracasso, precisam de ânimo. A perspectiva do encontro é o que, em geral, motiva a permanência destes alunos na escola.
Como a escola tem buscado soluções para este quadro? Que contribuições cabem aos professores de Educação Física neste contexto? São perguntas que enfrentamos no universo de nossas reflexões sobre o ensino noturno e suas problemáticas. Não existem respostas prontas, pois é a própria prática e reflexões coletivas que nos dirão como proceder.
A EJA deve considerar os contextos que emanam da vida cotidiana de quem tem diferentes experiências, expectativas e carências educativas. Neste sentido, à Educação Física cabe o desafio de assumir novos papéis nos quais há necessidade de novos estudos, investimentos, dedicação, experimentação, envolvimento e encantamento.
Angra dos Reis: a busca de novos caminhos
Como coordenadora de Educação Física e do Regular Noturno no Município de Angra dos Reis, estamos tentando repensar globalmente a escola noturna: a organização das disciplinas, a estrutura espaço-tempo, a autoria do currículo pelos agentes da escola, as atividades culturais dos alunos e suas Linguagens Corporais. É preciso que os professores de Educação Física participem das discussões pedagógicas específicas para o aluno do noturno e clarifiquem as reais contribuições das Linguagens Corporais na EJA, ajudando na produção, legitimação, reprodução e desestabilização de uma dada formação social, de um dado projeto político, à medida em que manipulam e moldam consciências, preparam tipos, constróem subjetividade, inculcam idéias, valores, enfim, preparam para a participação no social.
Os problemas que envolvem a escola noturna em Angra dos Reis têm gerado, nestas três gestões municipais do Partido dos Trabalhadores, ações diversas por parte da Secretaria Municipal de Educação (SME), pautadas nos seguintes eixos políticos: Gestão Democrática, Autonomia Pedagógica e Democratização do Acesso. A intenção é criar uma lógica diferente na organização do espaço escolar e na construção do currículo, levando em consideração alguns princípios básicos, tais como: a interdisciplinaridade, o trabalho coletivo e a realidade local como ponto de partida do processo ensino-aprendizagem.
Neste sentido, três escolas de Ensino Noturno optaram por implementar um projeto em caráter experimental. O objetivo principal é trabalhar as áreas do conhecimento, seguindo os princípios básicos, anteriormente citados, que regem a construção do currículo em toda a rede municipal, buscando desenvolver:
a) A construção de uma cidadania ativa e de uma autonomia ética que leve o educando a buscar a transformação de sua realidade e
b) A construção de competências básicas para a compreensão, por parte dos educandos, de seu papel social e de sua inserção em um mundo globalizado, marcado pelas novas tecnologias. Esse processo desenvolve-se a partir da alfabetização desenvolvida no espaço escolar. A alfabetização aqui compreendida como processo que perpassa todo o Ensino Fundamental e que se realiza não apenas enquanto domínio dos instrumentais básicos da leitura e da escrita, mas enquanto leitura de mundo.
As críticas sobre a disciplinarização, segundo normas e valores que moldam o comportamento, imprimem marcas e regulam vontades e desejos, apontam para uma escola que consiga reinventar novas relações, (re)significar seus espaços e aceitar as diferenças. É neste contexto, que as Linguagens Corporais podem atuar desmistificando a hierarquia e dominação corporal imposta aos alunos durante toda sua história de escolarização.
A perspectiva de análise que estamos propondo, parte de uma negação das visões tradicionais da Educação Física, que a associou à idéia da aptidão física referindo-se ao ser humano apenas sob a ótica físico-biológica. Sua presença na escola estava relacionada a uma experiência limitada em si mesma, isolada de um contexto sócio-histórico, destituída do exercício da sistematização e compreensão do conhecimento.
A Educação Física Escolar de hoje se volta para um corpo que é social; os indivíduos são considerados sujeitos de sua própria história, reproduzindo e construindo cultura que se manifesta corporalmente na sociedade.
No caso da EJA, percebemos a necessidade de incluir em sua formação um componente curricular que viabilize a expressão, criação, construção e identificação das diversas Linguagens Corporais.
A proposta pedagógica para o Ensino Regular Noturno das escolas Municipais de Angra dos Reis caminha no sentido de considerar as expectativas dos alunos e a concepção de Educação inclusiva, participativa e transformadora para as classes trabalhadoras. O projeto em voga muda a lógica da temporalidade das disciplinas, da construção curricular e da produção e construção do conhecimento. Garantir o acesso a todas as formas de conhecimento passa a ser uma meta fundamental quando pensamos na construção de uma sociedade sem exclusão, voltada para os interesses da maioria.
Nossa intenção é desenvolver, a partir de experiências concretas de vida, os diversos tipos de linguagens, desvelando suas potencialidades e criando mecanismos próprios de reflexão e atuação do sujeito como agente transformador da realidade. Neste sentido, a construção do conhecimento deve ser também um momento de interação social, no qual aluno e professor atuem como sujeitos históricos e sócio-culturais e as experiências, estratégias e os valores dos grupos oprimidos sejam reconsiderados, a fim de superar a situação de opressão em que se encontram.
Entendendo que o currículo não se constrói de forma estanque, mas a partir de um processo contínuo de encontros, desencontros e reencontros dos sujeitos no espaço escolar, num constante movimento dialético de ação-reflexão-ação, propomos que as Linguagens Corporais, na Educação de Jovens e Adultos, seja uma disciplina capaz de: se voltar para a desmistificação das relações de poder, dever, prazerosidade e envolvimento com o espaço escolar; analisar como têm se estabelecido as relações corporais diante dos conceitos de disciplina, norma, hierarquia etc., que historicamente têm estado como pano de fundo do papel social da escola; detectar os parâmetros que definem o que se concebe como mecanismos de aquisição de padrões de comportamento; desvelar e (re)significar as relações presentes no processo de ensino-aprendizagem, no qual valores, necessidades e aspirações são construídas e difundidas a partir de determinados discursos e práticas, muitas vezes distantes da realidade corporal concreta dos alunos jovens e adultos.
Nosso desafio é construir uma escola que valorize a prazerosidade, que entenda a cidadania em sua completude e diversidade e que seja um espaço de resistência à lógica de redução dos espaços de direitos públicos.
Entendendo o processo educacional para além do ler e escrever, considerando a necessidade de se buscar efetivamente o exercício da cidadania, da reflexão e da criticidade diante da realidade vivida, apontamos o desenvolvimento das Linguagens Corporais na EJA, com vista a garantir um espaço para conhecer, experimentar, criar e recriar as práticas corporais produzidas pelos seres humanos ao longo de sua história cultural; desvelar as relações hierárquicas e individualizadas que tanto afastam as pessoas; possibilitar vivências que permitam o confronto com seu próprio eu, o auto-conhecimento e a auto-aceitação no sentido de também conhecer e aceitar o outro com quem se convive e, nas relações que estabelecer com o meio, sentir-se capaz de ler o que o corpo social fala.
A ação pedagógica deve privilegiar os trabalhos em grupo, a vivência direta das diferenças individuais e culturais, o desenvolvimento das competências afetivas e sociais, a compreensão do valor da construção de normas coletivas de convívio e a autonomia crítica, evitando que o aluno cidadão fique submetido, inconscientemente, ao autoritarismo do meio ambiente cultural e de agentes como a mídia, a moda e o consumismo, tornando-se um mero consumidor acrítico e alienado das produções relativas à cultura corporal.
A escola que queremos não precisa ser, necessariamente, aquilo que a lei lhe impõe. Ela se constitui num conjunto de práticas diárias de seus agentes (professores, alunos, funcionários e pais) e das relações que estabelece com o todo social. Como nos diz SOUZA & VAGO "é um lugar de produção de cultura, de conhecimento e como tal ela interfere decisivamente na história cultural da sociedade. Por isso importa mais aquilo que queremos e podemos construir nas nossas escolas. Defendemos que a escola tem que ter certa liberdade de manobra na organização de sua prática pedagógica e, ao mesmo tempo, um movimento propositivo de intervenção cultural na sociedade. Referimo-nos a uma escola que assuma sua tarefa política de participar da construção histórica de uma sociedade igualitária, justa, solidária e fraterna, sem dominação de classe, de gênero, de raça ou de etnia" (CBCE: 1997).
Obs. A autora é doutoranda do curso de educação da UFF; prof. da Escola de Educação Física de Volta Redonda; coordenadora da área de Educação Física e do Regular Noturno na Rede Municipal de Ensino de Angra dos Reis.
Referências bibliográficas:
Colégio Brasileiro de Ciência do Esporte (org.) - Educação Física frente à LDB e aos PCNs: profissionais analisam renovações, modismos e interesses - Ijuí: Serigraf, 1997.
Coelho, Edna Ferreira- Relação, aprendizagem e prazer: alinhavando novas possibilidades pedagógicas. Piracicaba, S.P., 1998. 136p. Dissertação (M.S.) - Universidade Metodista de Piracicaba.
____________ e SANTOS, Ênio José Serra - O regular noturno como educação pública para jovens e adultos na rede municipal de ensino de Angra dos Reis - Texto apresentado no I Seminário Estadual de Educação de Jovens e Adultos: Alagoas Encarando o Analfabetismo de Jovens e Adultos - Maceió, Alagoas, 18 a 21 de outubro de 1999.
SESI/UNESCO. Declaração de Hamburgo: agenda para o futuro - Brasília, 1999.
Foucalt, Michel - Vigiar e punir: histórias da violência nas prisões - Petrópolis, R.J.: Vozes, 1989.
Freire, Paulo - Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa - São Paulo: Paz e Terra, 1997.
Galvão, Juarez B. Escola: una e múltipla. Santarém, Pa: Gráfica e Editora Tiagão, 1999.
Haddad, Sérgio - Tendências atuais na educação de jovens e adultos.- Brasília: Em Aberto, ano 11, n. 56, out/dez, 1992, pp. 3-12.
Confitea (Confederação Internacional de Educação de Jovens e Adultos) - Declaração de Hamburgo: agenda para o futuro - Brasília: SESI/UNESCO, 1999.