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As chamadas metodologias tecnicistas , ou ligadas à aptidão física do tipo Abordagem Sistêmica(1980), possuem alguma utilidade para as aulas de Educação Física Escolar? Qual é o seu espaço ou suas possibilidades ? As chamadas inovadoras ou tecnicistas inovadoras- por exemplo, os estilos de ensino de Muska Mosston(1986)- merecem alguma atenção ? As metodologias mais conservadoras, como as Concepções Abertas de Ensino(1986), ainda servindo como referência para diversos concursos públicos, devem ser revitalizadas ? Como e por que utilizar as metodologias mais críticas como a sugerida pelo Coletivo de Autores(1992)?

Essas questões ainda merecem algum destaque, uma vez que não existe possibilidade de consenso sobre as inúmeras interpretações metodológicas e suas variadas utilizações. Não podemos pactuar com alguns niilismos pedagógicos do tipo: o professor cria o seu próprio método, ou pior, um receituário infalível de truques e macetes para controlar alunos rebeldes em fúria. Entre um extremo e outro, ou seja, entre a total falta de previsão por parte do professor e a ditadura da ordem unida, existe um espaço considerável de intervenção a ser discutido, sem com isso se pretender realizar algum tipo de fechamento de questão. Não devemos, como professores responsáveis pela educação e pelo ensino, escamotear as nossas dificuldades pedagógicas, fazendo com isso um processo de trabalho na base do improviso que não produz nenhum significado para professores e alunos.

As metodologias de ensino denominadas tecnicistas(por exemplo:Abordagem Sistêmica de Singer e Dick, 1980 e Muska Mosston,1986) são todas aquelas em que a aptidão física ou a performance motora(ou do movimento) estão em destaque quase exclusivo. Essas sistematizações de ensino consideram apenas o aspecto instrucional do gesto motor ou performance motora como objetivos de uma aula de Educação Física, deixando pouco, ou nenhum espaço, para o desenvolvimento de conteúdos formativos ou sócio-culturais, de igual ou maior importância, dentro de um projeto pedagógico de Educação Física Escolar.

Sem considerar os aspectos limitantes apresentados nessas metodologias, mesmo na aquisição da performance motora(e não são poucos), passamos a considerar apenas as implicações didáticas no uso de uma metodologia tecnicista. Um dos maiores problemas na utilização de métodos tecnicistas é o crédito na promessa de um ensino melhor e mais eficaz do gesto motor, ou seja, ao utilizar essa metodologia, o nosso aluno aprenderá mais e de forma mais rápida, afinal numa aula de basquete esse aluno deve aprender os movimentos técnicos do jogo, proporcionando um melhor aproveitamento durante a sua prática. Essa dimensão técnica no ensino dos movimentos é bastante confusa na nossa área. Podemos considerar a validade do aspecto instrucional de qualquer processo de ensino, desde que saibamos que essa dimensão não deve ser reduzida ao ponto de, numa aula de Educação Física, não se ensinar absolutamente nada sobre coisa alguma da cultura corporal (danças,lutas, ginástica, jogos etc.), tornando sem sentido todo o processo de ensino aprendizagem. Por outro lado, não devemos deixar de considerar aspectos imprescindíveis da formação social do educando, contemplados nos conteúdos sócio-culturais específicos da nossa disciplina, que, por isso mesmo, são de igual ou maior importância.

Por exemplo, a comparação de performances, aproveitamento de oportunidades, desempenhos individuais etc. são bastante comuns numa aula de Educação Física. O professor numa dimensão pedagógica tecnicista pode deixar de aproveitar esses momentos e não relacioná-los com uma reflexão crítica sobre essas diferenças com as mesmas condições numa perspectiva social, sendo apenas um instrumento para reforçar essas naturalizações (as habilidades como dotes naturais), perdendo a dimensão prática desses exemplos de amplitude social. Os esportes, as danças, as lutas possuem uma forte representação social que pode e deve ser ampliada, numa perspectiva crítica, dentro do contexto político-econômico sem perder as características específicas da disciplina. O problema encontrado por alguns professores reside na dificuldade de inserir esse contexto nas suas atividades e para isso algumas metodologias mais críticas podem auxiliar tais procedimentos.

A questão(reduzida) é o não aproveitamento da concepção ampliada de ação do ensino nas aulas de Educação Física, por uma dimensão estreita da valorização de apenas um dos aspectos seus educacionais(a performance motora). As metodologias tecnicistas são, por isso mesmo, redutoras, não possibilitando um maior aproveitamento da dimensão educacional da disciplina Educação Física Escolar.

Contudo, podemos aproveitar alguns dos seus subsídios técnicos, redimensionando os seus fins. Por exemplo, na Abordagem Sistêmica(Singer e Dick,1980), reconsiderando o esquema reducionista fabril(input,output), podemos aproveitar as preocupações sobre a análise de ensino proposta no seu sistema para auxiliar na reflexão da aprendizagem do movimento de forma mais crítica. Os estilos de ensino de Muska Mosston (segunda versão,1986), fora do seu desenho individualista/evolucionista(baseado na meritocracia), podem auxiliar os professores no tocante à democratização dos procedimentos de avaliação(avaliação recíproca), assim também como nos processos de participação efetiva do aluno(inclusão, descobertas do conhecimento etc.).

No entanto, devemos observar que tais metodologias ou procedimentos didáticos estão contextualizados dentro de uma perspectiva tecnicista, obedecendo uma lógica performática e, dessa forma, inviabilizam muitas vezes uma concepção mais ampla de política de análise social. As metodologias conservadoras do tipo Concepção Aberta de Ensino, originalmente desenvolvida para a Educação Física alemã( Hildebrandt e Reiner, 1986), apenas orientam para uma ação pedagógica mais participante, haja vista as dificuldades da Educação Física Escolar no que se refere à participação efetiva dos alunos nos processos decisórios por parte dos mesmos. Entretanto, sua aplicação é mais em relação aos procedimentos de co-decisão, que podem ser compreendidos mais como pressupostos didáticos do que propriamente metodologias de ensino. O que vale ressaltar é a insistência de algumas bancas organizadoras de concursos públicos em inserir na bibliografia essa obra de cunho meramente reformista, de pouco aproveitamento pedagógico por sua reduzida amplitude de análise do contexto político-social.

Caso contrário da metodologia apresentada por Celi Taffarel, na obra Criatividade nas Aulas de Educação Física(1986). A autora, após de analisar algumas relações pertinentes ao contexto da Educação Física Escolar no país, indica alguns procedimentos interessantes para o ensino da Educação Física Escolar, adaptando cinco métodos criativos já existentes(alguns já conhecidos na área educacional), iniciando um processo de intervenção pedagógica bastante interessante. Os métodos de análise e análise síntese podem servir como exemplos de aulas em que os alunos são orientados para alguns processos de ensino onde a aprendizagem está aliada a processos de ação dialética muito interessantes, sendo de fácil aproveitamento pelos professores.

Essas metodologias podem servir como exemplos práticos, juntamente com algumas novas contextualizações de exemplos tecnicistas(Mosston), na construção e aplicação de projetos políticos-pedagógicos apresentados pelo Coletivo de Autores(1992). A metodologia denominada crítica superadora, por seus autores, ainda é uma das temáticas mais discutidas na nossa área, abrindo espaço para várias análises e inúmeras interpretações. Sem querer ampliar em muito o universo dessas discussões, trazemos apenas uma dessas questões, que é a sua possibilidade de ação - em certos níveis(práticos), uma vez que ainda possuem algumas interrogações. Primeiramente, é preciso admitir que a metodologia crítica superadora proposta pelo Coletivo de Autores não é uma teoria exaustiva das possibilidades de ação de ensino nas aulas de Educação Física, quando muito, pode ser considerada um ponto de partida. Infelizmente, alguns professores encontram o seu único ponto de chegada, reduzindo o seu potencial de reflexão. As propostas de uma intervenção mais intensa e da construção de um projeto político-pedagógico para a disciplina, obedecendo a lógica do currículo ampliado de educação (teorias críticas), são coerentes e necessárias para uma atuação mais decisiva dos profissionais de Educação Física dentro de uma maior dimensão política e educacional. No entanto, fazem parte de uma corrente teórica com diversos setores que são influenciados constantemente por outras tantas idéias, como, por exemplo, as tendências educacionais pós-críticas. Contudo, algumas discussões sobre as possibilidades de aplicação pedagógica da metodologia crítica superadora ainda se encontram ancoradas numa estreita e redutora noção de emancipação política, constituindo mais um empecilho do que uma solução. Acreditamos que tal problema se encontre na fraca formação didática de alguns professores (desconhecimentos de outras metodologias de ensino) e da inconsistente reflexão da realidade educacional brasileira e do poder de reação dos projetos pedagógicos inseridos numa política neoliberal. Não duvidando do poder de influência na construção de uma sociedade melhor, que os todos profissionais de educação exercem em qualquer sociedade, questionamos a estratégia utilizada nessa intervenção, que inviabiliza muito mais do que auxilia, qualquer movimento de reflexão por parte dos educandos. Qualquer metodologia deve supostamente obedecer uma lógica pedagógica, que, no caso da crítica superadora, é a dialética. Aí, já encontramos um dos primeiros problemas, que é a compreensão dessa lógica. Não podendo ser muito explícitos, tentaremos apontar apenas algumas incoerências. Primeiramente na identificação das tensões, dos conflitos inseridos no cotidiano dos alunos e não no imaginário político do professor, propiciando um falseamento das relações e comprometendo conseqüentemente a superação das contradições dialéticas. Outro aspecto importante na metodologia citada é que não existe nenhuma contra-indicação quanto ao ensino de técnicas de movimentos(que logicamente são necessários) , sendo necessário em alguns casos o auxílio de recursos próprios do ensino técnico, que não significa a adoção de métodos tecnicistas (não podemos confundir o ensino da técnica com o tecnicismo). Várias metodologias podem e devem auxiliar esse processo nesse trabalho já discutimos algumas delas, não podemos abrir mão desses recursos, ou seríamos ingenuamente incoerentes ao tentar instruir tecnicamente os nossos alunos. O que é importante ressaltar é a necessidade de uma constante contextualização, na metodologia crítica superadora por parte dos professores e alunos, de forma acessível e coerente, ou melhor, de forma dialógica e dialética, sem perder a noção educacional. Será necessário, então, refletir sobre as maneiras de contextualizar essa nova metodologia, ou seja, re-contextualizar essa disciplina, que passou por muitas formas de representação, calcadas na performance do máximo, do melhor, do mais eficaz, comprometidos com modelos e finalidades de pouco aproveitamento para os nossos alunos. Podemos perceber que questões complexas como as de inserção social (convivência, compreensão de diferenças, participação política etc) são latentes e as possibilidades de intervenção, cada vez menores, frente aos constantes ataques de amortização de consciências forjados por esquemas mais sedutores da sociedade de consumo.

O que podemos perceber por parte de alguns professores é uma preocupação exagerada na intervenção desses conflitos, que acabam perdendo todo o seu contexto didático, pela artificialidade da situação provocada pela transposição de algumas contradições estranhas e incompreensíveis aos seus alunos. Com a finalidade de uma reflexão mais efetiva, ou mesmo de uma conscientização forçada, muitas vezes o professor remete para sua aula uma situação descontextualizada, sem o menor sentido para a disciplina e para os alunos, pensando em propiciar alguns momentos de reflexão, porém, por inconveniência ou saturação, se tornam momentos de aborrecimentos estéreis. Dessa forma, os professores também deixam escapar a oportunidade de intervirem na educação social dos educandos, talvez por falta de sensibilidade ou excesso de zelo.

Devemos refletir mais sobre a lógica dialética, procurando integrar as partes com o todo, principalmente tentando compreender melhor essa difícil e complexa relação de totalidade, encontrando com mais praticidade as múltiplas interações sociais que permeiam a nossa disciplina. Talvez, desse modo, consigamos melhores resultados, fazendo com que os sentidos e, principalmente, as dificuldades da nossa disciplina sejam mais visíveis para nós professores e também para os nossos alunos.

Obs. O autor é do Departamento de Didática da UFRJ/FE.

Referências bibliográficas:

  • Coletivo de  autores. (1993). Metodologia do ensino da educação física . São Paulo: Cortez.
  • Hildebrantd, Reiner. (1986). Concepções abertas no ensino da educação física. Rio de Janeiro: Livro técnico.
  • Mosston, Muska.(1986). Teaching physical education. Columbus, Ohio: Merril Publishing Company.
  • Singer, Robert. (1980). Ensinando educação física. Porto Alegre: Globo.
  • Taffarel, Celi. (1985). Criatividade nas aulas de educação física. Rio de Janeiro: Livro técnico.
  • Teves Ferreira, Nilda. (1993). Cidadania: uma questão para a educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.