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‘Deixo a paz a vocês; a minha paz dou a vocês. Não a dou como o mundo a dá. Não se perturbe o seu coração, nem tenham medo” João 14:27
“A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, sob a égide dos valores da cidadania e dos direitos humanos, através dos órgãos instituídos pela União e pelos Estados” Artigo 144 da Constituição Brasileira de 1988.
As palavras de Jesus, recolhidas por João, para o Novo Testamento, tratam a paz como dádiva divina. Mas não é preciso ser cristão ou religioso para almejá-la, e ela é uma das aspirações mais lembradas pela população em geral, constantemente abalada pelos conflitos do cotidiano, desde a vizinhança, até as as nações, nas guerras ou fora delas.
Nosso Estado, ainda laico, até aqui pelo menos, também assegura a segurança pública como dever do Estado e responsabilidade de todos.
Um dos pontos mais preocupantes revelados pela população brasileira, às vésperas de mais uma eleição municipal é exatamente a violência urbana. As pessoas estão com os seus corações perturbados sim, e têm muito medo. E isso não é apenas pontual, ou individual quando alguém é surpreendido nas ruas ou na sua casa. A violência não é fortuita ou esporádica, mas faz parte da rotina do nosso povo.
Estamos nos sentindo órfãos do Estado, o que explica em parte o sucesso de propostas descabidas e sem sentido entre os eleitores. Também pudera... Pesquisas recentes encomendadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública estima que 14% da nossa população mora em locais com a presença de facções criminosas ou de milícias, que controlam o espaço. Grande parte do povo está sitiado num estado paralelo.
A crueza dessa situação é vivida e exibida todos os dias, nas mais diferentes regiões do país, e no Rio de Janeiro, os últimos números divulgados pelo Instituto Fogo Cruzado dão conta que 18,2% da área construída da Região Metropolitana está sob jugo armado das milícias e facções criminosas, inclusive com cobrança de pedágios, execuções sumárias etc.
Um dos bairros dominados é o denominado Complexo da Maré, ou simplesmente Maré, na verdade um conglomerado de bairros pequenos, favelas e micro bairros, com aproximadamente cento e vinte e cinco mil moradores, com índice de desenvolvimento humano (IDH) muito baixo. Está situado na região da Baía da Guanabara, uma das referências da paisagem carioca.
Em 2014 houve uma Ocupação da Maré pelas forças de segurança do Rio de Janeiro, com cenas cinematográficas, e implantação de Unidades Pacificadoras, e por um tempo, a violência foi controlada, mas nunca cessou.
Hoje, continuam muito altas as taxas de violência. São frequentes as notícias de tiroteios entre facções, milícias e operações da Política. Somente nos oito primeiros meses desse ano, por volta de quarenta operações lá ocorreram, com cinquenta tiroteios que resultaram em trinta e quatro dias sem aulas, nas Escolas.
Numa tarde de setembro deste ano, dez das crianças e adolescentes que frequentam essas Escolas, com idades entre dez e catorze anos, sentaram-se em círculo em atividade proposta por uma ONG local, e contaram sobre seu medo da violência no meio do fogo cruzado de criminosos e policiais, e dos seus sonhos, da falta de áreas de lazer para brincarem, e de suas experiências com o racismo. Na ocasião puderam se expressar através de desenhos, muitos deles sem cores e alegria, como a realidade em que vivem, e neles escreveram frases onde pedem menos conflitos, mais paz, e no dizer delas, uma comunidade “mais normal”.
O desejo de paz foi a maior aspiração constatada. Tiros, mortes, correrias, ferimentos, salas de aula e barracos transformados em esconderijos são rotineiros para elas, que pedem PAZ, em frases como essas:
“Queria que aqui fosse igual aos contos de fada”;
“Por uma Maré, mais normal”
“Nós queremos paz, felicidade e educação”;
“Não tenha mais tiras”;
“Menos operação e mais aulas”;
“Parar de invadir as casas”;
“Mais bibliotecas, mais livros”
Desejos, puros de crianças, tanto quanto as circunstâncias adversas permitem ser, que só querem viver e buscar a sua felicidade como todos nós! E que elas e nós não desanimemos e continuemos lutando por isso, em todas as nossas esferas de atuação, denunciando qualquer forma de violência, exigindo punição severa, e contribuindo com o voto e nos organizando em grupos de pressão, para que esse direito divino, e terreno, presente na Bíblia e na Constituição, nos seja assegurado. Já foi outorgado pelos Céus e pela Terra, mas precisa ser conquistado e assegurado pelo nosso esforço, pelas nossas mãos.
Todas essas crianças que desenharam seus sonhos, são filhas de Deus, que não recebem a Paz outorgada por Jesus, em João, como consta da epígrafe. Nem a promessa laica da Constituição em vigor.
Uma delas resume muito bem seu desejo em uma única frase escrita no desenho que fez:
“”
Que a Maré de Paz inunde não só a “Maré”, mas todo o País e a Humanidade.
Parte do livro “BALAIO- grandes temas em pequenos escritos”, a ser publicado pela Editora Mercado de Letras, em outubro de 2025.