Resumo

Dentre os incontáveis mistérios da humanidade, a morte invariavelmente estará presente como conteúdo fértil para reflexão e pensamento. Mais complexo ainda é indagar sobre o desejo em tirar a própria vida. O suicídio constitui atualmente uma preocupante questão de Saúde Pública e as Unidades de Internação especializadas se fazem de suma importância para o tratamento dos casos mais agudos. As complexidades do fenômeno em análise associam os fatores de risco a uma multiplicidade de eventos estressores ao longo da trajetória de vida, tais como experiências de violência, consumo de substâncias psicoativas, conflitos familiares, condições de pobreza, influências midiáticas, contextos geográficos e quadros depressivos. Nesse sentido, o suicídio revela-se intrinsecamente ligado a dinâmicas sociais, configurando-se, em muitos casos, como uma expressão trágica das contingências estruturais e relacionais que perpassam a existência humana. O objetivo do presente estudo foi suscitar questionamento sobre a reconfiguração do afeto a partir de uma rotina estruturada de práticas corporais em pessoas hospitalizadas com comportamento suicida. Além dos atravessamentos referentes ao afeto, pretendeu-se obter uma visão da realidade da atividade física em um centro de tratamento em saúde mental, assim como possíveis novas abordagens que possam ter auxiliado no processo de reabilitação psicossocial. Buscou-se uma possível forma de tornar a prática corporal algo mais relevante e próprio da psicoterapia, por meio de coleta qualitativa de dados, obtidas por um diário de campo individual sobre o comportamento da pessoa em questão, durante as práticas diárias. De forma complementar, as sete pessoas que aceitaram participar da pesquisa foram convidadas a realizar um ensaio (por meio de escrita, poesia, desenhos, pinturas, dobraduras ou qualquer forma de expressão corporal que se alinhasse às suas inclinações individuais), podendo assim expressar suas impressões sobre a prática corporal no processo de reabilitação. Consequentemente, foi realizada uma reflexão analítica e filosófica debruçada no arcabouço teórico de Nietzche e Espinoza, com abordagem integral do processo de pesquisa. A análise partiu de uma perspectiva interpretativa, naturalística e questionadora, englobando não apenas a narrativa da pessoa em tratamento, mas também a análise do contexto ambiental circundante e a experiência teórica e prática do pesquisador. O aprofundamento na experiência promovida revelou-se inquietante e esclarecedora. Evidenciou-se o papel central dessas práticas no tratamento em Saúde Mental, mostrando seu potencial para além dos benefícios físicos. O reencontro corpo e alma pode ser capaz de despertar sensações há muito adormecidas no corpo humano? Embora à primeira vista essa relação possa parecer envolta em complexidade e dificuldade interpretativa, revela-se, em última análise, uma ação essencialmente elementar. O corpo, nossa morada primeira e mais visceral, constitui-se como o núcleo primordial do ser, algo que transcende o racional e nos conecta a uma dimensão primitiva, rústica e indomada de nossa humanidade, emergindo então uma experiência profundamente enraizada na essência de nossa condição existencial.