Resumo

Qualquer cidadão medianamente informado associa a ideia da Universidade a um habitat natural do princípio da liberdade. Isto demonstra que não é expectável que ela não seja um espaço de cultivo e frutificação da liberdade de pensamento e opinião, de ensino e de investigação, tal como foi prescrito pelos renovadores da Universidade Moderna, nomeadamente por Wilhelm von Humboldt, o criador da Universidade de Berlim em 1810. A Universidade, assim se espera dela, deve ser a casa da erudição e da espiritualidade, da inteligência e transparência, da exaltação do espírito e do intelecto acordados, vivos e atuantes, conforme se proclama na inscrição que encima a frontaria da Universidade de Heidelberg. O princípio da liberdade surge umbilicalmente ligado ao da obrigatoriedade de assumir a responsabilidade social, de não permanecer indiferente e neutral face ao destino dos humanos. Ambos os princípios balizam e vinculam o comportamento das autoridades académicas e dos docentes universitários. Estes axiomas intimam a Universidade e os seus membros a sobressair por atitudes marcadas pela exemplaridade cívica, ética, estética e moral, a avaliar o impacto social dos seus atos e produtos, das medidas que tomam, das propostas de formulam, da investigação que realizam, dos conhecimentos e teorias que desenvolvem e divulgam. O mesmo é dizer que a Universidade e os universitários estão atados à obrigação de ter e afirmar posições públicas em defesa do bem comum, do progresso científico, tecnológico, cívico, espiritual, civilizacional, humanista e moral da comunidade. Não fizeram nenhum juramento semelhante ao de Hipócrates, mas isso não consente que os docentes universitários se acomodem no remanso da desatenção e demissão, cruzem os braços e fiquem calados perante os desmandos e agravos que atingem a maioria das pessoas e ofendem a harmonia do conjunto social. Assim devia ser. Mas não está sendo assim. Um pouco por toda a parte, com distintas graduações de gravidade, a Universidade parece desfazer-se da sua matriz original, dos axiomas fundadores da sua idiossincrasia. Ela e os seus professores tornaram-se medrosos, obedientes, subservientes e, nalguns casos, reacionários. Renunciaram a ser agentes do desassossego, preferindo a cobardia da letargia intelectual à coragem das palavras e atos inerentes aos imperativos da consciência e intervenção ética. Simulam ignorar que tanto Judas como Kant existiram; revestem-se de mil disfarces, tentando baldadamente encobrir a simpatia e veneração do primeiro e o incómodo que lhes causa o segundo. É certo que o historial da Universidade regista períodos de traição a causas e ideais, a princípios e valores, de trágico e desonroso conformismo e alinhamento com as forças do retrocesso civilizacional. Contudo hoje é por demais evidente que ela e os seus protagonistas se meteram nos perversos caminhos da cedência e do oportunismo, abdicaram da sua autonomia, deontologia e independência. As consequências são manifestas e desabonadoras do seu estatuto e destruidoras do capital de confiança e reconhecimento social. Alguém viu e ouviu, nos últimos anos, o CRUP a posicionar-se contras as medidas de esfola a que foi submetido o povo português? Quantos Reitores levantaram a voz da indignação contra a política de esbulho e saque da população, seguida pelo governo de Portugal e receitada por estruturas internacionais? Quantos académicos denunciam a cegueira da política que causará, nas próximas décadas, uma diminuição superior a 4 milhões na população portuguesa? Quantos se alistam nas fileiras que querem travar esta queda no abismo? Que linguajar se fala e que terminologia se usa hoje na Universidade? Ainda tem esta linguagem própria? E, se a não tem, terá pensamento próprio? Existirá uma genuína instituição ou entidade, se ela não pensar autonomamente? Não, não existe! Não é verdade que a linguagem corrente na Universidade é um dialeto empobrecido, importado e imposto pelo triunfante figurino mercadológico e que reproduz o discurso único do senso comum vigente? Será boato que ela se amancebou com o financês e o economês? Poderá a Universidade atual sustentar que é um lugar propício para o dissenso e o pensamento divergente? É mentira que a Universidade e os universitários alinham com orientações irracionais e alimentam negócios imorais, tais como são a insanidade dos rankings, a tresloucada papermania e a descredibilização do sistema científico praticada pelas agências de acreditação e financiamento e pelas revistas internacionais ditas de alto impacto? Afinal, os universitários são referenciais de liberdade e responsabilidade, inspiradores e encorajadores das atitudes do cidadão comum? Podem ser apontados como heróis contemporâneos, isto é, como defensores, difusores e multiplicadores de valores? Ou, pelo contrário, dão-se bem com a sua degradação à condição de arteiros, tartufos e embusteiros astutos e manhosos, inscritos numa confraria ou organização ou ordem mais ou menos clara ou oculta, e aderentes a um código de conduta e honra que não passa de uma mistura de falsidade e hipocrisia, de mentira e dolo?

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