Integra
Raramente alguma contribuição científica do Brasil é destacada na imprensa internacional. Recentemente, entretanto, uma pesquisa da Unicamp sobre o milho de pipoca repercutiu intensamente lá fora, em função de um artigo publicado pelo professor William José da Silva, do Instituto de Biologia, na prestigiosa revista Nature, de Londres.
Algumas dessas notícias foram, no mínimo, polêmicas. No caso da revista Time e até de um cronista do jornal Correio Popular, de Campinas, ambos tecendo comentários ligeiramente irônicos sobre a importância prática da pesquisa. A revista Veja, em artigo de sua editoria de Ciência, chamou também a pesquisa da Unicamp de algo exótico…
O rumoroso (que aliás parece ter ferido várias suscetibilidades da nossa universidade) me dá a preciosa oportunidade de comentar sobre como se avalia a importância de uma pesquisa científica, Isso evidentemente tem uma relevância para um país pobre como o Brasil, que não pode (ou não quer) dar dinheiro para todos os tipos de pesquisas, por mais exóticas que possam parecer ao leigo.
De início, podemos colocar o seguinte: é muito difícil, senão impossível, avaliar a importância de uma pesquisa. Em primeiro lugar, é preciso adotar algum critério e isso já é bem difícil. Será que é correto avaliar a importância de uma pesquisa apenas com base em suas aplicações possíveis? Evidentemente, não, Se fosse assim, pesquisas científicas puras, que descobriram fatos básicos sobre a natureza há mais de cem anos é que só foram encontrar aplicação agora, nunca teriam sido realizadas! É o caso do fenômeno da supercondutividade, das pesquisas sobre elementos radioativos, sobre fungos e bactérias, e centenas de milhares de outros exemplos, que se tornaram, depois de muito tempo, essenciais para o progresso tecnológico atual.
Além disso, o ser humano se diferencia dos outros animais pela sua insaciável curiosidade, bem como pela necessidade de armazenar e transmitir conhecimentos. Esse acúmulo é extremamente importante sob muitos aspectos e tem, inclusive, fortíssimas conotações educacionais, sem as quais também não teríamos a formação de gente competente para trabalhar na área aplicada. A prova é que, nas boas universidades, engenheiros e médicos passam pelo menos metade do curso estudando ciências básicas, como Física, Química, Matemática, Anatomia, etc., etc.
O perigo de julgar erradamente à importância de uma pesquisa científica é exemplificado de forma clara pelo famoso prêmio “Tosão de Ouro", concedido anualmente pelo senador norte--americano William Proxmire para a pesquisa com o título mais ridículo e irrelevante. A intenção do senador, ao atribuir esse prêmio, foi chamar a atenção do contribuinte americano sobre o dinheiro “desperdiçado” no financiamento de pesquisas puras. Com a sua ignorância sobre como funciona a ciência, ele “quebrou a cara” várias vezes, expondo-se ao ridículo em horário nobre nacional, Uma vez, por exemplo, escolheu um trabalho sobre os hábitos sexuais de uma borboleta do deserto do Arizona, que tinha recebido financiamento de várias dezenas de milhares de dólares (aliás, para um leigo, todo nome científico, quando escrito em latim, até de uma simples barata — Periplaneta americana — soa exótico...).. Resultado: foi censurado publicamente por várias entidades, pois essa mesma borboletinha era uma praga que estava causando prejuízos de bilhões de dólares nas plantações da Califórnia e o dado era essencial para descobrir seu controle biológico (ela parece ser totalmente imune aos mais violentos pesticidas).
Erraram redondamente as revistas Time e Veja. A pesquisa do professor William é bastante importante de porto de vista prático. A venda do milho de pipoca gera divisa de bilhões de dólaresem todo o mundo e selecionar geneticamente um milho que estoura 100% das vezes é um tremendo objetivo econômico, perseguido atualmente por vários centros de pesquisa agronômica em todo mundo. Ainda mais para o Brasil, um país exportador de alimentos.
E outra coisa: comer piruá estraga os dentes.