Resumo

O ano de 1968 também foi marcado por agitações e revoltas nas arquibancadas do Maracanã. Em um período de crise no desempenho de suas equipes; grupos juvenis de aficionados torcedores lançam-se ao enfrentamento contra dirigentes de grandes clubes cariocas; por meio de protestos; manifestações e até passeatas fora do Estádio Mário Filho. Sob inspiração do slogan internacional Poder Jovem; estes recém-formados agrupamentos adotam de igual modo uma postura crítica face ao tradicional modelo de torcida; as Charangas; oriundas da década de 1940. Ao longo do decênio de 1970; as Torcidas Jovens consolidam-se no cenário esportivo e ensejam o surgimento de uma profusão de pequenas e médias agremiações; que revestem o ato de torcer de significados associativos e culturais; recreativos e sociais até então inexistentes. A culminância deste processo ocorreria no início da década seguinte; quando lideranças de tais grêmios tentam se agrupar em torno de interesses comuns e; entre 1981 e 1984; deflagram uma série de sucessivas greves; piquetes e boicotes pela redução do preço dos ingressos; entre outras reivindicações. Tal postura resultaria na criação da ASTORJ; a Associação das Torcidas Organizadas do Rio de Janeiro; uma entidade com duplo objetivo: por um lado; a legitimação de uma força corporativa com influência na estrutura de poder dos esportes; por outro; a formalização do entrosamento entre os chefes de torcidas rivais; expressa no lema “Congregar; Congraçar; Unir”. No decurso da década de 80; o projeto da ASTORJ não prosperaria; com a perda da representatividade e com a incapacidade de conter as crescentes rixas e animosidades entre os componentes das facções torcedoras. Ao enfeixar esses acontecimentos; extraídos da leitura serial de narrativas jornalísticas obtidas em periódicos esportivos e de relatos orais colhidos em entrevistas; o presente trabalho procura mostrar de que maneira um tipo específico de associação; pautado na idolatria clubística; ganhou vulto em escala nacional e internacional nas décadas de 1960; 1970 e 1980; e assumiu particularidades histórico-culturais no futebol profissional do Rio de Janeiro. Busca-se evidenciar como esse fenômeno da segunda metade do século XX atendeu a novas demandas de participação e de diferenciação por parte de contingentes urbanos em um domínio cada vez mais competitivo; massificado e mercantilizado. A música; de um lado; e a violência; de outro; foram os meios expressivos mais notáveis a que esses movimentos recorreram para tomar parte e para adquirir visibilidade no universo do espetáculo esportivo contemporâneo. Ao analisar a ação; a formação e a transformação de um campo específico de subgrupos torcedores; reconstituindo uma experiência histórica particular; a tese que ora se apresenta tem o intuito de demonstrar em que medida as torcidas organizadas constroem sua identidade através de uma relação direta com os meios de comunicação de massa e orientam seus métodos de atuação através de uma bricolagem e de uma leitura muito própria dos valores presentes no jogo; no esporte e no meio social circundante.

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