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O silenciamento é uma prática de opressão. É a cegueira da palavra que poderia manifestar abuso, corrupção ou qualquer outro ato ilícito. É a manifestação obscura de um poder que, ainda que temporal, marca a vida daqueles e daquelas que se encontram submetidos a uma estrutura permissiva, reforçadora de práticas opressivas.

Nesses 20 anos de pesquisa com a memória dos atletas olímpicos brasileiros ouvi muitas histórias. Várias delas registradas em vídeo. Sem medo, sem culpa. Com nomes e sobrenomes de pessoas que se aproveitaram do momento e do lugar de poder que ocuparam.

É sabido que o poder inebria e ilude o desatento. Faz crer que a cadeira e a mesa físicas ocupadas em uma sala protegida por paredes, portões e seguranças armados representam uma imunidade eterna garantida por aquilo que se pode barganhar no momento. Triste ilusão. Todo poder é temporário, mas os atos realizados durante o período de posse de um cargo não se apagam com a desocupação da sala ampla e pomposa usada como símbolo de autoridade. Ou seja, cargos são efêmeros. A consequência dos atos de quem os ocupa, não.

Também nas minhas andanças por esse mundo afora ouvi relatos de atletas que não se dispuseram a denunciar algo durante a entrevista gravada. Muitos e muitas esperaram que a câmera fosse desligada para retomar a narrativa sobre a dor do abuso. Moral, físico ou sexual. Que dor! Que marca na alma! Quanto cuidado e reparo seria necessário para que aquilo descolorisse até ficar apenas uma pequena mancha. Mas, não. O surgimento de novas denúncias de abuso faz reviver a cena, tornando presente o abuso guardado.

A sociedade parece caminhar numa direção sem volta naquilo que se refere às injustiças passadas. E no esporte não há de ser diferente. A violência deixou de ser naturalizada.

A demissão das técnicas búlgaras do time nacional suíço de ginástica rítmica por abuso moral aponta nessa direção. Entretanto, o que chama atenção é que a denúncia não partiu de nenhuma atleta do atual time. E isso tem uma razão de ser. Temerosas por perderem uma vaga tão desejada, atletas se submetem a todo tipo de mal-trato para manter sua posição, autorizando assim as atitudes abusivas de toda ordem. Na Suíça, no Brasil ou nos Estados Unidos o roteiro é o mesmo, submetendo atletas aos desmandos de pessoas despreparadas ou mesmo psicopatas.

O documentário “Atleta A” sobre o abuso sofrido pelas atletas da ginástica artística do time estadunidense mostra isso. Foram anos de silêncio e dor. Foram gerações de meninas submetidas ao sofrimento nas mãos de um médico contratado por uma instituição esportiva. Foram inúmeras as denúncias acobertadas por essa mesma instituição. Nada ali é ficção. A questão que fica é quantas foram as carreiras interrompidas pela negativa em se resignar aos desmandos de um sistema de acobertamento? É difícil saber, porque o silenciamento leva a um mutismo patológico, cuja superação exige apoio jurídico e psicológico.

A questão que persiste é o que de fato as entidades esportivas estão fazendo para que isso não volte a ocorrer? Quantas Iliana Dineva e Aneliya Stanchev ainda insultarão atletas dedicadas e competentes? Quantos Larry Nassar terão sua conduta facilitada por instituições omissas e preguiçosas impedindo que meninas chegassem onde Simone Biles está? Quantas Joanna Maranhão serão necessárias para que uma lei seja criada para proteger as vítimas de violência e de abuso?