Integra
No país do “o” — o Flamengo, o Cruzeiro, o Corinthians, o Palmeiras —, ela entra em campo no feminino. Soa diferente. Parece menor. Mas não é.
É a Ponte Preta.
Enquanto os gigantes do futebol vestem artigos masculinos até quando o nome grita por feminino — “o América”, “o Palmeiras” (mesmo sendo sociedade), “o Flamengo” (mesmo sendo região) —, ela insiste em ser chamada como nasceu: com o “A” na frente.
Talvez nem por escolha própria. Talvez por fidelidade ao nome. Mas é simbólico. É forte. É raro.
No futebol brasileiro, o campo não é só de jogo — é também de linguagem. E linguagem, todo mundo sabe, carrega história, poder, identidade. O futebol, tão masculino em suas origens e estruturas, acaba transbordando esse gênero até na forma de falar. Tudo vira “o”.
“O meu time.”
“O campeão.”
“O esquadrão.”
“O futebol.”
E então vem ela, ponte entre o passado e o presente, entre a norma e a exceção.
A Ponte Preta.
Fundada por estudantes, batizada por uma estrutura da cidade, enraizada no feminino como quem carrega o peso de sustentar — e atravessar.
É bonito pensar nisso: a linguagem traindo o costume. Ou resistindo a ele.
Porque, no fundo, cada vez que um narrador diz “a Ponte Preta ataca pela esquerda”, ele está, sem saber, furando a rede do costume.
E marcando um gol pela gramática. E talvez pela história.
Entre tantos clubes que se impõem no masculino, mesmo quando nascem femininos, a Ponte não faz questão de disfarçar: ela é “A”. E isso, num mundo que ainda estranha o feminino nos espaços de prestígio, não é pouco. É poesia.
É como se dissesse:
— Pode vir, futebol. Mas por essa ponte, quem passa sou eu.
Professor Alexandre Machado Rosa