Nota Editorial -acerca do Estilo de Governança da U. Porto
Resumo
Primeiro:
O título do texto de 19 do corrente não é rigoroso. Com efeito não foram diretores de faculdades que entraram em colisão com o Senhor Reitor. Foram o Conselho Geral e o Senhor Reitor que instauraram um clima, se não de colisão e afrontamento, pelo menos de desconsideração e depreciação não apenas dos diretores, mas também de outros órgãos das Faculdades (p. ex., os Conselhos de Representantes, que incluem elementos externos à UP) e da comunidade académica em geral.
Para V. Exas presidir equivale a impor. É verdade que convocam plenários e reuniões, mas ignoram o significado do diálogo. O diálogo é uma prática performativa, traduzida em obras de compromisso e consenso. V. Exas entendem-no como instrumento ao serviço de uma postura impositiva, de anulação e submissão das posições do outro. Nunca recuam no essencial das propostas que apresentam, mesmo contando com a manifesta oposição da esmagadora maioria das pessoas ouvidas. Embora detestem o dissenso, não estão interessadas em promover compromissos ou consensos; recorrem a rodeios para levar sempre avante o projeto que os move. Acresce que esse projeto, dados os elevados índices de proficiência que a U. Porto atinge (de resto profusamente exaltados pelo Senhor Reitor, sempre que lhe dá jeito e a propósito de tudo e de nada!), não tem nada a ver com melhoria de funcionamento; portanto só pode ter uma motivação ideológica, mais ou menos oculta ou evidente.
V. Exas adotaram um estilo autista de direção da U. Porto. A opinião dos ‘governados’, expressa nos locais e modos apropriados, não conta para nada. Mais, V. Exas chegaram a um estado de défice de legitimidade. E porquê? Muito simplesmente, porque tanto o Conselho Geral (sobretudo este órgão) como o Senhor Reitor impõem medidas que não constavam no programa de candidatura. Além de violarem o enquadramento legal em vigor, aprovado e ou homologado por V. Exas!
O Conselho Geral e o Senhor Reitor estão a caminhar para um termo de mandato assaz penoso para a U. Porto, uma vez que não abdicam de gerar e levar o fogo da conflitualidade e instabilidade até ao fim. Custe o que custar. E depois atrevem-se a apelar à paz podre, a censurar quem não a aceita e a querer ocultá-la fechada a sete chaves dentro dos muros da Universidade. Não os inquietam as divergências; o importante é que não haja conhecimento delas!
Contra o pensamento balofo escreveu José Pacheco Pereira, no jornal Público do dia 20. Vou citá-lo: “A ‘crise’ às claras é melhor do que a ‘crise’ às escuras. A crise aberta é melhor do que a crise larvar. Um dia a larva passa a outra coisa e a crise é muito pior. Há histórias terríveis do que as larvas podem fazer dentro dos corpos. É melhor não experimentar, nem ver o Alien. Para além disso, de um modo geral, ganham as larvas.”
Por favor, meditem sobre isto!
Segundo:
M’espanto às vezes, outras m’avergonho - disse Sá de Miranda (1495-1558). Isto aplica-se inteiramente à linguagem utilizada pelo Senhor Presidente do Conselho Geral (últimas frases da notícia do jornal Público, do dia 19), porquanto ela revela tiques de um autoritarismo impróprio do contexto democrático e, muito mais, da Universidade. É absolutamente inaceitável!
Como é sabido, o Senhor Presidente do Conselho Geral tem obra feita numa empresa de produtos farmacêuticos. Não disponho de conhecimentos e competência para lhe dar conselhos e ditar recomendações acerca da melhor maneira de organizar e gerir a sua indústria; não sou do ramo. Porém impende sobre mim a imperiosa obrigação de declarar que a linguagem do Senhor Presidente ofende os princípios fundadores da Universidade.
Por isso aguardava (até agora em vão) que, no mínimo, o Senhor Presidente do Conselho Geral pedisse desculpa à comunidade da U. Porto tanto pelas expressões linguísticas em causa como pelas intenções que elas desnudam. E esperava igualmente que o Senhor Reitor se distanciasse inequivocamente daquela terminologia e das tentações afins. Em vez disso, preferiu acusar “alguns diretores das faculdades”, sem os nomear, de terem “atitudes pouco democráticas”, sem fundamentar tão gravíssima afirmação.
É deveras lamentável o silêncio do Senhor Reitor no tocante à linguagem do Senhor Presidente do Conselho Geral, tal como é lamentável o conceito da Universidade e do seu governo e o entendimento da democracia que evidencia. Será que, no fundo, advoga o regresso da nomeação do Reitor aos moldes dos tempos da ditadura?
Não há ouro que pague a venda da liberdade, proclamou Horácio (65 a.C. - 8 a.C.). E Ovídio (43 a.C. - 17 ou 18 d.C.) não se quedou atrás: Se formos cobardes e não tivermos coragem para enfrentar as tempestades, acabaremos a rastejar.
Estes lemas valem para os cidadãos em geral e particularmente para os académicos, em todas as circunstâncias, com acentuada e incidente pertinência nos tempos atuais.
Libertas perfundet omnia luce - A liberdade ilumina todas as coisas.Este axioma foi e continua a ser a divisa basilar da Universidade. Logo um académico não pode ceder a quaisquer formas veladas de ameaça, chantagem ou pressão, sejam elas explícitas ou implícitas, materiais ou emocionais, reuniões a sós ou telefonemas, conversas diretas ou intermediadas, falas mansas com fórmulas e frases feitas e sem sentido ou apelos eivados de contradições e absurdidades.
Terceiro:
Volto ao referido texto de José Pacheco Pereira, substituindo os termos ‘país’, ‘Portugal’ e ‘povo’ por Universidade:
“Uma Universidade não é uma empresa. Não é uma sociedade anónima, nem uma SA, nem uma SGPS.
Repitam, se fazem favor: uma Universidade não é uma empresa.
Repitam de novo: uma Universidade não é uma empresa e tentar governar a Universidade como se fosse uma empresa dá asneira.
Mesmo que a empresa seja a mais bem gerida do mundo.
Uma Universidade é uma Universidade. As regras são outras. Os métodos são outros. Os procedimentos são outros. As pessoas certas são outras.
Repitam: as pessoas certas são outras.
As escolhas de pessoas devem obedecer a outros critérios. Porque uma Universidade não é uma empresa, não é uma burocracia, não é uma empresa de marketing, não é uma consultora, não é um think tank, não é um blogue dos ‘nossos’, não é uma secção partidária (…)
O modo como as coisas funcionam numa Universidade é outro.
O modo como as coisas não funcionam é outro (…)
O sucesso tem regras diferentes. O fracasso tem regras diferentes.
Há coisas parecidas por analogia, mas não por homologia.
Repitam, se fazem favor: uma Universidade não é uma empresa.
A Universidade não são os ‘meus colaboradores’. Ou os ‘meus empregados’. Ou o ‘pessoal’. Ou os ‘meus funcionários’. A Universidade não são ‘meus’ coisa nenhuma. Os Senhores é que são deles.”
Desculpem, mas…V. Exas não querem perder tempo a refletir sobre estas ‘coisas’ e a extrair as devidas ilações?!