Resumo
O estudo retrata o processo de formação do capoeirista apreendido pelo prisma da experiência corporal vivenciada em grupos de capoeira regional e angola, as duas principais tradições que referenciam atualmente esse jogo. O objetivo é trazer à tona os vínculos entre a incorporação de técnicas corporais e os ambientes dos grupos de capoeira em que tem lugar a iniciação. Argumento que as alterações dos padrões perceptivos e motores suscitadas pela aprendizagem corporal têm como contrapartida uma alteração do mundo percebido. Mostro que a incorporação das técnicas corporais típicas da capoeira deslancha novas maneiras de perceber, agir e se relacionar ao passo que torna significativos, relevantes e valiosos os elementos que participam dessa transformação do corpo. O corpo, os contextos e modalidades coletivos de aprendizagens e as tradições são nesse sentido co-consitutivos. A abordagem, inspirada dos aportes de Latour (2007) e Ingold (2010), detém-se sobre o leque de entidades articuladas com o corpo, incluindo os artefatos e discursos atuantes nos ambientes e rituais da aprendizagem o que possibilita revisitar as fronteiras entre aos diferentes estilos de capoeira à luz das articulações específicas a cada uma dessas tradições. Por fim, a reflexão aborda a dimensão dinâmica da tradição investigando as interseções entre o universo da capoeira e o universo social mais amplo. Busca-se evidenciar os efeitos da circulação de valores, práticas e significados de ambos universos (a pequena e a grande roda) nos próprios fazeres e experiências dos corpos. Os mecanismos e as tensões que perpassam o processo de articulação de novas entidades no corpus da tradição são discutidos a partir de uma apresentação dos conflitos de gênero que têm desafiado o campo da capoeira nas últimas décadas.