Na Corda Bamba: Gênero e Direitos Humanos no Mundo Esportivo Educativo
Por Jorge Dorfman Knijnik (Autor).
Parte de Educação Física Escolar e Esporte de Alto Rendimento: Dá Jogo? . páginas 7
Resumo
Sobre tigrinhas (e outras feras...)
À época da minha graduação em Educação Física na USP (final dos anos 1980), havia professores que defendiam a separação entre meninos e meninas em diversas atividades esportivas, a fim de proteger os rapazes de possíveis humilhações em caso de derrotas perante as moças. Um destes professores, infelizmente já falecido, foi o simpático, grande conhecedor de lutas e mestre internacional de judô, Carlos Catalano Calleja. Em um artigo de 1970, onde questionava se as mulheres deveriam praticar o judô, ele argumenta manifesta que esta modalidade possui não só um viés competitivo, mas também educativo e formativo do caráter da criança e do jovem praticante. Calleja considera que seria excelente para as meninas também terem acesso a esta prática, porém em situações especiais e longe da competição, pois “às vezes, as ‘tigrinhas’ embaraçam os rapazes” (CALLEJA, 1970, p.16).
Citando reportagens de jornais da época, o autor comenta um fato que deixou abismado o público presente ao Torneio de Judô da III Olimpíada Infanto Juvenil da Cidade de São Paulo, no qual uma menina (Maria Nunes de Abreu, de 10 anos) conquistou o terceiro lugar, ocasionando discussões acaloradas entre os organizadores, e deixando desesperados os progenitores dos “coitadinhos” dos meninos que, aos prantos, observavam a premiação da “judoquinha”. Este fato bastou para que a Prefeitura paulista, em suas próximas competições, vetasse a participação do ‘terrível sexo fraco’ (CALLEJA, 1970).
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