Resumo

Propomos investigar o corpo em movimento na capoeira, atentos às práticas de constituição/invenção do capoeirista. Acompanhamos grupos de capoeira Angola e Regional nas cidades de São Paulo, Piracicaba, Botucatu e Jaú. O princípio da cartografia (DELEUZE; GUATTARI, 1995a) mobilizou a investigação, permitindo lançar a proposição de partida de um modo implicado, em que pesquisador e sujeitos, intenções e devires se envolveram junto à capoeira. A partir deste envolvimento, os relatórios foram sendo forjados (diários e entrevistas gravadas), dando testemunho e visibilidade aos movimentos feitos entre pesquisador e sujeitos. A escritura da pesquisa mergulhou nas relações e nas singularidades descobertas nos relatórios produzidos, fazendo emergir ideias e multiplicidades. Observamos que não se alcança a capoeira como prática da existência se o capoeirista não dedica seus esforços e suas potencialidades na experiência de movimento com a capoeira, o que reclama por uma disposição e cultivo desta prática. O cultivo cresce com o auscultar de uma vontade de aprender, que chama a atenção do sujeito para ocupar-se consigo junto à prática que o instiga. Deste referencial irredutível o corpo que se ocupa consigo o sujeito se lança à relação com o mestre e com o grupo, e assim, coletivamente, a capoeira surge como movimento e, enquanto tal, coloca o capoeirista face aos desafios que atravessam os relacionamentos, alertando-o sobre a necessidade de se virar. Nas fases iniciais de aprendizagem, o aprendiz tem dificuldades para lidar com esta necessidade. A preparação física e técnica tentam controlá-la, mas os relacionamentos exigem certa disposição ao imprevisível, a qual só o corpo receptivo suporta. A ginga desperta a atuação do corpo receptivo; o ritmo e a música intensificam-na, expondo o movimento frente ao porvir dos relacionamentos. A vadiação e a aprendizagem da malícia e da dissimulação se alimentam desta exposição; a roda as introduz dentro de um ritual. Ao se ocupar com o corpo receptivo, o capoeirista lapida seus modos de ser, inventando a graça de seu viver junto à prática que escolheu tomar para si. O corpo receptivo é o agente furtivo desta invenção, pois movimenta as potências que correm sob as habilidades treinadas e automatizadas, deslocando-as indefinidamente.

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