Integra

  A temática central deste evento não poderia ter sido mais feliz, principalmente considerando que ele destina-se a discutir a Educação Física escolar.
Embora no meio acadêmico os debates sobre a relação teoria/prática datem de longa data, não podemos considerar que o tema esteja esgotado uma vez que um dos maiores obstáculos do docente em seu cotidiano ainda tem sido a dicotomia entre a teoria e a prática.

Tendo em vista que minhas preocupações pragmáticas se fazem muito presentes neste instante, não irei me ater, embora o tema seja suscetível para tal, a reflexões teóricas aprofundadas sobre a problemática em voga. Desta feita, irei centrar minhas atenções no que chamo de cotidiano imediato dos alunos.
  Este cotidiano vem se mostrando, via de regra, controverso no que concerne ao alcance efetivo da dialética teoria/prática, tão imprescindível para um aprendizado qualitativo.
É fato não raro observarmos em nossa aulas os alunos questionarem se a aula é teoria ou prática, o que nos mostra um primeiro sintoma da dicotomia em questão por parte dos nossos alunos.
A minha observação cotidiana indica que estes alunos em diferentes momentos nos retratam, dentre vários outros aspectos que poderiam ser evocados, comportamentos tais como: apatia na participação nas aulas; não relevam os conteúdos propostos, pois os mesmos se mostram distantes de sua realidade; acriticidade frente a questões problemas; insuficiente absorção cognitiva frente aos conteúdos ensinados etc.
  Em nossa concepção de análise isto se dá a partir da adoção de um referencial teórico por parte dos professores que não prima pela relação teoria/prática.
Dicotomizando esta relação, tem tido primazia em nossas escolas o paradigma da aptidão física. Este paradigma baseia-se fundamentalmente

"... nos fundamentos sociológicos, filosóficos, antropológicos, psicológicos e, enfaticamente, nos biológicos, para educar o homem forte, ágil, apto, empreendedor, que disputa uma situação social privilegiada na sociedade competitiva de livre concorrência: a capitalista. Procura, através da educação, adaptar o homem à sociedade, alienando-a da sua condição de sujeito histórico, capaz de interferir na transformação da mesma. Recorre à filosofia liberal para a formação do caráter do indivíduo, valorizando a obediência, o respeito às normas e à hierarquia. Apóia-se na pedagogia tradicional influenciada pela tendência biologicista para adestrá-lo. Essas concepções e fundamentos informam um dado tratamento do conhecimento" (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p.36).

  Observa-se então, que nesta linha de pensamento o conhecimento a ser levado ao aluno diz respeito ao exercício de atividades corporais que lhe permitam atingir o máximo de rendimento de sua capacidade física. Desta feita, os conteúdos são selecionados de acordo com a linha de conhecimento que a escola elege para apresentar ao aluno (ibid.).
Partindo destes pressupostos podemos até mesmo inferir que a linha de conhecimento em que se pauta a aptidão física nega a perspectiva de conhecimento num prisma dialético.

Nesse sentido, veremos que a aula de Educação Física acaba por se transformar num espaço de busca exclusiva de excelências motoras e/ou de proporcionar unicamente um momento de prática desportiva. Somado a crise de identidade da Educação Física escolar (BRACHT, 1992), tais fatores levam os alunos a terem dificuldades de entenderem a mesma como disciplina curricular, chegando a verbalizar, inclusive, que nossas aulas se caracterizam como um espaço para eles jogarem, sem no entanto terem clareza efetiva dos conteúdos nela apreendidos (NASCIMENTO; NOZAKI, 1996).
Além do mais, fica notório que a busca prioritária do talento esportivo e do aprimoramento da aptidão física, máscara o caráter classista do processo educacional empreendido.
  Assim este reducionismo das diretrizes pedagógicas da Educação física atua em prol do acirramento das desigualdades sociais, contribuindo por conseguinte, para a hegemonia do sistema.

Se a tão almejada relação teoria/prática não se manifesta de forma satisfatória na aptidão física, que referencial devemos lançar mão a fim de sanar ou ao menos minimizar esta problemática, gerando por conseguinte um aprendizado mais voltado aos interesses das classes sociais atendidas no ensino público?

  Dentro deste contexto, o paradigma da cultura corporal parece atender as nossas pretensões pedagógicas. O referido paradigma almeja promover uma reflexão pedagógica referente as produções advindas das realidades vividas pelo homem no curso da história, caracterizando-se através da cultura corporal: jogos, danças, lutas, exercícios ginásticos, esporte, malabarismo, contorcionismo, mímica e outros (op.cit, 1992.).
  A partir deste referencial, observa-se que as aulas de Educação Física deverão estar irremediavelmente contextuais as suas realidades. Os conteúdos a serem discutidos com os alunos são fruto da construção social do homem ao longo da história.
Para que esta perspectiva da Educação Física atenda aos anseios do educando é fundamental,

"... o desenvolvimento da noção de historicidade da cultura corporal. É preciso que o aluno entenda que o homem não nasceu pulando, saltando, arremessando, balançando, jogando etc. Todas essas atividades corporais foram construídas em determinadas épocas históricas, como respostas a determinados estímulos, desafios ou necessidades humanas" (ibid., p.39).

  Veremos então, que o conhecimento embora abordado com contemporaneidade, parte de sua origem. Esta visão de historicidade que o aluno passa a ter o possibilita compreender-se enquanto sujeito histórico, capaz de interferir nos rumos de sua vida privada e da atividade social sistematizada (id, p.40)
Uma vez que o aluno adquira esta noção de historicidade, terá conquistado um pré-requisito básico para elaborar suas próprias atividades corporais, pois conseguirá
perspectivar que num plano futuro elas poderão emergir dentro da sociedade.
A própria característica lúdica que o processo ensino aprendizagem da Educação Física possui, facilita o desenvolvimento da criatividade dos alunos.
  Cabe ao professor estimular frequentemente o potencial criativo dos alunos, uma vez que através deste processo
poderão surgir contribuições para o entendimento da inserção dos mesmos na sociedade.
Logo, o paradigma da cultura corporal,

"... contribui para o desenvolvimento da identidade de classe dos alunos, quando situa esses valores na prática social capitalista da qual são sujeitos históricos. Essa identidade é condição objetiva para construção de sua consciência de classe e para o seu engajamento deliberado na luta organizada pela transformação estrutural da sociedade e pela conquista da hegemonia popular" (id., p.40).

  É preciso destacarmos que dentro desta linha de raciocínio, o conhecimento será enfocado através da lógica dialética, a qual aguça as contradições do sistema. Nesta ótica, o conhecimento jamais será estático, buscando-se continuamente a sua superação, afim de não permitir a sua descontextualização.

Neste prisma de abordagem, encontramos estudos que trazem em suas conclusões evidências que a adoção do paradigma da cultura corporal leva os alunos a redimensionarem seus conceitos a cerca da Educação Física, onde a relação dialética teoria/prática é a base para uma aprendizagem significativa desta disciplina.
Me reporto, dentre outros, aos estudos de Marcos Avellar do Nascimento e Victor Andrade de Melo (1993,1994,1995) que objetivaram apresentar uma proposta de Olimpíadas desenvolvida em uma escola de primeiro grau referenciada teoricamente pelo paradigma da cultura corporal e os de Hajime Takeuchi Nozaki e Nascimento (1996), cujo propósito consistia em desvelar os resultados obtidos em um programa de ensino para alunos do segundo grau da rede pública do Rio de Janeiro sob a égide do paradigma em questão.
Concluindo, gostaria de deixar registrado que o entendimento das relações entre a teoria e a prática não podem passar somente pelo plano específico de nossa disciplina. É preciso estarmos atentos aos condicionantes externos a mesma, que influem diretamente em seu cotidiano.
  Faço menção ao projeto neoliberal presente na Educação; se não conseguirmos estabelecer elos deste projeto com nossa práxis, nem mesmo conseguiremos resistir a um processo que visa, dentre várias outras medidas apocalípticas, transformar o público em privado, substituir o professor pela televisão.

 P.S: Gostaria de agradecer a minha esposa Mônica P. Braga do Nascimento e ao companheiro Victor Andrade de Melo todo o incentivo para a realização desta palestra; pessoas estas que faço a singela homenagem de dedicar este ensaio.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

BRACHT, Valter. Educação Física e Aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.

COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino em Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

RESENDE, Helder Guerra de. Reflexões sobre algumas contradições da Educação Física no âmbito da escola pública e alguns caminhos didático-pedagógicos na perspectiva da cultura corporal. Movimento, Rio de Grande do Sul, UFRGS, 1994.

NASCIMENTO, Marcos Avellar do, Melo, Victor Andrade de. Olimpíadas escolares: uma proposta sob a ótica da cultura corporal. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 9, Vitória, 1995. Temas livres...
--------. Repensando as olimpíadas escolares como forma de participação esportiva. In: SIMPÓSIO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA DEMOCRATIZAÇÃO DO ESPORTE, 1, Santos, 1994. Anais...
--------. Repensando as olimpíadas escolares como prática de lazer. In: CICLO DE PALESTRAS DO CENTRO ACADÊMICO DE EDUCAÇÃO FÍSICA ALBERTO LATORRE DE FARIA, 4, Rio de Janeiro, 1993. Anais...

NASCIMENTO, Marcos Avellar do; NOZAKI, Hajime Takeuchi. Esporte escolar na perspectiva da cultura corporal In: aula ministrada para a disciplina Didática de Educação Física, da Universidade Rural do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 1995, palestra.