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Marcílio Krieger, que se ainda estivesse neste plano, completaria 72 anos em 04 de novembro deste 2010, teve uma vida plena de realização pessoal e profissional, de exercício de uma inteligência muito irrequieta, excepcionalmente criativa e responsavelmente crítica, e da prática de ações sempre fundamentadas em convicções culturais e políticas sólidas. Neste artigo que é modesta homenagem de amigo ao amigo, pretendo objetivamente destacar dois, dentre tantos, grandes momentos da dinâmica plena do Marcílio: o líder estudantil e o dedicado estudioso do Direito Desportivo.

Conheci Marcílio Cesar Ramos Krieger numa reunião de mobilização estudantil que ocorreu no antigo Restaurante Universitário (o “RU”), à rua Álvaro de Carvalho, em Florianópolis/SC. Vivíamos o turbulento ano de 1963, eu era um calouro da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, ele era um líder estudantil universitário que, mesmo estando no seu ano de colação de grau como Bacharel em Direito, prosseguia ativíssimo e com desempenho destacado no movimento denominado Ação Popular.

Diversos oradores o antecederam e ele foi o último a falar naquela noite: mais de 300 estudantes apertados numa sala de refeições improvisada em auditório, esperaram, no mais absoluto silêncio, que Marcílio se colocasse em cima de uma das mesas no centro do “RU”. Subiu e ali do alto nos olhou muito firmemente e durante 40 minutos estivemos absolutamente atentos a um orador cuja dicção e tom de voz impressionavam tanto quanto o conteúdo de seu discurso.

As suas palavras, em som vibrante, eram em favor de um socialismo que fosse capaz de efetivar uma reforma agrária que atendesse aos anseios legítimos dos camponeses brasileiros, um socialismo que conferisse à educação e à saúde a condição de prioridades absolutas, não apenas do Estado Brasileiro mas, e sobretudo, do Governo Federal de então. A fala era a perfeita combinação da visão ideológica coerente com uma perspectiva pragmática sustentada em fundamentação teórica expressa de maneira simples, objetiva, que traduzia e resolvia a complexidade da conexão entre socialismo e democracia.

Esta plenitude no exercício da liderança estudantil foi o resultado de uma firme autoconstrução personalística na qual pontificou a força de vontade de Marcílio, a sua curiosidade cultural permanente traduzida em muita leitura de livros e jornais, a sua precoce participação consciente e ativa na vida política da comunidade, sempre num caminhar ideológico de elevada dinamicidade.

Em 1956, quando ainda era estudante secundarista, Marcílio Cesar Ramos Krieger em sua cidade natal, Brusque, militava na União Estudantil Brusquense-“UEB”, produzindo, redigindo e apresentando o Programa “A Voz Estudantil” na Rádio Araguaia AM. Ele preparava os textos com extremo zelo e antecipadamente, datilografava-os numa velha Remington, assinava, datava e apresentava-os no programa. Não se limitava à simples leitura literal, avançava e improvisava acrescentando comentários e outras informações quanto ao tema principal da crônica.

A interação com os ouvintes era feita através de respostas que, no ar, ele dava ou da menção que fazia às cartas que o programa recebia. Para exemplificar a variação temática abordada por Marcílio em “A Voz Estudantil”, há crônicas, em 1956, sobre a colonização da América do Sul, sobre o jubileu de prata da “instalação” da Imagem do Cristo Redentor no alto do Corcovado no Brasil e a importância da religiosidade para o povo brasileiro, sobre o comportamento dos estudantes secundaristas frente aos direitos e deveres (em lato e em stricto sensu) escolares.

A sua crônica de despedida do “quase finado 1956” (lida no programa de 29 de dezembro de 1956) foi, por sua vez, um desabafo quanto à desunião crescente da classe estudantil que ele pode testemunhar na sua militância em Brusque, Santa Catarina e, principalmente, na sua participação em Congresso Estudantil em Blumenau e em Congresso Estudantil Nacional ocorrido em Porto Alegre.

Já o texto de saudação a 1957 (colocado no ar em 05 de janeiro de 1957) é uma ode à Paz Mundial, estruturado em forma de analogia entre os movimentos belicosos das forças internacionais em conflito na denominada “guerra fria” e jogos de futebol entre as seleções dos Países líderes no antagonismo (EUA e URSS) e entre seleções de Países aliados destas lideranças.

Enfim, e retornando à vida universitária e pós-universitária de Marcílio, registro que a militância cada vez mais aguerrida que ele desenvolveu, especialmente nos anos de 1964 a 1969, levou-o ao exílio que durou até 1979, quando sob o amparo da Lei de Anistia retornou ao Brasil. De volta à sua Pátria e à capital de seu Estado natal, trabalhou na Televisão Barriga Verde. Lá tive o privilégio de ser entrevistado por Marcílio em alguns programas sob temas políticos e eleitorais. A partir de 1980 ele retornou à Advocacia Trabalhista (na qual já atuara em 1964 e 1965) e, logo em seguida, também no então ainda novo e muito interessante campo do Direito Desportivo.

É sobre este segundo grande momento da dinâmica plena de Marcílio Krieger que me debruço agora. Ele foi Defensor Dativo de atletas junto ao Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Catarinense de Futebol e outros Tribunais desportivos. Ocupou a função de Procurador do TJD/FCF por significativo tempo. A sua reconhecida notabilidade no Direito Desportivo o levou a proferir inúmeras Palestras, ministrar Cursos e Seminários sobre o tema em pelo menos dez Estados da Federação Brasileira, promovidos pelas mais diversas entidades direta ou indiretamente ligadas ao desporto amador e profissional.

Assessorou entidades desportivas e órgãos da imprensa escrita, falada e televisada. Concedeu inúmeras entrevistas sobre o direito desportivo, dentre as quais destaco uma a Heródoto Barbeiro da CBN, em 15 de janeiro de 2010 sobre tumultos em estádios e torcidas organizadas. De outra parte, Marcílio foi um dos mentores do “Congresso Nacional sobre Direito Desportivo” realizado em convênio com o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, no qual tive a honra de proferir palestra sobre “Ética e Desporto”.

Mais ainda: Marcílio escreveu importantes obras sobre Direito Desportivo. Dentre elas destaco: “CÓDIGO BRASILEIRO DISCIPLINAR DO FUTEBOL ANOTADO E LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR”, pela Editora Terceiro Milênio em 1996; “COMENTÁRIOS AO CÓDIGO BRASILEIRO DISCIPLINAR DO FUTEBOL” em 1997 pela Editora Forense; e “LEI PELÉ E LEGISLAÇÃO DESPORTIVA BRASILEIRA ANOTADAS” em 1999 pelas Editoras Forense e Gryphus. Foi homenageado recentemente com um Livro em tributo à sua memória, contendo ensaios sobre Direito Desportivo de diversos especialistas na matéria.

Estes dois momentos históricos especiais da plenitude de vida de Marcílio Krieger que ressaltei aqui são, na realidade, frutos de duas de um grande elenco de significativas facetas da sua fascinante personalidade.

Perpétua, Bia, Antonio e Olga Maria têm, sem limites, motivos para sentir legítimo orgulho de seu esposo e pai!

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