Ao reler o artigo publicado (em capítulos…) no “Jornal do Capoeira” abortando o tema “Capoeiragem em São Luís do Maranhão”, vejo-me obrigado a rever alguns pontos ali abordados.
- sobre o Livro-Album dos Mestres de Capoeira – já foram cadastrados mais de 80 (oitenta) Mestres que atuam em São Luis do Maranhão; em reunião com Contramestre Baé – Florisvaldo Costa -, presidente da Federação de Capoeira do Estado do Maranhão – baecapoeira@ibest.com.br – solicitei que desse uma olhada nos cadastrados e identificasse quem efetivamente era graduado como “mestre” ou “contramestre” dentre aqueles que se identificaram como tal; tinha a informação de que, na Federação, apenas 16 (dezesseis) pessoas eram registradas como essas graduações. Junto com Contramestre Baé, outros mestres, contramestres, e formados, e passaram a identificação/reconhecimento. Sem surpresas, a grande maioria não possuía esse titulo. Talvez identificaram-se como mestres porque ensinavam … vamos fazer uma depuração.
- “A existência da capoeira parece remontar aos quilombos brasileiros da época colonial, quando os escravos fugitivos, para se defenderem, fazem do próprio corpo uma arma. Não há indicações seguras de que a capoeira, tal qual a conhecemos hoje no Brasil, tenha se desenvolvido em qualquer outra parte do mundo (REIS, 2005)[2]” – em conversa com Mestre Bamba – Kleber Umbelino Lopes Filho (divulgada na edição 41 – 1º. A 7 de agosto do “Jornal do Capoeira”) – este confirmou a existência de movimentos semelhantes aos da capoeira em remanescentes quilombolas do Maranhão, da região do Rio Itapecuru-Mirim. Essa região é ocupada desde o tempo dos franceses (1612-1615) e depois holandeses (1640-1643) e portugueses – desde o início da colonização, quando da reconquista do território aos franceses, em 1615, e a retomada aos holandeses, em 1643 – e a partir dos meados dos 1700, receberam os primeiros escravos negros e, conseqüentemente, com suas fugas, a formação dos primeiros quilombos, naquela região. Mestre Bamba[3] chegou a filmar esses movimentos, que aparecem dentro do Tambor-de-Crioula, denominado “Pungada dos Homens”, com a identificação dos “golpes” pelos “da terra” e a sua correlação com a capoeira de Bimba. Já Mestre Marco Aurélio[4], do Centro Matroá – em correspondência eletrônica pessoal – afirma que há cerca de oito anos, junto com outros capoeiras, esta pesquisando a punga, e pode afirmar que apesar da correlação de alguns golpes com a capoeira, esta pode até ter similaridade, mas daí afirmar que é capoeira é outra coisa. Informa, ainda que há registro da punga dos homens nos idos de 1820 quando mulher nem participava da brincadeira, sendo como movimentos vigorosos e viris, por isso o antigo ditado a respeito: “quentado a fogo, tocado a murro e dançado a coice”.
- Ainda dentro da assertiva de Reis: “Como não existem pesquisa históricas a respeito da capoeira para os séculos XVI a XVIII, não é possível reconstruirmos o processo que levou ao deslocamento da capoeira do campo à cidade, o que deve ter ocorrido por volta do começo do século XIX, posto que datem desse período as primeiras referências históricas (até agora conhecidas) referentes aos capoeiras urbanos”. (REIS, 2005). Pois bem, em São Luís há uma referência de quando aparecem na cidade: em 1829, conforme registro de certas atividades lúdicas dos negros [5] no jornal “A Estrela do Norte” [6], onde aparece a seguinte reclamação de um morador da cidade: “Há muito tempo a esta parte tenho notado um novo costume no Maranhão; propriamente novo não é, porém em alguma coisa disso; é um certo Batuque que, nas tardes de Domingo, há ali pelas ruas, e é infalível no largo da Sé, defronte do palácio do Sr. Presidente; estes batuques não são novos porque os havia, há muito, nas fábricas de arroz, roça, etc.; porém é novo o uso d’elles no centro da cidade; indaguem isto: um batuque de oitenta a cem pretos, encaxaçados, póde recrear alguém ? um batuque de danças deshonestas pode ser útil a alguém ? “.
- Depois disso, aparece em crônicas policias nos anos de 1835: “A esse respeito em 1855 (sic) um morador das imediações do Apicum da Quinta reclamava pelas colunas do ‘Eco do Norte” [7] contra a folgança dos negros que, dizia, ‘ali fazem certas brincadeiras ao costume de suas nações, concorrendo igualmente para semelhante fim todos pretos que podem escapar ao serviço doméstico de seus senhores, de maneira tal que com este entretenimento faltam ao seu dever…’ (ed. de 6 de junho de 1835, S. Luís.” (VIEIRA FILHO, 1971, p. 36).
- Mais, Josué Montello, em seu romance “Os Degraus do Paraíso” [8], em que trata da vida social e dos costumes de São Luiz do Maranhão, na passagem do século XIX para o século XX, fala-nos de prática da capoeira no ano de 1863, conforme relato de Mestre Eli Pimenta[9].
- O que é confirmado por VIEIRA FILHO (1971) quando relata que no famoso Canto-Pequeno, situado na Rua Afonso Pena, esquina com José Augusto Correia, era local preferido dos negros de canga ou de ganho em dias de semana, com suas rodilhas caprichosamente feitas, falastrões e ruidosos. Afirma esse autor que ali, alguns domingos antes do carnaval, costumavam um magote de pretos se reunirem em atordoada medonha, a ponto de, em 1863, um assinante do “Publicador Maranhense” reclamar a atenção das autoridades para esse fato.
- E ainda, MARTINS (1989)[10] aceita a capoeira como o primeiro “esporte” praticado em Maranhão tendo encontrado referência à sua prática com cunho competitivo por volta de 1877: “JOGO DA CAPOEIRA – “Tem sido visto, por noites sucessivas, um grupo que, no canto escuro da rua das Hortas sair para o largo da cadeia, se entretém em experiências de força, quem melhor dá cabeçada, e de mais fortes músculos, acompanhando sua inocente brincadeira de vozarios e bonitos nomes que o tornam recomendável à ação dos encarregados do cumprimento da disposição legal, que proíbe o incômodo dos moradores e transeuntes”. (MARTINS, 1989, p. 179).
- Por fim, e mais emblemático, em Turiaçú, no ano de 1884, é proclamada uma Lei – de no. 1.341, de 17 de maio [11] – em que constava: “Artigo 42 – é proibido o brinquedo denominado Jogo Capoeira ou Carioca. Multa de 5$000 aos contraventores e se reincidente o dobro e 4 dias de prisão”. (Grifos nossos).
- Finalmente, NASCIMENTO DE MORAES, em uma crônica que retrata os costumes e ambientes de São Luís em fins do século XIX e início do XX, publicada em 1915, utiliza o termo capoeiragem: “A polícia é mal vista por lá, a cabroiera dos outros também não é bem recebida e, assim, quando menos se espera, por causa de uma raparigota qualquer, que se faceira e requebra com indivíduo estranho ali, o rolo fecha, a capoeiragem se desenfreia e quem puder que se salve”. (2000, p. 95, citado por MARTINS, 2005, p. 29)[12].
- Outros autores nascidos no Maranhão abordam a Capoeira – inclusive um é referencia obrigatória para quem a estuda -, descrevendo-a, mas em outras terras – Rio de Janeiro. Artur Azevedo, refere-se a Capoeira, em uma de suas obras, embora o fato não se passe em São Luís do Maranhão. Na opereta “O Barão de Pituaçu”, narra a conversa de um capoeira. (Azevedo, Artur. O Barão de Pituaçu. Opereta em quatro atos, 1887, in CAVALHEIRO, 2005.) [13]. Não há necessidade de transcrever os artigos de Coelho Neto… Veja em nosso “Jornal do CAPOEIRA” a seção Clássicos da Literatura. A crônica O Nosso Jogo,escrita por Coelho Neto, em 1922 e publicada no livro Bazar.
REIS (2005)[14] identifica que a Capoeira passa a ser aceita como uma atividade física, de origem nacional, a partir dos anos 30 e 40 do século passado, em Salvador, com as primeiras “academias” com licença oficial para o ensino da capoeira como uma prática esportiva. O ressurgimento da crônica sobre a capoeiragem maranhense ocorre também por essa época, quando Dilvan de Jesus Fonseca Oliveira[15] informa que seu avô, falecido aos 92 anos, estivador do Porto de São Luís se referia á “capoeira” como “carioca”, luta praticada em sua juventude. E Mestre Diniz lembra que “ali, na rampa Campos Melo, quando eu era garoto, meu pai ia comprar na cidade e eu ficava no barco. Eu via de lá os estivadores jogando capoeira” [16]. Mestre Firmino Diniz – nascido em 1929 – que é considerado o mestre mais antigo de São Luís, teve os primeiros contatos com a capoeira na infância, através de seus tios Zé Baianinho e Mané. Lembra ainda de outro capoeirista da época de sua infância, Caranguejo, apelido vindo de seu trabalho de vendedor dessa iguaria, que costuma tocar berimbau na “venda” de propriedade de sua mãe, localizada no bairro do Tirirical. Viu, algumas vezes, brigas desse capoeirista com policiais. (SOUZA
[1] Publicado no JORNAL DO CAPOEIRA, Sorocaba –SP, no. 42, 08 de agosto de 2005
[2] REIS, Letícia Vidor de Sousa. Capoeira, Corpo e História. In JORNAL DA CAPOEIRA, disponível em www.capoeira.jex.com.br, capturado em 14 de abril de 2005, artigo com base na dissertação de mestrado “Negros e brancos no jogo de capoeira: a reinvenção da tradição” (Reis, 1993).
[3] CONTRAMESTRE BAMBA. Entrevista concedida a Leopoldo Gil Dulcio Vaz, em 29 de julho de 2005, na Escola de Capoeira Angola Mandingueiros do Amanhã.
[4] MESTRE MARCO AURÉLIO. Mensagem enviada em 09 de agosto de 2005, por marcohaikel <marcohaikel@bol.com.br> para leopoldovaz leopoldovaz@elo.com.br, assunto Re:PUNGADA & CAPOEIRA & JIU-JITSU
[5] VAZ, Leopoldo Gil Dulcio; VAZ, Delzuite Dantas Brito. A introdução do esporte (moderno) em Maranhão. In CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA, ESPORTES, LAZER E DANÇA, VIII, Ponta Grossa – Pr, 14 a 17 de novembro de 2002. Coletâneas … Ponta Grossa : UEPG, 2002. Publicado em CD-ROOM.
[6] ESTRELLA DO NORTE DO BRASIL, n. 6, 08 de agosto de 1829, p. 46
[7] ECCHO DO NORTE – jornal fundado em 02 de julho de 1834, e dirigido por João Francisco Lisboa, um dos líderes do Partido Liberal. Impresso na Typographia de Abranches & Lisboa, em oitavo, forma de livro, com 12 páginas cada número. Sobreviveu até 1836.
[8] MONTELO, Josué. OS DEGRAUS DO PARAÍSO. Rio de Janeiro : Martins Fontes, 1965
[9] PIMENTA, Eli. Capoeira em São Luiz do Maranhão. In JORNAL DO CAPOEIRA, acessado em 26 de abril de 2005, disponível em http://www.capoeira.jex.com.br/
[10] MARTINS, Dejard. ESPORTES: UM MERGULHO NO TEMPO. São Luís : (s.n.), 1989.
[11] CÓDIGO DE POSTURAS DE TURIAÇU, Lei 1342, de 17 de maio de 1884. Arquivo Público do Maranhão, vol. 1884-85, p. 124.
[12] In NASCIMENTO DE MORAES. Vencidos e Degenerados. 4 ed.São Luís : Cento Cultural nascimento de Moraes, 2000, citado por MARTINS, Nelson Brito. UMA ANÁLISE DAS CONTRIBUIÇÕES DE MESTRE SAPO PARA A CAPOEIRA EM SÃO LUÍS. São Luís : UFMA, 2005. Monografia de Graduação em Educação Física (Licenciatura), defendida em abril de 2005.
[13] CAVALHEIRO, Carlos Carvalho. Notas para a História da Capoeira em Sorocaba (1850 – 1930). In JORNAL DO CAPOEIRA, edição 32, 30 de maio a 05 de junho de 2005, disponível em http://www.capoeira.jex.com.br
[14] REIS, Letícia Vidor de Sousa. Capoeira, Corpo e História. In JORNAL DA CAPOEIRA, disponível em www.capoeira.jex.com.br, capturado em 14 de abril de 2005, artigo com base na dissertação de mestrado “Negros e brancos no jogo de capoeira: a reinvenção da tradição” (Reis, 1993).
[15] Informação prestada por Dilvan de Jesus Fonseca Oliveira, aluno do Curso de Educação Física da UEMA, participante da pesquisa sobre os Mestres Capoeira no Maranhão, quando de aula sobre a história do esporte no Maranhão naquele curso, ministrada pelo Autor.
[16] Em entrevista concedida a SOUZA, Augusto Cássio Viana de. A capoeira em São Luís.: dinâmica e expansão no século XX dos anos 60 aos dias atuais. São Luís : UFMA, 2002. Monografia de graduação em História, p. 44, citado por MARTINS, Nelson Brito. UMA ANÁLISE DAS CONTRIBUIÇÕES DE MESTRE SAPO PARA A CAPOEIRA EM SÃO LUÍS. São Luís : UFMA, 2005. Monografia de Graduação em Educação Física (Licenciatura), defendida em abril de 2005.