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Acabamos de tomar conhecimento de um estudo[1] realizado na Universidade de São Paulo, no qual conclui-se que a taxa de incidência de COVID-19 no futebol paulista supera as mais altas do mundo. Em tal estudo, aguardando avaliação por pares para ser publicado em periódico da área, os autores apontam que a taxa de contaminados é de, no mínimo, 11,7%, número equivalente ao de profissionais da área da saúde que atuam na linha de frente.

Tão elevada taxa de contaminação causaria surpresa caso o futebol paulista não fosse ele mesmo gerido por uma Federação que luta para manter a competição, mesmo com as mais de 1.000 mortes diárias por Covid só no Estado de SP; a Federação Paulista de Futebol dispõe-se, inclusive, a realizar jogos do CAMPEONATO PAULISTA em outro Estado, fazendo as equipes se arriscarem ainda mais com deslocamentos e hospedagem. Essa mesma entidade doou 10 respiradores para a cidade de Volta Redonda, para que ela aceitasse receber uma partida do Campeonato Paulista[2].

O desprezo pela vida e a super valorização do mercado parece não ser prática somente do Governo Federal. A economia, no âmbito do futebol profissional, não pode parar, argumentam seus dirigentes. Além desse desprezo pela vida, parecem também desprezar a ciência, negando-a, tal qual faz o Governo Federal.

O treinador de um dos maiores clubes do Brasil, dias após sua equipe ter enfrentando um surto de Covid, afirmou ser favorável à continuidade da competição, pois nada viu “cientificamente” que contrariasse essa decisão. Nem precisaria. Bastaria ter olhado para o próprio clube! Bastaria olhar para qualquer veículo de notícia! Agora, se mesmo assim não estivesse satisfeito, poderia consultar um dos inúmeros estudos que retratam a gravidade da pandemia no Brasil e no mundo! O Brasil, atualmente, tem mais mortes diárias por Covid que a soma dos dez seguintes países da lista macabra de vítimas dessa doença.

Claro que os defensores da realização dos campeonatos a qualquer custo podem alegar que, mesmo contaminados, não há vítimas mortais de Covid-19 entre os jogadores profissionais. Há sim, basta uma rápida passada de olhos pelos noticiários. Até janeiro de 2021, dez pessoas ligadas ao futebol, dirigentes ou técnicos, haviam sido vitimados pela doença. Com as novas variantes do vírus atacando mortalmente pessoas mais novas, não se sabe o que poderá ocorrer daqui por diante. Além disso, quantos foram contaminados por jogadores de futebol em seu contato com suas famílias e seu trânsito por diversas cidades?

A combate à prevenção do Covid-19 preconizada pela ciência tem sido uma das bandeiras do atual governo federal e seus seguidores fanáticos. Em caso, talvez, inédito no mundo, dois remédios viraram bandeira de luta negacionista: Ivermectina e Cloroquina. O governo federal pagou influencers para divulgar os benefícios do tal tratamento precoce. Seguidores de Bolsonaro fazem homenagens públicas à Cloroquina. O próprio presidente da República virou uma espécie de garoto propaganda desses medicamentos, comprovadamente, inúteis no tratamento do Covid. Propagar esses remédios e negar medidas de proteção como o uso de máscara, isolamento social e lockdowns virou marca registrada dos seguidores do atual governo. Assim como defender que a economia não pode parar por causa da doença, mesmo que pessoas morram.

Não é segredo que o esporte no Brasil sempre foi uma trincheira do autoritarismo. Parte dos dirigentes e dos atletas sempre esteve aliada ao que há de mais reacionário na política brasileira. O esporte brasileiro, com raras exceções, atirou-se de braços abertos ao governo Bolsonaro, abraçando suas teses. Portanto, tinha que dar o exemplo, mostrando na prática o que seu “mito” preconizava. Sempre reforçando o discurso de que o futebol não pode parar; É assim mesmo, os jogadores vão se contaminar; Mas jogador tem histórico de atleta e não morre; Mesmo que dirigentes, funcionários, técnicos, auxiliares e outros profissionais não tão preparados fisicamente morram; Mesmo que famílias inteiras sejam contaminadas pelos jogadores morram; Mesmo que o vírus tenha livre trânsito de uma localidade para outra na pele dos jogadores. Afinal, o futebol só está repetindo, na prática, as teses do governo que abraçou. E quando este governo findar, o futebol imediatamente escolherá, dentre os candidatos, o que defender as teses mais reacionárias. Porque, para a mentalidade atual de dirigentes, gestores e demais interessados no butim do futebol profissional, nada é mais desinteressante que a vida, quando está em jogo, não a bola, mas o mercado e o lucro.


[2] Acesso em: bit.ly/39Bm9PS