Resumo

Esta comunicação apresenta uma pesquisa etnográfica realizada junto a homens jovens de um bairro popular da cidade de Salvador, na Bahia, os quais se vinculam às práticas corporais fitness, notadamente a musculação em academias de rua e a ginástica acrobática em espaços públicos, denominada como calistenia ou streetworkout. As “academias de rua”, embora sejam geridas por instâncias municipais, responsáveis pela instalação das “barras de ginástica”, são construídas pelos próprios usuários, que fabricam com cimento, areia e hastes de ferro diferentes tipos de halteres (pesos) e equipamentos improvisados. Por meio de tais técnicas corporais almejam, entre outras coisas, a hipertrofia muscular, o aumento da “força” física e da “resistência” corporal, além do “equilíbrio” nas posições e movimentos ginásticos. O encontro cotidiano no âmbito destas práticas corporais e o sentimento de pertencimento territorial a estas academias públicas promove a formação de laços de amizade, sintetizados em expressões como “galera da malhação”, “brothers do street” ou simplesmente a “brodagem”. Tendo em vista esses aspectos, esta etnografia busca descrever como os grupos de amizade que emergem nesses espaços, e a sociabilidade deles decorrente, se formam não apenas através da intersecção entre a classe social, a geração e o gênero dos membros dos grupos, mas sobretudo do trabalho conjunto na construção estética do corpo, na sua transformação morfológica, o que signigifica, como sugere Loïc Wacquant, o cultivo de determinadas emoções e moralidades. Essas relações amistosas, exclusivamente masculinas e juvenis, constituem-se, ademais, através da incorporação de qualidades e valores éticos vinculados ao campo fitness e ao fisiculturismo, tais como disciplina, sacrifício pessoal, força de vontade e virtude. Partindo desta etnografia, a presente comunicação aborda especificamente como homens jovens deste bairro popular identificados com estas práticas corporais lidam com as emoções do “ódio” e da “raiva”, discursivamente sintetizadas em frases como “hoje eu vou treinar na força do ódio”, “não existe melhor pré-treino que a raiva” ou “meu suplemento alimentar é putasso de ódio”. Nesse contexto, o ódio e a raiva são compreendidos como forças motrizes, impulsos para os atos de superação dos limites corporais. A asserção é que os praticantes veteranos encontram nessas atividades meios de exprimir e cultivar a agressividade característica da masculinidade hegemônica, ao mesmo tempo em que, atravessados pelas questões do estigma territorial e do racismo, e por variados níveis de conflitos no contexto doméstico e profissional, as transformam em vetor para canalização das tensões e emoções pungentes e dolorosas.

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