Integra
Entidade lança campanha sobre os vários tipos de reumatismo, como artrose e osteoporose. Esses males podem acabar com a mobilidade, mas muitos têm cura
O corpo humano possui articulações formidáveis, que garantem nossa mobilidade. Mas, se não forem adotados os cuidados necessários para manter essas engrenagens em dia, elas podem “enferrujar”, até atingir um ponto em que o movimento simplesmente pára. Já não se consegue dobrar os joelhos, as mãos não seguram mais a xícara. Entre os responsáveis por esse desajuste estão os vários gêneros de reumatismo. Essas doenças causam inflamações ou degenerações em regiões do aparelho locomotor, podendo comprometer seriamente sua função. Fazem parte da lista mais de 100 tipos e, segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia, cerca de 20 milhões de brasileiros sofrem de algum desses males. Entre os principais estão a artrose, a artrite reumatóide e as dores nas costas. Essas enfermidades, que não atingem apenas os mais velhos, como se imagina, acabam com a qualidade de vida dos pacientes e, muitas vezes, impedem que eles levem uma vida normal. Só para se ter uma idéia, dados do INSS mostram que as dores reumáticas são a segunda maior causa de afastamento do trabalho.
No entanto, ainda há muita falta de informação sobre as doenças. “As pessoas às vezes não sabem nem mesmo que sofrem de reumatismo”, conta Sebastião Radominski, presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia. Para esclarecer a população, a entidade está fazendo uma campanha em rádios, revistas e outdoors sobre os males tratados pela especialidade. A preocupação não se limita ao Brasil. A Organização das Nações Unidas dedicou essa década ao osso e à articulação. Isso significa que, nos próximos dez anos, a entidade incentivará a parceria entre grupos de pacientes, governos e cientistas para promover a prevenção e o tratamento dessas doenças.
O reumatismo é conhecido desde a Antiguidade. A palavra vem de reuma, vocábulo que em grego significa fluido. Os antigos acreditavam que ele era o responsável pelo inchaço nas articulações. Hoje, o conhecimento mais apurado do corpo permitiu descobrir que a doença causa muito mais prejuízo. É o caso, por exemplo, da artrose, um dos tipos mais comuns. A enfermidade desgasta a cartilagem, material elástico que envolve o osso e permite a absorção do impacto dos movimentos. Em geral, aparece nos joelhos, quadris
e coluna. “Em muitos casos há perda da mobilidade da articulação”,
explica Jamil Natour, reumatologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
A artrose tem consequências cruéis. Se ocorrer na mão, por exemplo, os dedos podem se deformar. Ainda não se conhecem com exatidão suas causas, mas sabe-se que traumas, má postura e doenças como a obesidade colaboram para seu aparecimento. O tratamento baseia-se em antiinflamatórios, analgésicos e fisioterapia. Outro recurso é a cirurgia para a colocação de próteses que substituem as áreas afetadas. Mas essa medida só é usada quando a cartilagem está muito danificada. “As próteses recuperam a função perdida da articulação”, explica a médica Maria Angela do Amaral Gurgel, do Hospital Nove de Julho, de São Paulo.
Muitas vezes, por causa da semelhança do nome, a artrose é confundida com a artrite reumatóide, outro tipo de reumatismo. Mas as duas guardam diferenças. A artrite é uma doença crônica e progressiva que inflama a membrana que recobre internamente a articulação. Geralmente, atinge mulheres depois dos 30 anos, mas entre suas vítimas também estão crianças. A doença está no grupo das enfermidades chamadas auto-imunes – males decorrentes da agressão do próprio sistema de defesa do corpo às células sadias dos tecidos por razões ainda não totalmente conhecidas.
A novidade no tratamento da artrite são remédios que combatem substâncias específicas relacionadas à doença. Eles são indicados para doentes que não respondem bem à terapia convencional, à base de antiinflamatórios. Como na artrose, às vezes é preciso recorrer à cirurgia para colocação de próteses. Para evitar que a intervenção seja necessária, deve-se procurar o médico assim que os primeiros sinais do problema forem notados. Afinal, quanto maior o tempo de inflamação, maior a chance de sequelas graves. Foi o que aconteceu com a costureira aposentada Vita dos Santos, 57 anos, de São Paulo. Os sintomas da artrite surgiram há 19 anos, mas a demora no diagnóstico resultou em um drama. Ela não tem mais forças nas pernas e suas mãos estão deformadas. Mas Vita mostra que a doença não a impede de realizar seus desejos. Hoje, ela pinta, segurando o pincel com a boca. “Quando termino um quadro, me emociono”, diz.
Entre os tipos de reumatismo, há um que poucos desconfiam que faça parte desse gênero de enfermidade. É a osteoporose, caracterizada pela diminuição da densidade óssea, causada pela perda de cálcio. O fenômeno é comum no climatério (fase que antecede a última menstruação), período no qual ocorre uma redução do estrógeno, hormônio feminino que ajuda na absorção do cálcio pelo osso. Mas a doença também pode surgir nos homens.
Felizmente, há novidades a caminho no tratamento da doença. A indústria farmacêutica está investindo em remédios para serem tomados uma vez por semana e até a cada dois meses. Hoje, a maioria das drogas deve ser ingerida diariamente. Apenas uma delas, o alendronato, já é vendida em dose semanal. Até o final do ano, porém, chega ao mercado a versão semanal do risendronato. Ambos impedem a diminuição do volume dos ossos numa velocidade maior do que a sua renovação. Com o mesmo alvo, outro avanço é a injeção bimensal de ibandronato, que deve ser lançada em 2005. Será a primeira opção de tratamento para quem tem intolerância aos produtos orais. A notícia mais festejada, entretanto, é a nova classe de medicamentos que estimulam a renovação dos ossos. O primeiro representante dessa categoria, o paratohormônio, deve ser lançado em 2004. Além dos progressos no tratamento, há um esforço mundial para criar programas de prevenção. “A melhor defesa contra a osteoporose é a formação de uma boa massa óssea na infância, com a adoção de dieta rica em cálcio e exercícios”, diz o reumatologista Rubem Lederman, presidente da Sociedade Brasileira de Osteoporose.
Na verdade, um dos problemas das doenças reumáticas é que nem sempre elas são fáceis de serem diagnosticadas, a exemplo da osteoporose. Outra que também é de difícil identificação é a fibromialgia. A síndrome provoca dores no corpo e cansaço, entre outros prejuízos. Suas causas não estão definidas. Sabe-se, porém, que filhos de pais com fibromialgia têm mais chances de apresentar o problema. A doença também tem relação com baixos índices de serotonina (uma das substâncias que fazem a comunicação entre os neurônios e está relacionada ao processamento das emoções).
Relaxamento – O tratamento é à base de analgésicos, antidepressivos, antiinflamatórios, relaxantes musculares e exercícios físicos. “Essas atividades aumentam os níveis de serotonina, melhoram a qualidade do sono e relaxam o corpo”, explica Valéria Valim, da Universidade Federal do Espírito Santo. A veterinária Renata Quinze, 27 anos, de São Paulo, sabe disso. A atividade física regular – hidroginástica e caminhada – amenizou a doença. Renata descobriu o problema no início deste ano. Atualmente ela já está bem melhor e conseguiu até soltar o corpo nas aulas de dança de salão. “Minha vida voltou ao normal”, afirma.
De fato, as dores reumáticas acabam com a disposição. O desconforto provocado pela lombalgia, a popular dor nas costas, já tirou muita gente de circulação. O problema é causado por várias doenças, mas a falta de alongamento e a má postura contribuem para seu surgimento. Quando a inflamação atinge a raiz do nervo ciático – que liga a coluna ao pé –, a dor se irradia pela perna. Na crise, o tratamento combina repouso, antiinflamatórios e analgésicos. Exercícios de alongamento e técnicas de reabilitação da postura são opções para depois da fase aguda. Um dos métodos indicados é a Reeducação Postural Global, que consiste em ensinar o paciente a adotar uma postura adequada. “A técnica deve ser praticada no mínimo três meses”, explica Ana Martinez, fisioterapeuta da Clínica Reabilita, de São Paulo.
Outras doenças reumáticas responsáveis por muitos afastamentos do trabalho ou limitação de atividades são a tendinite e a bursite. A primeira provoca uma inflamação no tendão – estrutura que liga o músculo ao osso. Ela costuma ocorrer na mão, nos braços e ombros. O paciente sente dor ao dobrar essas articulações. A sensação dolorosa também ocorre quando há bursite, inflamação da bursa (bolsa que contém líquidos, encontrada em áreas de atrito, como tendão sobre osso). Para driblar os desconfortos, é preciso tomar analgésicos e antiinflamatórios e fazer repouso. “Para evitar o problema ou seu agravamento, é preciso não sobrecarregar a articulação”, aconselha José Roberto Provença, de Campinas (SP). Outra medida, no caso da tendinite, é usar uma tala para imobilizar a articulação até o tendão se recuperar. É o que está fazendo a secretária Ilvana de Lima, 34 anos. “Acho que exagerei no serviço de casa em um fim de semana e acabei com tendinite”, acredita.
Uma das características dos males reumáticos é sua complexidade. Um dos mais desafiadores é o lúpus eritematoso sistêmico, também incluído na categoria de doença auto-imune. O problema acomete vários órgãos e provoca, entre outros danos, inchaço nos joelhos e nas mãos. Um de seus sinais são manchas avermelhadas na pele. Suas causas não estão esclarecidas. Mas sabe-se que há um fator genético associado ao mal e que o estrógeno favorece seu aparecimento. O representante comercial Mauro Kageyana, 42 anos, de São Paulo, é portador da doença há 16 anos e sabe o sofrimento que ela impõe, além da dor. “Ficava constrangido por causa das manchas”, conta. “Mas hoje me propus a viver o dia-a-dia sem me preocupar muito”, afirma. O combate ao lúpus é feito com antiinflamatórios. Usa-se, inclusive, a cloroquina, remédio contra a malária de ação lenta e eficaz contra a inflamação nos rins. É preciso cuidados para conviver com a doença. “É importante evitar o sol, que piora as manchas, fazer exercícios e ter uma dieta saudável, pois os antiinflamatórios usados, como a cortisona, alteram os níveis de colesterol”, aconselha Emília Sato, da Unifesp.
Outro tipo de reumatismo auto-imune que intriga os cientistas é a febre reumática. A doença, que ataca muitas crianças, é decorrente de uma infecção causada pela bactéria Estreptococcus, transmitida pelo ar. O anticorpo contra o agente confunde o tecido sadio do organismo com o microorganismo e passa a atacá-lo. A reação inflama as articulações, a válvula mitral do coração – estrutura que impede o sangue de voltar para o coração depois de ser bombeado para o resto do corpo – e a pleura, membrana que recobre o pulmão. Se a doença se agravar, pode ser necessário fazer uma cirurgia para trocar a válvula mitral.
No entanto, é importante saber que muitos tipos de reumatismo podem ter cura, se forem diagnosticados a tempo e tratados corretamente. E os pacientes precisam ser informados de que as dores reumáticas também são aliviadas com a ajuda da acupuntura. Segundo os especialistas na técnica, as agulhas colocadas nos pontos indicados controlam a dor de várias formas. Estimulam as fibras nervosas de modo que elas enviem mensagem ao cérebro para diminuir a sensação dolorosa, e ajudam a liberar a endorfina, um analgésico natural do corpo, entre outras maneiras. “A acupuntura, além de aumentar as defesas, ajuda a harmonizar o organismo. Mais fortalecido, o corpo tem melhores condições de combater não só a dor, mas as doenças”, explica o médico Gabor Tomas Fonai, de São Paulo, especialista em acupuntura pela Escola Paulista de Medicina e um dos fundadores da Associação Médica Brasileira de Acupuntura. O economista Roberto Segatto, 55 anos, está aprovando a terapia para combater as dores da artrose. Há 25 anos, ele sofreu um acidente de carro, o que originou uma inflamação na junta do pé com a perna. Na época, ele fez os tratamentos necessários. Há sete anos submete-se a sessões de acupuntura. “Hoje não sinto dor nem preciso mais dos remédios”, conta. Como se vê, todas as iniciativas são válidas quando o objetivo é diminuir o sofrimento e, principalmente, não deixar
o corpo parar.