Integra

O professor Pedro Hallal se pintou pra guerra, magoado que ficou com a maneira como a expressão Atividade Física, segundo ele, foi tratada por mim em crônica escrita para esse espaço do CEV. 

Sabemos que na guerra, a maior derrotada é a verdade. Na guerra imaginada pelo professor mencionado, não foi diferente.

Já que demonstrou ser conhecedor de Freud – o que não sou, infelizmente – deveria ter percebido que, às vezes, um charuto é só um charuto...

Se tivesse maneirado nas tintas, perceberia que meu texto... Defende a Atividade Física! 
Mas não qualquer uma e sim aquela dotada de sentido e significado humanos dissociados do cunho utilitarista

Em verdade, está em questão o próprio entendimento de Saúde.

E por mais que a área acadêmica não goste e possua produção de ponta que a supere, a abordagem utilitarista de Atividade Física ocupa ainda posição privilegiada no meio acadêmico da Educação Física. Nada há de inverdade nesta afirmação.

E é ela, visão objetiva de saúde elaborada a partir de visão estritamente bio-fisiológica, que “contamina” os meios midiáticos, os quais, por sua vez, levam os simples mortais à insensatez de subirem lances de escada no lugar de se valerem do elevador, ou andarem um quarteirão a mais ao invés de pegarem o ônibus no ponto mais próximo de casa, em nome... Da Saúde! Nada há de “fictício” nisto. 

“Fictício” é entender que a Atividade Física, sozinha - dissociada de outros determinantes de qualidade de vida socialmente referenciados, tais como educação, cultura, moradia, alimentação, transporte etc. -, é elemento de saúde. 

E a Atividade Física atenta à dimensão subjetiva da Saúde, vem, já há algum tempo, sendo chamada de Prática Corporal...

E a expressão Prática Corporal, segundo o documento Movimento é Vida! Atividades Físicas e esportivas para todas as pessoas - Relatório Nacional de Desenvolvimento Humano do Brasil /2017 – certamente conhecido pelo professor Pedro -, apresenta-se como uma noção polissêmica, cuja definição conceitual transita da ausência e negação à positivação de suas supostas qualidades intrínseca (p.77).

O relevante documento, passível de ser acessado pelo endereço https://www.ufrgs.br/redecedesrs/biblioteca/movimentoevida/, elenca elementos argumentativos em defesa do termo, nos quais, diz, estão fortemente presentes conhecimentos oriundos das Ciências Humanas e Sociais. Passemos a mencioná-los, para enfatizar que, diferentemente do que pensa o professor Hallal, não se trata de “simples questão de nomenclatura”:
.   Compreensão das práticas corporais como manifestações culturais que se explicitam prioritariamente por meio do corpo;
.   Compreensão do corpo como fenômeno que pode ser interrogado no entrecruzamento de fronteiras disciplinares;
.   Preocupação com os significados e sentidos atribuídos pelos sujeitos praticantes (de modo individual e coletivo), e não só com os efeitos orgânicos;
.   Crítica à organização da vida social contemporânea e seus desdobramentos no corpo;
.   Destaque às diferenças e contrastes entre práticas corporais orientais e ocidentais;
.   Indicação de finalidades voltadas para a sensibilidade, educação estética, promoção da saúde, desenvolvimento do lazer, sociabilidade, cuidado com o corpo (p.77).
E diz mais o documento:

As significações correntes de práticas corporais ainda apontam que se trata de manifestações culturais lúdicas, que em geral ocorrem no tempo livre ou disponível, caracterizando-se, portanto, como atividades de lazer. Ademais, implicam certo grau de dinamicidade corporal e colocam em jogo o conjunto dos órgãos e sentidos humanos, possibilitando a fruição de uma experiência sensível esquecida em decorrência da excessiva racionalidade que guia a sociedade ocidental contemporânea (p.77).

É perceptível a importância das ciências humanas e sociais para o entendimento da reflexão que buscamos desenvolver (não só) acerca do conceito de Prática Corporal. 

O professor Hallal está ciente disso, como também ciente está dos motivos das dificuldades da presença dos pesquisadores que as têm, como parâmetro de estudos e pesquisas, nos programas de pós-graduação da nossa área acadêmica.  

Tenho certeza que ao se despojar do ânimo belicoso que “orientou” seu escrito, deixará de lado a sutil - mas nem por isso, fina – ironia acerca dessa “dificuldade”, voltando a se colocar ao lado dos que não disputam espaços no campo acadêmico, mas sim defendem equidade na definição dos critérios definidores da produção de conhecimento da área.

Se for pra ter guerra, que seja contra o Covid-19 e contra a absurda desigualdade social que nos assola.

Para tanto, dancem, cantem, brinquem, namorem, para que saiamos desta pandemia mais dispostos ainda a lutar por fazer deste Brasil, um país onde as práticas corporais sejam acessíveis - no mesmo patamar de qualidade e voltadas ao processo de desenvolvimento humano - a todas e todos que aqui habitam.