Resumo

21-11-2012

Integra

A divisão geopolítica na Austrália é um pouco diferente daquela que conhecemos no Brasil. Não há o conceito de município, com seu prefeito, suas  instituições, vereadores e etc, tal como na pátria mãe. Na verdade, cada Estado se organiza de um modo, em geral através de ‘Governos Locais’ – os quais em geral recebem denominações tais como ‘city’ (para áreas mais urbanizadas) ou ‘shire’ para áreas mais afastadas ou rurais. Algumas áreas (ou regiões, dá no mesmo) também se denominam de ‘Council’ (tipo Auburn Council).

Eu moro no Estado de New South Wales (NSW), cuja capital é a City of Sydney – que tem o seu Council, uma espécie de ‘prefeitura’ para assuntos locais, vida comunitária, obras, residências, limpeza urbana, lazer e recreação, etc. Há atualmente 152 governos locais em NSW. Estes governos são escolhidos através do voto dos moradores locais, que periodicamente elegem os conselheiros – dentre os quais um ‘mayor’, uma espécie de prefeito. Aviso, estes conselheiros locais são voluntários! Não recebem pagamento pelo seu trabalho comunitário, e muitas vezes não são filiados a partidos políticos, são apenas cidadãos querendo trabalhar pela sua comunidade – recebem uma espécie de ajuda de custo pelo seu trabalho.

Bom, esta introdução é apenas uma primeira visão simplista e aproximada da coisa, há maiores detalhes mas isso já dá uma noção geral desta divisão geopolítica australiana. Eu, de fato, queria mesmo é contar sobre o lugar onde vivo, um lugar chamado Sutherland Shire -e de seu jornal, o The Leader.

O Sutherland Shire fica há cerca de 26 quilômetros ao sul da City of Sydney. É conhecido como ‘o berço da Austrália moderna’, uma vez que foi o primeiro lugar que o capitão James Cook (o Cabral deles aqui) desembarcou em 1770 (a Austrália é ‘novinha’ mesmo…não fez 300 anos ainda…). Cerca de 220 mil pessoas moram nesta área. É uma região extremamente bonita, com  uma natureza exuberante. Para se chegar aqui, um dos caminhos quase ‘obrigatórios’ é sobre o belíssmo Georges River (my river!).

O Georges River corta a região, e eu tenho o privilégio de passar sobre ele quase diariamente, rumo ao meu trabalho. Muita gente passeia nas suas margens e brinca em suas pequenas praias; o pessoal também rema, pesca, toma banho nas suas águas geladinhas. Raramente encontra-se um tubarão ou um jacaré, de modo que é bem seguro. Há também outro rio, o Woronora river (eu moro entre os dois) onde também dá para se passear de caiaque e fazer boas pescarias. Há uma ciclovia que foi construída anexa a ponte sobre este rio, um dos passeios mais emocionantes que existem em Sutherland, na minha opinião.

Em Sutherland Shire há também um parque nacional belíssimo, onde dá para fazer diversas trilhas a pé ou de bike. Há boas praias mais ‘selvagens’ mas com águas calmas, como Bundeena (no meio do parque nacional) e outras mais ‘agitadas’, points de surfistas e ‘civilizadas’, como Cronulla, há 20 minutos de casa, onde vamos bastante. O Sutherland Shire é bem grande, possui diversos bairros, tais como Menai, Alfords Point, Cronulla, Gymea, entre dezenas de outros. O bairro central, onde fica o prédio do Council (governo local), a corte local, a principal estação de trem, entre outras coisas, chama-se ‘Sutherland’. Em ‘Sutherland’ há também um teatro para cerca de 500 pessoas onde se apresentam as produções artísticas locais,  – meus filhos já se apresentaram lá várias vezes, nos festivais escolares de música e dança.

Os serviços públicos oferecidos pelo Sutherland Shire Council são de boa qualidade; o ponto alto, o grande destaque fica para as bibliotecas, que são uma maravilha! Há oito bibliotecas (públicas) espalhadas por Sutherland Shire. O acervo é fantástico, e o atendimento de primeiríssima linha. A pessoa de qualquer idade simplesmente apresenta um documento e faz uma ‘carteirinha’ com a qual pode retirar 30 livros por vez – somos em 7 aqui em casa, de modo que podemos pegar mais de 200 livros cada vez…ficando com eles 3 semanas, e podendo renovar online se não estiver na fila para ninguém…Quando quero um livro que não está na minha biblioteca local (moro há cinco minutos de uma delas), solicito online e se está em outra biblioteca da região, em 48 horas é encaminhado para a biblioteca do meu bairro…e me mandam um SMS avisando…Eles também levam livros em casa para cidadãos com dificuldade de locomoção… As bibliotecas oferecem ebooks, música digital, DVDs (acabei de retirar a continuação de 11 homens e um segredo) etc… As bibliotecas possuem uma programação cultural ativa, para todas as idades: contação de histórias para pequeninos, concursos culturais  e workshops de escrita ou artes plásticas para a garotada, sessões de cinema e bate-papos para adolescentes, aulas de preparação para o HSC (uma espécie de ENEM australiano), palestras com autores locais e nacionais, até aulas de tricô! Como disse, tudo é um serviço público oferecido pelo Council…e gratuito..eventualmente morre-se com dez dólares por uma workshop destas. Mas servem pipoca!

A região do Sutherland Shire é muito bem servida em termos de equipamentos para práticas esportivas outdoor. São dezenas, talvez mais que uma centena, de áreas geralmente gramadas (eles chamam de ‘oval’, na verdade uns campões de grama) para práticas esportivas de todos os tipos…futebol, netball, cricket, rugby, etc. Geralmente existe um acordo com um clube local que toma conta (cuida da grama,etc) daquela área, pagando para o Council algumas taxas. Mas estas áreas realmente são abundantes, estão espalhadas por toda a região, os clubes tomam conta mas são públicas, de modo que quando não há jogos ou treinos oficiais, qualquer um pode brincar lá. Existe uma área que é particularmente privilegiada, pois conta com vários ‘oval’, além de 12 quadras cimentadas de netball e uma boa pista de atletismo, onde costumamos ir brincar e jogar, chamada The Ridge Fields. Ela conta também com um campo oficial de golfe – um esporte muito popular aqui!

A oferta de espaços indoor para a prática esportiva não é lá estas coisas aqui em Sutherland, não há muitos locais para jogos indoor – várias rodadas dos torneios de netball entre outros não são realizadas por conta de chuvas e falta de locais para se jogar indoor. Também deixa a desejar o número de piscinas públicas cobertas e aquecidas. O transporte público também é razoável, acho as linhas de ônibus – que foram terceirizadas – meio caras e pouco abrangentes. Há algumas estações de trem que levam para o centro, e que são razoáveis.

Há boas escolas públicas em Sutherland Shire, tanto no nível primário (primary school, de 5 a 12 anos) quanto secundário (13-19 anos). Todas as Primary são comunitárias, isto é, abertas a qualquer um; entre as Secondary, há  boas escolas comunitárias e ótimas escolas seletivas – aquelas que selecionam os alunos, é necessário ter boas notas e fazer testes para entras nestas escolas públicas de excelência.

O Sutherland Shire é uma boa área para se pedalar, apesar de nem tudo ser ciclovia…mas o visual é fantástico, dá para ir para os dois rios pedalando…o ar é cheiroso e gostoso, sobretudo na primavera…e se você sai cedinho, ou ao final da tarde, pode ser bem acompanhado por uns passarinhos chamados rainbow lorikeets, que são lindos e adoram acompanhar ciclistas… Por outro lado,tem que se tomar cuidado com outro pássaro bem perigoso, que ataca os ciclistas que passam perto dos seus ninhos, as magpies…são pássaros extremamente violentos e fazem um estrago enorme…por isso que sempre ando de capacete.

O Sutherland Shire também conta com seu jornal próprio, o The Leader, o qual é distribuído graciosamente todas as terças e quintas-feiras para os moradores da região. Passa um carro atirando o jornal na porta da nossa casa, quando está chovendo ele vem embrulhadinho num plástico…Jornal sustentado pelos seus anunciantes (que vão de professores de música a lojas locais, passando por mecânicos, encanadores, trabalhadores do sexo, acupunturistas, academias de ginástica, escolas particulares, etc, oferecendo seus serviços), The Leader cobre em geral os assuntos locais – ou aspectos da vida do Estado ou do país que influenciam a região. Há uma pequena coluna social com casamentos e eventos importantes; há notícias sobre obras de impacto sobre a região, tal como uma nova ponte, uma nova via expressa, a destruição de um prédio histórico; cobre-se as escolas locais, as bandas e os artistas locais; há um bom espaço para as proezas esportivas dos habitantes do Shire, desde as competições de ‘base’, passando pelos atletas do Shire que tiveram grandes feitos, foram as Olimpíadas ou jogam na NBA ,por exemplo – com destaque para os Cronulla Sharks, o time de rugby da região, que disputa a primeira divisão da NRL (New Rugby League).

O The Leader tem assuntos peculiares. Tem uma sessão de cartas de leitores muito interessante. Há algumas semanas, o jornal cobriu intensamente um caloroso debate entre moradores da região, o Council e o enorme shopping center local, o Westfield Miranda. O jornal trazia a informação que, após uma árdua e longa batalha judicial entre o Council e o shopping, este último ganhou na justiça o direito de cobrar estacionamento de quem parar em suas vagas cobertas…em 2015…após 3 horas gratuitas que seriam suficientes para se fazer compras e supermercado… Os moradores se dividiram: alguns apoiando o Council, e dizendo que as ruas da região vão ficar abarrotadas de carros estacionados por conta disso -e que o Council vai ter que disponibilizar mais vagas gratuitas; outros xingando os já bilionários donos da rede Westfield…enfim, um debate quente.

Algumas histórias que ocuparam recentemente as páginas  do The Leader me chamaram particularmente a atenção:

As 22 vagas: o departamento de transporte público estadual conseguiu na justiça o direito de reformar e ampliar o terminal de ônibus que fica junto à estação de trem de Sutherland, o bairro central. Com isso, 22 vagas de estacionamento gratuito (aqui, algumas vagas na rua são gratuitas mas com horário limitado, só se pode permanecer duas ou quatro horas, mas perto das estaçoes de trem do suburbio ha estacionamentos nos quais se pode parar o dia todo sem taxa alguma - estas 22 vagas são deste tipo) para usuários da linha de trem irão ser temporariamente interditadas. Isso causou um alvoroço danado, o Council e a associação de lojistas locais brigaram feito loucos contra esta interdição – mas perderam. Vinte e duas vagas a menos por oito meses! Vergonha nacional…

A árvore destruída: na semana passada, a capa de ambas edições do The Leader trazia como matéria principal a foto e a história de uma árvore local. Uma árvore grande, frondosa, bonita, e muito querida por todos os habitantes do Shire…que havia sido vítima de violência e quase destruída pela ação de vândalos… Se na edição da terça feira o clima era de desolação pelo fato da árvore estar muito mal, na quinta alguns especialistas, moradores locais, já estavam trabalhando na sua recuperação -e a polícia já tinha pistas quentes para prender os marginais.

O cachecol perdido: como já comentei, a sessão de cartas do The Leader é muito popular, o cidadão de Sutherland Shire participa mesmo. Uma carta na mesma edição que trazia as peripécias da árvore realmente me encantou: uma senhora escrevia uma longa missiva agradecendo para a ‘alma gentil e caridosa’ que havia devolvido na loja dos correios local o cachecol que ela havia esquecido no banco da praça…aquele cachecol tinha um valor inestimável para ela, era o primeiro trabalho manual  que a filha dela tinha feito, ela estava extremamente agradecida por aquela alma bondosa, a quem desejava tudo de bom no mundo, e a quem gostaria imensamente de agradecer pessoalmente, ou ao menos saber o nome…

Estas são as histórias de Sutherland Shire. Há muitas e muitas outras… As ruas aqui são bem seguras, mas todo mundo vai dormir cedo. Nove horas já é balada…tudo fechado…Se você busca agito e madrugada…não venha morar em Sutherland, um local para quem ama livros, passarinhos, esportes outdoor – e para quem devolve cachecóis anonimamente…

Por Jorge Knijnik
em 21-11-2012, às 15:54

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Comentários

Adorei o texto, e uma realidade diferente não qual nos brasileiro vivemos, isso com 512 anos de historia não conseguimos chegar aos pés do povo australiano que lutou bravamente pela sua independencia,A cada paragrafo sonhei que estava na Australia, uma realidade educacional, politica e social diferente, aqui o pessoal não se preocupa com verde cada dia mais predio são construidos e mais áreas verde são devastadas, com educação e com que acontecer, ja do outro lado do mundo essa ilha grandiosa tem um preocupação na formação dos seu cidadões quero viver em um lugar assim um dia, abraço adorei conhecer a Australia do ponto de vista de um brasileiro então importante com senhor Profº Jorge.

Por cleber
em 21-11-2012, às 16:16.

Grande Cleber, um dos mais promissores tecnicos de voleibol da novissima geracao! Cada lugar tem suas coisas boas, aqui esta longe de ser um paraiso, tem grandes coisas, isso da natureza e’ realmente uma delas…mas o Brasil tem muitas coisas boas, a comecar pelo profissionalismo e criatividade da Educacao Fisica e da Educacao Esportiva Brasileira…Um forte abraco!

Por Jorge Knijnik
em 21-11-2012, às 16:21.

Grande Cleber, um dos mais promissores tecnicos de voleibol da novissima geracao! Cada lugar tem suas coisas boas, aqui esta longe de ser um paraiso, tem grandes coisas, isso da natureza e’ realmente uma delas…mas o Brasil tem muitas coisas boas, a comecar pelo profissionalismo e criatividade da Educacao Fisica e da Educacao Esportiva Brasileira…Um forte abraco!

Por Jorge Knijnik
em 21-11-2012, às 16:22.

Querido sobrinho Jorge,
Você leva muito jeito para cronista; qualquer jornal brasileiro certamente gostaria de receber sistematicamente as suas notícias “do reino”, tão bem escritas.
Continue nos contando as maravilhas australianas. Dá para ficar com água na boca, e a vontade de “quero mais”.
Um abração!
Julio

Por Julio E. Bahr
em 21-11-2012, às 21:35.

Jorginho:

Adorei. Continua a contar-nos coisas de Sutherland Shire e notícias do The Leader.

Um abraço

Paula

Por Paula BG
em 21-11-2012, às 22:32.

Paulinha querida,

Continuo contando, mas com uma ‘condicao’ – que, voce ou nos conte as maravilhas da ‘Terrinha’, ou que venha conhecer as coisas de Sutherland ao vivo – ja tens guia local!

Forte abraco

JK

Por Jorge Knijnik
em 22-11-2012, às 1:21.

Querido ‘Tio’ Julio

Ok, vou relevar que voce e’ meu ‘tio’ e aceitar o elogio…quer ser meu agente literario? Vamos longe, juntos!

Obrigado pelo prestigio, grande e forte abracao!

JK

Por Jorge Knijnik
em 22-11-2012, às 1:22.

Grande Doutor JK!
Adorei. É o segundo texto que leio e recomendo aos meus colegas. Muito bom saber que está feliz e tranquilo por aí. Espero que um dia consigamos visitá-lo.
Um grande abraço

Por Felipe Zaballa
em 22-11-2012, às 6:16.

Zaballa, meu pintor predileto! Obrigado pela audiencia, e sao mais que bem vindos nas terras Australis! Abracao forte e saudoso!

Por Jorge Knijnik
em 22-11-2012, às 7:25.

Knijnik,
Mais do que as belezas mostradas pelo seu texto, sinto que está feliz e motivado. E no fundo, é isso o que importa nessa curta passagem por esse planeta.
O ano passado fui à cerimônia comemorativa de 1300 anos da cidade de Nara que fica muito próxima da cidade que vivo em Kyoto. A Austrália é uma criança.

Por Edison Yamazaki
em 27-11-2012, às 8:45.

Edson Y, obrigado pelo comentario inspirador e positivo de se ler. Concordo contigo, a Australia é bem novinha…mas sera que não somos todos meio ‘crianças’? Eu pelo menos me sinto assim, embasbacado em face de tanta coisa nova por aqui…a cada dia acordando e tentando entender ‘what’s going on’… aprender, absorver…mas vivendo intensamente tambem,companheiro – e muito bom sentir sua energia dialogando aqui comigo. Abraço forte!

Por Jorge Knijnik
em 27-11-2012, às 13:05.