Mulheres com Melhores Marcas Esportivas Que os Homens, Isso Existe?
Integra
Gostaria de estar equivocada, mas acredito que dificilmente uma pessoa do século XXI desconsideraria a noção de que as mulheres, sem exceção, apresentam desempenho inferior ao dos homens no esporte. Muitos diriam: basta conferir as marcas. Mas será mesmo que o lugar máximo está assegurado aos homens pela chamada determinação biológica? Algumas histórias esportivas revelam que não, que na prática tal entendimento nem sempre se fez rigoroso. Existem mulheres com marcas superiores à de homens, bem como histórias de expulsão de atletas e equipes que tentaram esgarçar essa barreira.
Aqui trarei dois exemplos e começo com um convite ao exercício da imaginação. Pergunta: qual atleta da natação você imagina ter obtido a última colocação na prova dos 100 metros livres durante a realização de todas as edições olímpicas? Respeitando o raciocínio da determinação biológica, e, pensando numa evolução técnica da natação, a resposta mais rápida e cabível seria: uma mulher, talvez em Estocolmo-1912 (edição em que elas puderam nadar pela primeira vez). Lamento, mas a resposta está errada em todos os sentidos. A última colocação – repito, de toda a história olímpica - é ocupada pelo atleta da Guiné Equatorial Eric Moussambani e se deu durante os Jogos de Sydney-2000. Isso aconteceu quando o Comitê Olímpico Internacional, numa política de inclusão, disponibilizou vagas para atletas de países com pouco prestígio na modalidade mencionada. Morando num país sem piscina olímpica e sem dominar muito bem os movimentos técnicos da natação, Eric atingiu o tempo de 1min52s72; Annie Speirs, última colocada em Estocolmo-1912 conseguiu a marca de 1min27s40. Essa história peculiar tornou Eric, merecidamente, um herói daquela edição olímpica. O atleta foi demasiadamente aplaudido pelo público até a chegada à borda da piscina, e não pretendo retirar de cena toda essa riqueza.
A reflexão que proponho pode até parecer absurda, pois é muito claro que alguém que não domina a técnica de sua modalidade não alcançará resultados expressivos como os exigidos de atletas de nível olímpico. Porém, a questão aqui é outra. Sinto a necessidade de reforçar algo que ao menos deveria parecer óbvio, mas que é negado: não é só pelo fato de ser denominado homem que esse alguém tem uma vantagem esportiva absoluta sob as mulheres. Se assim o fosse, Eric teria conquistado a última colocação somente na categoria masculina. A pergunta que fica é: como uma pessoa conquista a vitória, o recorde? Pierre de Coubertin, fundador dos Jogos Olímpicos, responderia que através do treino obstinado. Já David Epstein, estudioso da genética no esporte acredita que: “é improvável que cheguemos a encontrar respostas completas só no genoma, e não apenas porque ambiente e treinamento são sempre fatores críticos”. Ou seja, o que encaminha atletas à vitória é uma combinação de fatores. E desse modo, as dimensões socioculturais que atravessam os corpos também são relevantes para se pensar o esporte. Nas primeiras décadas do século XX, por exemplo, não havia de se esperar resultados muito relevantes das mulheres, uma vez que a prática esportiva era desencorajada diante da crença de que o corpo da mulher teria a saúde prejudicada pelo esforço físico. Entretanto, com o passar dos anos, viu-se uma melhora significativa no desempenho delas em acordo com as oportunidades crescentes (mas ainda insatisfatórias).
Para terminar, conforme prometido, cito a segunda e última história. Nessa, duas mulheres chegaram à frente dos homens. E não só isso, em 2020, durante a maratona aquática Capri-Nápoles na Itália, a italiana Arianna Bridi (1ª colocada) e a brasileira Ana Marcela Cunha (2ª colocada) também bateram a melhor marca de todos os tempos da competição que completava sua 55ª edição. Com isso, penso que a teorização da superioridade masculina como regra inflexível merece ser rediscutida, pois, na prática, há momentos em que ela é desvalidada. No entanto, até os dias atuais, essa é a única teoria levada em conta pelas entidades esportivas durante a construção dos regulamentos para o gênero no esporte, fato que culmina com a segregação histórica entre mulheres e homens, e também com o menosprezo pela inclusão de corpos fora do padrão exigido, como de pessoas trans e intersexo.