Resumo

Seguir o futebol na cidade foi a peculiaridade desta pesquisa etnográfica multi-situada num circuito de futebol de Porto Alegre, referido como o municipal da várzea. Isto foi realizado na esteira de estudos sobre a heterogeneidade das vivências e dos significados das práticas esportivas, com foco naquelas objetivadas e subjetivadas pelas pessoas comuns nos contextos urbanos das suas vidas cotidianas. Ao segui-las nos campos de futebol, nas salas de reuniões, em bares, residências e salões de festas, em distintas regiões e regimes urbanos, deparei-me com a necessidade de pensar e problematizar os significados do futebol não apenas em face da circunscrição de um circuito e suas lógicas, mas também em relação à circulação e à trajetória de vida das pessoas. Disso resultou o interesse em estudar a atribuição de significados imbricada (e imbricante) nas tramas urbanas, implicada (e implicante) numa construção multi-local e polifônica, tributária de distintas trajetórias de socialização e possibilidades concretas de circulação das pessoas e grupos, porém, sem que isso deixe de lado, em maior ou menor medida, a constituição do circuito como um espaço simbólico particular, institucionalizado (e institucionalizante). Como modo de pesquisa, procurei seguir as pessoas em ação (dirigentes, jogadores, torcedores, familiares, amigos, etc.), estando atento para como os significados de práticas e de artefatos se alteravam conforme transitava nos distintos espaços-tempos da cidade e do circuito de futebol. Como estratégia de análise-interpretação, recorri às principais controvérsias observadas e registradas, compreendendo que elas deixavam importantes rastros simbólicos do que estava “em disputa” na circulação-construção do futebol. Mapeei 4 controvérsias que, então, serviram como categorias de análise (“aqui é a várzea, não é o profissional”; “o clube de hoje é um jogo de camisas”; “o que incomoda é a pressão que vem de fora”; e “hoje eles foram só para jogar bola”). A partir dessas categorias, apresentei descrições (na forma de retratos) e interpretações relacionadas à atribuição dos significados, tendo como foco a problematização de categorias que são clássicas ao se pensar as configurações esportivas (a “organização”, os “times”, os “torcedores” e a “disciplina”). Estas problematizações, ao final, me possibilitaram concluir que os significados do futebol implicam e estão implicados num paradoxo: de um lado um movimento de purificação no sentido de que o circuito funcione enquanto uma arena relativamente fechada; de outro, um movimento de hibridização, de mistura, onde as tramas e as trajetórias de vida não são e nem se poderiam ser deixadas de lado. Quem "se movimenta" na cidade nos múltiplos espaços-tempos da várzea certamente estará diante desses dois movimentos.

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