O Alívio da Dor nas Costas
Por Cilene Pereira (Autor), Greice Rodrigues (Autor).
Em IstoÉ, n 1906, 2006. Da página 1906 a -
Integra
Oito em cada dez adultos sofrerão do mal algum dia, conheça as novidades para combatê-lo
É praticamente certo: o mal a ser tratado nas páginas desta reportagem – a dor nas costas – vai afligir você, caro leitor, em algum momento de sua vida. As estatísticas não deixam espaço para dúvida: em maior ou menor grau, oito em cada dez adultos de todo o mundo sofrerão em algum momento com o problema. Leve, moderada, intensa, crônica, não importa. Ela virá e trará impedimentos, do corpo travado ao tentar erguer uma sacola no supermercado à impossibilidade de deixar a cama para sair de casa. Não por acaso ela está, no Brasil e em qualquer lugar, entre as principais causas de afastamento temporário do trabalho. Diante de uma realidade tão impressionante, alguns médicos e pesquisadores costumam fazer uma brincadeira: para ter dor na coluna basta ter uma coluna. Desafiada a aliviar os prejuízos físicos, corporativos e econômicos provocados em escala por essa dor quase sempre avassaladora, a ciência começa a descobrir soluções cada vez mais eficazes para identificar as causas do sofrimento – e são muitas – e acabar com ele.
No Brasil, a boa notícia mais recente é a chegada às farmácias, nesta semana, do Bonviva. O medicamento é indicado para a osteoporose, a fragilização dos ossos apontada como uma das causas mais freqüentes de dor nas costas, principalmente na região dorsal. A enfermidade deixa o esqueleto vulnerável a fraturas muitas vezes minúsculas, mas extremamente dolorosas. Detalhe interessante: é o primeiro e único remédio para a doença com apenas uma dose mensal. Porções com efeitos tão duradouros aumentam a adesão ao tratamento, na verdade um dos maiores desafios dos especialistas no controle da enfermidade. Só para ter uma idéia, segundo uma pesquisa realizada pela Fundação Internacional de Osteoporose, 80% dos pacientes abandonam a terapia antes de um ano. Boa parte reclama de procedimentos exigidos até hoje, como a necessidade de tomar o remédio em jejum e se manter ereto por 30 minutos após a ingestão. Isso todos os dias ou pelo menos uma vez por semana.
Há outras novidades. Recentemente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária aprovou o uso do antiinflamatório Arcoxia no tratamento da espondilite anquilosante, outra razão importante de dor nas costas. Trata-se de uma doença inflamatória crônica em articulações como ombros e joelhos e, principalmente, na coluna vertebral. Se não for tratada a tempo, além da dor, provoca o enrijecimento da espinha, deformidades e até perda de movimentos. A inclusão do Arcoxia na lista de indicações contra o problema amplia as alternativas de combate eficazes e com menos efeitos colaterais. Isso porque o medicamento faz parte de uma classe de remédios capazes de atacar a inflamação sem prejudicar o estômago, um alívio para quem precisa fazer uso de antiinflamatórios com freqüência.
Os pacientes com espondilite também já podem se beneficiar de outro gênero de drogas modernas, chamadas anti TNF-Alfa. No mercado há pouco tempo, elas abriram uma nova estratégia na maneira de combater a inflamação. Esses remédios inibem a ação de uma proteína chamada TNF, produzida em excesso durante o processo inflamatório. “O uso dessas drogas contra a espondilite tem dado bons resultados”, diz Ari Stiel Radu, presidente da Sociedade Paulista de Reumatologia.
Outro caminho no arsenal de novos tratamentos é a utilização do aparelho PST (do inglêsPulsed Signal Therapy). Ele emite ondas eletromagnéticas para diminuir a inflamação e a dor. Sua aplicação é indicada sobretudo nos casos mais graves de artrose na coluna. Essa doença é outra razão importante de dor. Desgasta as articulações, levando a grande desconforto e perda de mobilidade. “A vantagem do PST é impedir a evolução da doença e, conseqüentemente, o aumento do sofrimento causado por ela”, explica o ortopedista João Gilberto Carazzato, chefe do Grupo de Medicina Esportiva do Hospital das Clínicas de São Paulo. Em média, são necessárias 12 sessões de uma hora para a eliminação da dor.
Bons progressos também têm sido feitos no tratamento da hérnia de disco, uma das origens mais comuns de dor nas costas. O conteúdo do disco intervertebral (os anéis amortecedores entre as vértebras) é gelatinoso. O problema surge quando ele vaza para além de seus limites, podendo pressionar uma das ramificações nervosas presentes na espinha. Entre as alternativas mais recentes para tratar o problema está a nucleoplastia. O procedimento é simples. Uma ponteira de radiofreqüência é introduzida no disco por meio de uma agulha. Ela vaporiza o núcleo do disco, reduzindo seu volume interno. “Ao diminuir a pressão, alivia-se a dor”, afirma Wilson Dratcu, um dos coordenadores do Simpósio Internacional de Cirurgia da Coluna Vertebral, a ser realizado em maio, em São Paulo.
Outra estratégia recente contra a hérnia de disco são as cirurgias pouco agressivas. A intervenção é feita via endoscopia. Através de cortes bem pequenos na pele, são inseridos instrumentos para remover a hérnia. O paciente sai do hospital no mesmo dia e volta à ativa depois de uma semana. Bem diferente do método tradicional, com um tempo de recuperação de 60 dias. Por isso mesmo, a técnica, hoje bastante procurada, tornou-se objeto de muitos estudos. Na semana passada, foi divulgado o resultado de um deles. Cientistas da Universidade de Chicago (EUA) acompanharam 87 pacientes submetidos ao método entre 2002 e 2005. Verificou-se que os doentes passaram em média dez horas no hospital e apresentaram menos dor, sangramento e infecção, se comparados aos índices habitualmente registrados naqueles submetidos à cirurgia antiga.
A nucleoplastia e as operações pouco agressivas são saídas interessantes, mas para quem de fato precisa delas. Porém, os especialistas advertem: muitos casos são resolvidos sem necessidade de qualquer intervenção, pois o próprio organismo reabsorve a hérnia. “Esse conceito de que a dor se resolve em todos os casos com uma operação precisa ser reavaliado. A cirurgia deve ser a exceção, não a regra”, diz Newton Barros, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos da Dor. De fato, apenas um em cada dez pacientes com hérnia de disco precisa ser operado. Grande parte dos doentes pode ter a dor controlada com a ajuda de remédios até a reabsorção da hérnia. E há um arsenal de drogas à disposição, de analgésicos e antiinflamatórios a antidepressivos (muitos também atuam sobre a dor) e anticonvulsivos. Estes últimos agem nos nervos, reduzindo a transmissão dos sinais de dor ao cérebro.
Na verdade, de acordo com os médicos, muitos dos problemas se resolvem mesmo sozinhos. No máximo exigem um analgésico e um antiinflamatório. “São dores em geral provocadas por um mau jeito, sobrecarga momentânea, postura equivocada ou posição incorreta de dormir, por exemplo”, explica o especialista em dor Lino Lemonica, da Universidade Estadual de São Paulo. Outra porcentagem importante desses casos é gerada pela falta ou dificuldade de adaptação do homem ao ambiente. Traduzindo: nesses pacientes, a dor é um sinal do corpo de que algo dentro da mente ou da alma não vai bem. “Em geral, muitos desses doentes também manifestam dor de cabeça, insônia”, conta o cirurgião ortopedista Sérgio José Nicoletti, da Universidade Federal de São Paulo.
Entre as principais razões desse desconforto físico provocado pelas emoções estão o stress e a fadiga. Por isso, a mais moderna corrente médica prevê a investigação detalhada das origens da dor para muito além do exibido em um exame de raio X ou de ressonância magnética. “A causa verdadeira, se estiver relacionada a algum descontrole emocional, obviamente não aparecerá no resultado de um desses testes”, destaca o ortopedista Gustavo Velloso, da Universidade de Brasília. Mas essa realidade não deve impedir o uso de recursos úteis como os exames de imagem. O objetivo é fazer um diagnóstico com aparelhos, exames e também uma ampla avaliação emocional do paciente. “Daí a importância de uma boa conversa com o doente durante a consulta”, ressalta o reumatologista José Goldenberg, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Se a dor for um pedido de socorro emocional, o remédio é apelar para os medicamentos para atenuar os sintomas. Nesses casos, no entanto, o foco deve ser o auxílio para que o paciente encontre uma forma melhor de lidar com os problemas profissionais e familiares. Inclui-se não só o ensino de técnicas de relaxamento e o estímulo a atividades de lazer como também algumas sessões de psicoterapia, caso sejam necessárias. A estratégia funciona, como provam alguns trabalhos, entre eles um realizado na Universidade de Manchester, na Inglaterra. Conclusão do estudo: os pacientes amparados com ajuda psicológica têm mais chances de se livrar da dor crônica. E pode ser ainda preciso indicar um tratamento para depressão. Afinal, de acordo com uma pesquisa realizada na Universidade de Alberta, no Canadá, a doença está entre as causas da dor nas costas. Os pesquisadores contaram com a participação de 800 adultos sem dor nas costas. Entre eles, os afetados pela depressão tinham quatro vezes mais chance de vir a sofrer com a coluna se comparados aos não deprimidos.
Os cientistas querem descobrir por que a doença pode levar à outra. Por uma das hipóteses, a depressão levaria a um tal estado de prostração que episódios de dor suportados pelos indivíduos sem a enfermidade podem se tornar um martírio para os deprimidos. Outra explicação: a depressão tem entre suas causas um desequilíbrio na quantidade de serotonina, substância cerebral envolvida também no mecanismo da dor. Assim, o mesmo desnível estaria relacionado aos dois problemas. No entanto, sabe-se que a dor crônica – em qualquer parte do corpo – pode desencadear a depressão. Por isso, os cientistas canadenses alertam os médicos para prestar muita atenção à existência de uma ou de outra doença. Afinal, se não forem tratadas, as duas podem levar à consolidação de um ciclo de sofrimento físico e mental interminável.
E poucas situações são tão difíceis quanto viver com dor. Não só porque a condição acaba com a qualidade da vida, mas também pelo prejuízo das funções cerebrais que ela pode causar. Pelo menos essa é a conclusão de um trabalho da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos. A pesquisa avaliou o impacto da dor nas costas contínua por mais de seis meses no cérebro de 26 pacientes. A situação, descobriram os cientistas, leva a uma atrofia de neurônios presentes na região associada ao raciocínio. Agora eles investigam as razões para tal fenômeno.
Com a constante renovação do arsenal médico, porém, a meta é diminuir cada vez mais o número de pessoas sofrendo com o problema por longo tempo. Além disso, o futuro promete outras novas e boas ferramentas. Uma delas podem ser as células-tronco, as estruturas curingas capazes de formar diversos tecidos do corpo. Uma pesquisa da Hebrew University, de Jerusalém, em Israel, indicou que essas células podem vir a ser úteis. “Elas poderiam ser usadas para reconstruir tendões e ligamentos”, explicou a ISTOÉ Gadi Pelled, um dos participantes do trabalho. Como muitas das dores são causadas pela degeneração nos ligamentos da coluna, a pesquisa israelense traz mais uma esperança de alívio. Como a dor nas costas é um dos maiores problemas de saúde pública do mundo, esse bombardeio da ciência em várias frentes é plenamente justificado.
Células-tronco poderão ser usadas para ajudar a
reconstruir os ligamentos da coluna
30% dos adolescentes também sofrem de dor nas costas
60 dias por ano. Essa é a estimativa das faltas no trabalho
por paciente no Brasil por causa de males na coluna