Memória e Imaginário: Um Estudo Praxiológico das Brincadeiras da Ilha Grande.
Por José Ricardo da Silva Ramos (Autor).
Em VII EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
De grande repercussão na memória das crianças da Ilha Grande, as brincadeiras tradicionais vêm mantendo a continuidade no cenário da Ilha, através da adesão ao imaginário lúdico dos jogos e brinquedos. Embora limitados pela televisão, pelos jogos eletrônicos e decretação de sua morte pela tecnologia, este trabalho pedagógico também focalizou a atual tentativa de vivenciar os jogos tradicionais em uma comunidade que se organiza e preserva esta realidade.
As brincadeiras tradicionais encontram ressonância nas necessidades psicossociais da população brasileira. Embora essas relações tenham recebido a atenção de psicólogos e cientistas sociais, este fenômeno social importante da nossa história cultural é pouco estudado. A pesquisa , que utilizamos foi a metodologia praxiológica, da história oral, da produção de signos, é a mesma que aciona uma diversidade de estímulos psicossociais e representará um deslocamento da perspectiva de mero espectador das brincadeiras infantis para o de um investigador e intérprete no meio de uma pluralidade de vozes e imagens que impõem-se através da impressão do caos e nonsense. Pretendemos trazer à análise as interpretações refletidas e reconstruídas sobre a memória lúdica de um grupo social.
O objetivo primordial dessa ação pedagógica foi resgatar o imaginário das brincadeiras tradicionais como fonte vital para a sua perpetuação, a partir do discurso oral e motriz de alguns alunos que delas participam ativamente. Desse modo, as brincadeiras resgatadas pela memória social se tornam fonte de construção da reflexão, do que representa para aqueles que fizeram e fazem parte de suas bases orgânica e ontológicas.
Partindo do princípio de que a relação dos homens com o seu contexto social é fator determinante, nossas atividades participativas observaram a adesão às brincadeiras de acordo com a motivação do sujeito, ou seja, através de uma certa identificação com os que fazem parte das brincadeiras, com seus projetos pessoais e como as brincadeiras guiam os atores-sociais através de sua rede estrutural presente na lógica interna de códigos, leis, funções, papéis, signos, gestos, ações, e tarefas.
A praxiologia, através dos encontros entre sujeito e pesquisador, transforma o conteúdo em fonte representacional. É desta forma que podemos resgatar instantes reveladores da memória das brincadeiras tradicionais. No entanto, deve ser levado em conta que os interpretam os acontecimentos de acordo com as vivências e, desse modo, o relato foi tratado com a metodologia de análise do material recolhido, cabendo aos pesquisadores penetrar nos acontecimentos pela ótica do sujeito observado. O contato com as paixões humanas, presentes no encontro na elaboração de fatos, refletem de forma significativa a produção da própria pesquisa.
A memória re-pensada e re-construída, pois contamos com a colaboração de professores, antigos moradores e crianças que se dispuseram, a, participar do resgate da memória das brincadeiras tradicionais, desconhecida pela história oficial. Esses atores sociais puderam ter a oportunidade de contar suas histórias, a possibilidade de refletir, sobre suas vivências e escolhas atuais. Os relatos dos sujeitos históricos reconstruíram as especificidades de cada brincadeira e nos permitiu conhecer a rede psicossocial deles e perceber até que ponto se deu a adesão lúdica propagada no passado, cujo proposta fundamental estava calcada no prazer, no lazer e integração de um corpo social que não poderia existir sem essa parte orgânica e ontológica.
Considerando que a integração das brincadeiras tradicionais é composta de várias camadas sociais, de origem sócio econômicas diferente, os projetos individuais dos sujeitos que buscam a brincadeira são múltiplos nos levou a interpretações diferenciadas da especificidade do ambiente e do brinquedo. Porém, um dos fatores que unificam o desejo de participação num grupo de interesses comuns seria a construção da uma memória lúdica.
Algumas brincadeiras tradicionais aceitas e legitimadas pela comunidade foram absorvidas pelas crianças de Ilha Grande. Desta forma, utilizamos da observação praxiológica e da história oral proponho resgatar a história das brincadeiras infantis de antigos moradores que vivenciaram esses jogos e como estes se mantém tradicionais mesmo após a televisão, a mídia e a tecnologia que tentam expurgar da vida pública, as brincadeiras tradicionais. Essa "essência lúdica", que todos dizem guardar, portanto, é referencial para análise que procuramos fazer acerca da construção de uma identidade lúdica que, necessariamente passou pela adesão da epistemologia praxiológica.
Através da ótica praxiológica podemos empreender a análise do tema em questão e como os discursos motrizes e históricos são apropriados. Como percebe Bachelard, os sujeitos infantes se apropriam de idéias imagens e propostas que circulam no seu meio social, e as elaboram atribuindo dentro do seu imaginário sentidos próprios de acordo com suas experiências de vida. Através do conceito de circularidade em Ginzburg procuraremos perceber as mútuas e diferentes respostas de duas gerações da Ilha Grande, que organizam e recriam situações que se dão num "influxo recíproco". Esta questão analítica é pertinente pois deparamos com uma estrutura profunda e consistente nas brincadeiras. Logo, a construção do imaginário dos sujeitos históricos demonstram, em algumas situações, uma rígida integração orgânica e ontológica.
Ginzburg assevera que não devemos ficar insensíveis aos indícios que reconstroem a memória coletiva. Signos, sinais, pistas, podem nos conduzir à identificações mais orgânicas localizados num tempo e espaço, elementos historicizados pelas representações dos próprios sujeitos. Foi possível desvendar, assim, através de estudos desses macro universo social e psíquico, acontecimentos que recordam a importância da ação transdisciplinar, iluminada pela epistemologia praxiológica.
Propomos resgatar a memória de um grupo social a partir do imaginário de alguns de seus atores, entendendo a cultura como processo em que os sujeitos interferem e por isso a constróem, obedientes ou não ao código em ação, mas enquanto atores com escolhas e vontades, percebemos a importância da investigação das brincadeiras, depoimentos orais, análise praxiológicas, fontes da história e do tempo presente. As brincadeiras tradicionais se inserem nessa perspectiva psicossocial por ainda estarem representando a memória coletiva de um povo, de muitos brasileiros e muitas de suas ações sociais.
Através da análise de jogos e das brincadeiras, procuramos recompor o processo histórico e psicossocial que influenciou uma comunidade e que dela recebe influências. Nesse sentido, a praxiologia, apoiada pela antropologia e a lingüística, permite um deslocamento do pesquisador para estudos de casos mais específicos, através dos modelos interacionistas e etnometodológicos que encontramos dentro da ciência da Praxiologia. A história oral, associada pela Praxiologia, ao lidar com indivíduos, seus discursos verbais, motrizes e suas vivências sociais permitiu-nos a reconstrução dos acontecimentos que envolvem o particular em universos mais amplos.
Os autores: José Ricardo da Silva Ramos é diretor do CEPID-FAMATH e doutorando em Estudos Lingüísticos - Universidade Federal Fluminense-UFF, Fellipe Venturino da Silva, Luciana S. Chagas e Walfredo Cantalice da Trindade Neto são membros CEPID e acadêmicos do curso de Educação Física da FAMATH.
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