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 Um pouco da história do currículo: a educação no país e o caso de Angra.


 Quando se pensa na construção de caminhos em educação em nosso país, se traz a tona uma vertente primeira, que é: qual a concepção de mundo, de sociedade, de escola, de aluno e também de participação que se tem, qual projeto histórico se pensa construir, e é aí, que em cima desta possíveis diferentes visões, se confrontam as maneiras de se encaminhar e direcionar os trabalhos relativos a construção curricular.


 A busca de novos caminhos em educação, tem nos mostrado ao longo dos anos, duas faces: de um lado vemos ações administrativas, seja no âmbito municipal, estadual e federal, voltadas para a construção de projetos, emendas e leis que atendam as reformas econômicas e políticas que vêm ocorrendo na sociedade. De outro lado, temos os diversos educadores nos mais variados sistemas de ensino discutindo, analisando, avaliando e implementando projetos na tentativa de valorizar a diversidade cultural e social que está colocada nas escolas públicas brasileiras.


 E é neste contexto, que se pode identificar o que tem motivado as ações e o projeto político da Prefeitura de Angra dos Reis, que é o de buscar uma escola pública, democrática e de qualidade. Nosso desafio é construir uma escola que entenda a cidadania em sua completude e diversidade, que seja um espaço de resistência à lógica de redução dos espaços e direitos públicos.


 A Secretaria Municipal de Educação de Angra dos Reis, com base nos princípios da Gestão Democrática, entendida como um compromisso político e social de atender aos reais interesses coletivos, da classe dos trabalhadores, uma das metas do Partido dos Trabalhadores na administração da cidade desde 1989, desencadeou em meados de 1991 um amplo processo de aproximação com a comunidade escolar, culminando com a eleição de diretores e Conselhos de Escola. Esta ação não foi expontânea, mas
"uma opção que fizemos de fazer da escola um espaço de cultura e de construção do conhecimento, e, neste sentido, para nós há uma concepção político-pedagógica de construção do conhecimento e que passa fundamentalmente pela Dialogicidade".


 Esta tarefa pode parecer simples mas na realidade tem apresentado muitas dificuldades porque ela mexe com a hierarquia de poder, atualmente instituída.


 Os espaços antes concedidos pelo saber devem, a partir da Gestão Democrática, serem conquistados pela participação no coletivo. O Conselho de Escola é um espaço que garante a participação de todos os segmentos da escola e por isso mesmo tem grande importância na construção do fazer pedagógico e administrativo da mesma.


 No sentido de ampliar e garantir a participação efetiva e decisória, intervindo e decidindo as bases e diretrizes da educação em Angra dos Reis, realizamos em Março de 1994 o I.º Congresso de Educação com participação de 262 delegados com direito a voz e voto e 55 observadores com direito a voz, sendo delegados neste Congresso os professores da rede municipal. Foram aprovados como princípios norteadores para a construção de projetos pedagógico a integração dos conteúdos entre si (interdisciplinaridade), o trabalho coletivo com participação da comunidade através do Conselho de Escola e a integração do conteúdos com a realidade local. As disciplinas, através de suas coordenações , direcionaram suas discussões a partir destes princípios buscando alternativas para a superação da dissociação impingida às áreas de conhecimento, tentando implementar uma dinâmica de construção curricular que valorize a troca entre os diversos profissionais e campos do saber considerando como parte do currículo a realidade a qual o aluno está inserido.


 "Entendemos currículo como desenvolvimento de ações que permitam às novas gerações compreender o mundo, conhecer/construir sua história, valores e utopias, facilitando o processo de ensinar e aprender e estimulando a socialização"


 Desta forma, o currículo deve abarcar o conjunto de elementos que vão desde os aspectos físicos até os agentes internos e externos que interferem no processo de apropriação e produção do conhecimento, reconhecemos como atores necessários à construção deste currículo os diferentes agentes da comunidade escolar; Acreditamos no diálogo e na dimensão da participação na elaboração e implementação de todos os processos.


 Neste sentido, tivemos em março deste ano, o II.º Congresso de Educação de Angra dos Reis com participação de 279 delegados com direito a voz e voto e 132 observadores com direito a voz, conseguimos assim dar um passo a frente na Gestão Democrática quando legitimamos a participação do Conselho de Escola como delegados, juntos dos coordenadores e pessoal da SME. A intenção era não favorecer nenhuma classe em específico mas permitir a participação, em condições iguais, de todos os representantes dos vários segmentos envolvidos com a educação nas escolas municipais.


 Todos os segmentos foram informados da possibilidade de construírem uma tese/proposta dentro das seguintes temáticas: LDB, FUNDEF e condições de trabalho do Magistério, Movimento de Reorientação Curricular e Formação Permanente, Avaliação, Alfabetização e Gestão Democrática, com apoio de no mínimo 13 assinaturas para apresentação às escolas num 1º momento e defesa no Congresso num 2º momento. Com a indicação de ser assumida no Ensino em todas as UE’s, em caso de aprovação pela maioria no congresso.


 Movimentos de reorientação curricular: o caso PCN’s e a realidade de Angra dos Reis.


 Pensando-se a elaboração e reelaboração do currículo, como um movimento que deve se fazer abrangente e participativo, e com participação de todos os envolvidos no cotidiano real das escolas, é que neste sentido, torna-se incoerente a adoção de um currículo pensado e planejado por pessoas alheias a realidade imediata de cada localidade a qual esta inserida as diversas Unidades Escolares. Por esta razão, o Movimento de Reorientação Curricular em Angra dos Reis caminha na contra mão da lógica impingida pelo MEC ao implantar os PCN’s. No nosso entendimento, os Parâmetros Curriculares Nacionais representam um "pacote curricular" com soluções prontas, que não incitam à descoberta, à busca de caminhos para a construção de uma escola que invista na inter-relação entre o conhecimento sistematizado com a cultura, a história e a identidade das populações. O discurso que apresenta parece considerar a heterogeneidade das Unidades Escolares tentando apenas dar um sentido de unidade para a educação no país, no entanto, se consideramos as medidas tomadas pelo governo federal, percebemos que o discurso trás implícito um sentido de "permissão" às escolas para elaborarem seus próprios projetos pedagógicos. Esta permissão, no entretanto, não vem acompanhada de mecanismos concretos de capacitação dos agentes educativos para conhecer a realidade na qual a escola esta inserida, mas vem acompanhada de Parâmetros Curriculares que levam orientações, aos lugares mais distantes, de como o professor pode desenvolver suas aulas.


 O método implementado pelo Governo Federal para avaliar o ensino no território nacional nos mostra que os Parâmetros Curriculares Nacionais têm intenções de homogeneizar o processo educacional no país, reproduzindo interesses alheios à escola e a comunidade a que serve; interesses nem sempre desvelados, reconhecidos ou explicitados para os educadores que executam e assumem esse currículo como seu, sem pensá-lo ou questioná-lo. Mais uma vez, professores e alunos se vêem afastados da possibilidade de se tornarem agentes e co-agentes do processo de ensino-aprendizagem.


 A escola e seu currículo deveriam responder às necessidades sociais que estão postas dentro e fora de seus muros. Conhecer essas necessidades nos permite desvelar para quem e para quê nossa escola trabalha. Que papel ela assume em nossa sociedade, a favor de quem remete seus esforços e, consequentemente, contra quem estão estes mesmos esforços.


 Não são as decisões oficiais que tão somente caracterizam a escola, coexistem sempre no mesmo espaço uma história oficial que é documentada com uma história real experimentada e experienciada no cotidiano das relações, difícil de ser explicitada mas que nos mostra que cada Unidade Escolar possui uma especificidade. Estes estabelecimentos não são iguais em sua essência, mesmo fazendo parte de um mesmo sistema de ensino. Assim é preciso estarmos atentos ao Movimento gerado a partir das situações e dos sujeitos que realizam anonimamente a história da escola.


 A Reorientação curricular que se pretende no município tem como ponto de partida analisar e refletir com os educadores da Rede Municipal, o currículo a partir do conjunto de decisões e ações desenvolvidas no interior da escola, no sentido de olhar criticamente o fazer pedagógico. Acreditamos na autonomia da escola para elaborar seus próprios projetos e isto não significa quebrar a unidade da rede municipal, mas "possibilitar à nossa população elaborar seus próprios pontos de vista sobre os caminhos a percorrer para chegarmos não ao primeiro mundo mas, sim a uma sociedade mais solidária e por isso mais feliz".


 Estamos tentando trilhar o caminho da discussão e do conflito com a instituição escola, com nossa formação acadêmica, com nossos diferentes entendimentos sobre o papel da escola, do profissional e de quais caminhos possíveis para um currículo que pretenda transformações..


 Na tentativa de sermos fiéis aos princípios apontados no I.º Congresso de Educação temos tentado uma maior aproximação entre os educadores das diferentes áreas do conhecimento, que apresentem afinidades conceituais e já desenvolvem no seu cotidiano escolar, trabalhos integrados. Esta tentativa tem sido estimulada e orientada pelo grupo de coordenadores das diferentes disciplinas nas reuniões de coordenação, que acontecem bimestralmente com todos os professores e nos núcleos pedagógicos realizados nas escolas com professores de duas ou mais áreas. O principal objetivo desse movimento está ligado à necessidade de ultrapassar a dissociação de anos dada às diferentes especialidades do conhecimento e aos sujeitos desta ação, permitindo que a unidade dos saberes dê sua contribuição no processo de ensino-aprendizagem.


 A busca por esta integração entre as diferentes áreas se faz no sentido de tentar articular o universo epistemológico com o universo pedagógico, para melhor refletir e analisar a produção e construção do conhecimento que tem como referencial a realidade do aluno.
A proposta interdisciplinar que estamos tentando desenvolver não se faz apenas no nível dos conteúdos ou "temas transversais", mas se constitui numa ação efetiva "de diálogo sistematizado entre indivíduos detentores de diferentes concepções e saberes sobre objetos significativos e contraditórios da realidade local vivenciada".


 Acreditamos que o diálogo epistemológico, ao fornecer instrumentos analíticos aos educandos, permite novas interpretações desta realidade e possíveis ações diferenciadas sobre as questões abordadas.


 Neste sentido, tentamos desenvolver um trabalho que possibilite ir para além das disciplinas escolares, tomando como referencial não mais os conteúdos clássicos mas temáticas sociais que perpassam o cotidiano da escola, encerram contradições sócio-econômicas e culturais em diferentes escalas espaço-temporais. Os conteúdos são acionados para entender esta dada realidade e permitir um salto qualitativo no entendimento das questões macros que estão na base dos acontecimentos.


 Desta forma, torna-se fundamental buscarmos referenciais que sejam comuns às áreas e que possibilitem a interpretação das temáticas sociais através do saber específico de cada área e do campo geral do conhecimento escolar.


 Para isto, iniciamos em 1998 estudos sobre educação popular, currículo, conceitos epistemológicos e projetos interdisciplinares, via abordagem temática . A partir destes estudos vimos a necessidade de buscarmos os conceitos unificadores das áreas do conhecimento para fundamentar o planejamento curricular e construir um referencial pedagógico para a Rede dando suporte à ação interdisciplinar: a medida que estes conceitos são desvelados podem aproximar as várias áreas presentes na escola para discutir, analisar e construir novos referenciais nos educandos sobre a temática abordada, preservando os níveis de formação e cognição de cada um dos sujeitos.


 Um panorama geral da área até 1997


 A Educação Física desde o Congresso de 94 vem buscando alternativas para superar as dificuldades que temos encontrado diante da discussão do planejamento curricular em conformidade com os princípios apontados no I Congresso. Tivemos iniciativas de aproximação com outras áreas do conhecimento através de alguns projetos desenvolvidos na rede: (Educação e Saúde em conjunto com a SMS; Turismo e Educação; Meio Ambiente) e algumas ações dos professores nas respectivas UE’s.


 O planejamento curricular, discutido desde 92, teve uma ação mais efetiva em 96 com a realização do nosso I.º Seminário de Educação Física, como objetivo de socializar o conhecimento entre os professores de Educação Física com outros das diferentes áreas do conhecimento no âmbito escolar e oportunizar discussão e debates sobre os eixos norteadores da prática dos professores de educação Física de Angra dos Reis, da capacitação docente e da elaboração do currículo.


 Ao longo destes anos, também estivemos envolvidos com outras ações: realizamos grupos de estudos para discussão de questões relativas a Educação Física no primeiro segmento e Regular Noturno, viabilizamos oficinas de capacitação e nos envolvemos com a realização de alguns eventos tais como: Olimpilha , Jogos Estudantis, Festival de Atletismo e Jogos do Noturno.


 Neste caminho, tivemos em 98 assessorias com profissionais de fora da rede, com o objetivo de auxiliar os professores na construção de uma concepção de área e suas implicações no fazer pedagógico. Este ano, iniciamos as reuniões de coordenação unindo as disciplinas Educação Física e Educação Artística para planejar as ações em conjunto para o ano de 1999. Nossa intenção é viabilizar um diálogo acadêmico que busque maior aproximação pedagógica dos saberes específicos destas áreas, tentando construir um planejamento curricular com eixos temáticos e conceitos unificadores definidos pelas duas áreas para todas as séries do segundo segmento, com objetivos gerais e específicos traçados pelo coletivo dos professores respeitando a realidade de cada Unidade Escolar.


 Neste planejamento os conteúdos assumem níveis programáticos diferentes dos conceitos. Os professores farão opção por este ou aquele conteúdo de acordo com o conceito que se quer construir dentro do eixo temático que está posto. Desta forma, os conteúdos das áreas são caminhos para a construção de conceitos, enquanto que estes por serem totalizadores, permitirão ao educador e ao educando extrapolarem, estabelecendo relações com as outras áreas do conhecimento bem como para "situações da realidade".


 O planejamento curricular discutido até então está voltado para o desenvolvimento da área no 2º segmento de Ensino Fundamental diurno. Estaremos, no decorrer deste ano e mais enfaticamente II.º Seminário de Educação Física de Angra dos Reis no mês de julho, discutindo e organizando um planejamento, que de conta das conquistas advindas do II.º Congresso, que são a inclusão da área na educação infantil e na primeira fase do ensino fundamental ( junto com educação artística ) e também da inclusão de linguagens temáticas no regular noturno, ambos ministrados por especialistas da área, com um caráter de obrigatoriedade. Os dois casos, resultaram de uma proposição do conjunto de professores da área, numa ação coletiva e democrática, tendo uma aprovação maciça no Congresso.


 Sabemos que só com a participação do coletivo poderemos referendar estas discussões, e isto vai exigir grande empenho dos professores. São espaços de conquistas que não podem ser ignorados e precisam de bases sólidas para que toda a comunidade escolar o reconheçam como processos integrantes na formação educativa dos educandos.

 Notas:

1.Prof. Edna Ferreira Coelho
Mestra em Educação pela Unimep ; Professora da Escola de Educação Física de Volta Redonda; Professora de Educação Física da rede municipal de ensino Angra dos Reis, coordenadora das áreas de Educação Física e do Regular Noturno;
Endereço:
E-mail: edna.juarez@sidenet.com.br


2. Coriolano P. da Rocha Junior
Mestrando em Educação Física na UGF; professor da Escola de Educação Física de Volta Redonda; Professor da rede municipal de ensino de Angra dos Reis.
Endereço: R: Benedito Honorato , 134
Centro - Pinheiral - RJ - CEP: 27197000

Fone: (024)3562438E-mail: coriolano.junior@sidenet.com.br
3. Bento, Elizabeth de Fátima - Mesa Redonda: Gestão Democrática - I Amostra Pedagógica de Angra dos Reis, julho de 1997.
Elizabeth F. Bento é professora de Geografia da rede municipal e atual Subsecretária de Educação de Angra dos Reis.


4. Mantemos na SMEAR um acompanhamento pedagógico, às diversas áreas do conhecimento, com coordenadores escolhidos pelos professores nas áreas. São realizadas bimestralmente reuniões dos professores com o coordenador visando discutir o planejamento curricular, acompanhar os projetos pedagógicos e viabilizar encontros interdisciplinares.


5. Kesseler, Leila Machado - Mesa- Redonda: Planejamento Curricular - I Mostra Pedagógica de Angra dos Reis, julho de 1997.
Leila Kesseler foi Secretária de Educação e atualmente é professora de Geografia da rede municipal.


6.Kesseler, Leila Machado - Mesa- Redonda: Planejamento Curricular - I Mostra Pedagógica de Angra dos Reis, julho de 1997.


7.Gouvêa, Antônio - Mesa Redonda: Realidade e Conhecimento - I Mostra Pedagógica de Angra dos Reis, julho de 1997.
Antônio Gouvêa é professor de Ciências e Biologia da rede pública de São Paulo. Prestou assessoria à Prefeitura Municipal de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina (1989/1992) e atualmente assessora os movimentos de reorientação curricular dos municípios de Angra dos reis, Porto Alegre, Campinas e Barra Mansa.


8.Desenvolvemos desde 1994, em algumas escolas de 1º segmento no município, o Projeto Interdisciplinar via Abordagem Temática com assessoria do prof. Antônio Gouvêa que também atende outros segmentos como: Serviço de Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Escolas Multisseriadas, Coordenação de 1º e 2º segmento, em seus projetos de Reorientação Curricular.


9. Olimpíada das Escolas de primeiro segmento das Ilhas.