O ensino da dança na escola pública do Rio de Janeiro
Por Cristina R. Gonçalves Pereira (Autor).
Em II EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
O Estudo
Para compreender como se realiza o ensino da Dança na Rede Pública do Município do Rio de Janeiro, seus fundamentos, objetivos e reais condições de trabalho, priorizou-se a investigação do cotidiano escolar. A opinião dos protagonistas desse processo, os professores de Educação Física, foi considerada como o indicador mais importante do estudo. Por outro lado, a investigação dos fatores que, de forma direta ou indireta, fizeram crescer esse profissional, não foram abandonados inteiramente. Esses dados foram reunidos em torno de duas linhas de investigação: a recente História da Dança no Brasil e a Dança enquanto disciplina do curso de Educação Física. Além disso, foi apresentado como referencial para compreensão dos resultados, uma síntese das principais Tendências e Correntes da Educação e da Educação Física Brasileira em seu percurso histórico mais recente, afim de ressaltar, nesse contexto, o ensino da Dança e suas possíveis interligações com as concepções de Educação prevalescentes no âmbito do ensino público no Município do Rio de Janeiro.
Pretende-se, enfim, dar voz ao professor, na análise de sua tragetória de trabalho, e na percepção e prática de alternativas, cujo conhecimento poderia ser sugestivo de ações capazes de melhorar a qualidade de ensino da Dança na rede pública do Estado do Rio de Janeiro.
A Dança e a Educação Física
Oficialmente, o ensino da Dança nas escolas de 1o e 2o grau encontra-se ligado à Educação Física justo por suas características de atividade eminentemente corporal. Desta forma, para que se realize uma investigação sobre o ensino da Dança, se faz necessário considerar as contribuições da Educação Física no que se refere à pesquisa de tal universo de conhecimentos. Observa-se, no entanto, que em sua grande maioria, esses estudos optam por privilegiar aspectos relativos à ordem técnica, fisiológica ou mesmo pedagógica, esquivando-se de questões que exigem uma reflexão mais aprofundada. Os aspectos artísticos, históricos e filosóficos da Dança, assim como as questões da realidade objetiva de seu ensino nas escolas, ainda não foram suficientemente explorados.
Neste estudo, visa-se a questão do ensino desse ponto de vista, recorrendo-se à investigação da realidade da escola pública e discutindo-se alguns aspectos cotidianos que influenciam diretamente a Educação Física e, por extensão, a Dança. Por aspectos do cotidiano, entende-se as dificuldades, limitações e contradições vivenciadas pelo professor em seu convívio com os alunos, na realização de suas tarefas didático-pedagógicas, bem como, em suas expectativas em relação ao ensino da Dança. Poder-se-ia indagar porque é tão reduzido o número de professores de Educação Física trabalhando com Dança. Se esse ensino está ou não comprometido com um projeto de construção de uma sociedade mais humana, consciente de sua responsabilidade enquanto agente ativo, criativo e provocador de reais transformações. Por outro lado, parece importante investigar como vem se desenvolvendo o ensino da Dança (e, por extensão, da Educação Física) no contexto da Escola Pública, reconhecidamente, o espaço educacional disponível à maioria da população.
Para desenvolver esse assunto, dada a abrangência dos aspectos envolvidos, foi necessário recorrer à literatura pertinente. Além de autores e teorias relativas à Dança em seus aspectos mais gerais, foram também consideradas as peculiaridades e os objetivos estabelecidos na formação pedagógica do professor de Educação Física. Com base nas tendências pedagógicas identificadas na literatura, pretendeu-se analisar como tais características manifestam-se no ensino da Dança ministrado na Escola Pública do Rio de Janeiro
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Da Dança para a Educação
A situação problemática do ensino da Dança e da Educação Física, como, de resto, da Educação Brasileira, torna urgente uma análise mais comprometida com os fatos e com a busca de ações concretas, objetivando o redirecionamento da prática escolar. E é justamente neste sentido que se defende a contribuição relevante que a Dança pode oferecer à Educação, enquanto ato de reflexão crítica do momento histórico, obra construída conscientemente pelo movimento humano, objeto artístico intencionalmente elaborado pelo e para o homem. No que se refere, especificamente, à Educação Física, a Dança oferece a oportunidade de uma experiência coletiva, solidária, sensível e comprometida, distante da relação competitiva, exercitadora de perdedores e derrotados. Desta forma, a Dança oferece-se como alternativa de possibilidades para o movimento humano, indo além da simples diversão e do exibicionismo atlético.
A importância do presente estudo fundamenta-se, pois, nas peculiaridades que a Dança apresenta, como elemento primário da expressão e da comunicação humana, como ato eminentemente humano, e como reflexo de valores educativos. A elaboração de um estudo sobre o ensino da Dança justifica-se por preencher as lacunas quanto ao conhecimento da situação desse ensino na realidade escolar, bem como quanto às finalidades que vêm direcionando esta prática no espaço da Educação Pública e das comunidades do Município do Rio de Janeiro.
O Caminho
Esse estudo caracteriza-se como exploratório, na medida em que procura esclarecer o que os professores de Educação Física da rede Pública pensam a respeito do ensino da Dança realizado nas escolas. As informações foram obtidas através dos depoimentos registrados em um questionário que reunia tanto perguntas objetivas quanto perguntas que exigiam a exposição da opinião pessoal do professor.
Para participar deste estudo foram escolhidos os professores de Educação Física da rede oficial de ensino de 1o e 2o grau que atuam nas escolas do Município do Rio de Janeiro, abrangendo tanto os professores lotados na Secretaria Municipal de Educação, que corresponde ao ensino de 1o grau, quanto aqueles professores lotados na Secretaria Estadual de Educação, responsável pelo ensino de 2o grau.
A população se constitui de 1.860 professores distribuídos por todo o Município do Rio de Janeiro da seguinte forma: 1.471 professores lotados em 10 CREs e 389 professores de segundo grau, lotados em 5 Agências.
Afim de obter uma amostra de 10% dessa população, decidiu-se pela forma probabilística aleatória simples de escolha de amostragem, resultando, como amostra, 147 professores de 1o grau e 39 professores de 2o grau.
O instrumento considerado adequado à obtenção de informações dos professores, foi o questionário. Na realidade, foram organizados dois questionários para que certos aspectos específicos, com relação à prática da Dança, fossem abordados mais detidamente. O primeiro questionário foi destinado a todos os componentes da amostragem com o objetivo de identificar as condições objetivas do cotidiano escolar, a formação em Dança no curso de Graduação, os objetivos, finalidades e sugestões para o ensino da Dança na Escola Pública. Já o segundo questionário destinou-se exclusivamente àqueles componentes da amostragem que, no primeiro, tivessem afirmado já ter ensinado Dança alguma vez na Educação Física. Com mais precisão, foi possível assim aprofundar, na avaliação do professor, os aspectos que influenciam ou determinam diretamente o ensino da Dança, além de identificar, especificamente, quais os valores, objetivos, métodos, conteúdos e procedimentos por eles estabelecidos.
Considerações sobre a Convivência com os Professores
Ao longo da pesquisa vários fatores foram observados como fundamentais para uma compreensão mais apropriada dos resultados obtidos. Alguns relacionados à vida pessoal dos entrevistados, outros relacionados às peculiaridades do universo da Educação Física, outros ainda marcados pelo momento por que passa a categoria de professores. Enfim, diversas circunstâncias determinaram a qualidade das respostas registradas.
Vale considerar que o questionário entregue aos professores exigia um mínimo de vinte minutos para ser respondido e um certo grau de concentração, condições muitas vezes difíceis no ambiente escolar. Como alternativa, muitos professores preferiram levar o questionário para casa, comprometendo-se a devolvê-lo na semana seguinte. Na maioria das vezes, porém, esse período não foi suficiente sendo necesário retornar uma segunda vez à escola para, finalmente, recolher o questionário respondido. Ao defrontar-se com tal fato a pesquisadora recebia desculpas, acompanhadas de argumentos que delineavam o cotidiano do professor. Desta forma, foi possível perceber que a maioria tem outros compromissos profissionais, além do magistério público e que o pouco tempo que lhe resta são dedicados às tarefas domésticas e atenção aos familiares.
Por outro lado, no período em que foi realizado o estudo muitos professores estavam envolvidos com preparativos para os Jogos Intercolegiais, evento que exige muita dedicação e lhes impõe horários extras de trabalho. Além disso, os professores da rede municipal estavam em plena mobilização por melhores salários para a categoria, movimento que após diversas paralizações, resultou numa greve de, aproximadamente, sessenta dias após diversas paralizações.
Outra dificuldade enfretada relaciona-se com o fato de que o questionário, além de exigir respostas objetivas, solicitava que expressassem suas opiniões através da linguagem escrita. Para alguns esta foi uma tarefa muito difícil devido à falta de prática no escrever. Tal dificuldade é comum entre os professores de Educação Física, já que a sua forma de atuação é eminentemente prática e usa como principal veículo de comunicação o movimento humano. No entanto, observou-se que a dificuldade em expressar-se na forma escrita não permite a conclusão direta de que os professores não tenham opinião própria ou mesmo que não saibam expressá-la; por ocasião da distribuição do questionário, só de olharem superficialmente as perguntas já iam de imediato verbalizando suas idéias e relatando suas experiências com muita facilidade, clareza e desinibição.
Pode-se deduzir que o questionário exigiu fôlego e dedicação dos professores e, considerando o resultado final, em termos do volume e diversidade de informações obtidas, é possível afirmar que, a grande maioria, tive uma participação muito responsável na pesquisa, solidarizando-se com a pesquisadora e, corajosamente expondo sua opinião à crítica científica, demonstrando, desta forma, um profundo compromisso ético com a Educação.
Revendo a Literatura
O capítulo dedicado à revisão de literatura apresenta a Dança como uma antiga linguagem capaz de expressar e comunicar idéias através dos tempos. Reconhece, com o evoluir das relações humanas e sociais, a Dança como obra de Arte e, como tal, produto de reflexões sobre valores e desejos.
O estudo faz também uma revisão da Dança no Brasil reconhecendo a sua recenticidade enquanto atividade artística. Sobre a história da Dança na Educação Física brasileira optou-se por entrevistar alguns professores que participaram do processo de implementação da disciplina nos cursos de licenciatura, valorizando seus relatos como fonte de informação para reflexões mais abrangentes.
Ainda como revisão literária, outro ponto de vista abordado foi o das concepções e tendências da Educação Brasileira e também algumas discussões sobre a Educação Física no Brasil.
A Dança Encontrada
Além das conclusões objetivas a que se chegou, vale acrescentar que, mais urgente que o estudo sobre o ensino da Dança (o como, o por que, o para que, o com quem e o para quem), é a sua realização concreta na Escola Pública. Um dos indicativos desta urgência foi o índice encontrado de somente 22% de professores de Educação Física que incluem em seu programa anual a Dança, como uma de suas atividades. Além disso, cabe destacar que esse reduzido grupo é composto quase que exclusivamente de professoras e que, em sua maioria, trabalham com grupos reduzidos e exclusivamente femininos.
Tais informações por si já apontam uma prática que envolve pequenos grupos, paradoxalmente, reforçando os preconceitos e crendices de que a Dança é mesmo para alguns poucos e especialmente dotados seres. Como contraponto a essa realidade sublinha-se a necessidade de se concretizar a Dança na escola, de multiplicar sua ação dentre os colegas da Educação Física e de percebê-la, não apenas como uma atividade corporal e mecânica, mas como uma linguagem que permite mentes criativas comunicarem a sua compreensão de mundo, através do movimento humano.
Como caminho para se atingir a meta do Dançar na Escola indica-se a ação dialética entre as instituições envolvidas, ou seja, as Universidades, as Faculdades de Arte, Educação, Educação Física, as Secretarias de Educação, e os professores, além dos próprios alunos, priorizando a opinião e a ação de quem faz, de quem constrói, apesar de todas as diversidades, o fazer educativo, artístico e cultural.
Conclusões
Respondendo objetiva e esquematicamente às questões de estudo sugeridas, são as seguintes as conclusões apresentadas:
a) Quanto à questão que indaga sobre quais seriam as finalidades, objetivos e metodologias do ensino da Dança na Escola Pública, conclui-se que, o auto-conhecimento, o ritmo e a coordenação motora são os principais objetivos a serem atingidos através do método de demonstração e tendo como forma de avaliação a participação do aluno em eventos integrados ao calendário escolar.
b) Quanto a questão que indaga sobre a posição, condições e limites do ensino da Dança na Escola Pública, conclui-se que os professores em sua maioria são provenientes de Universidades Públicas de reconhecida qualificação; que ingressaram no magistério nos anos 70 e que atualmente trabalham com um número aproximado de 200 alunos; que reconhecem uma relativa autonomia quanto as tomadas de decisões pedagógicas além de contarem com um certo apoio da Direção da escola na realização de eventos. Por outro lado, destaca-se as precárias condições físicas, materiais e de ordem econômica, o que limita e compromete a qualidade de ensino. Registra-se, ainda, que a maioria dos professores nunca ensinou Dança na Escola Pública, argumentando que tal decisão se baseia numa questão de interesse pessoal.
c) Quanto à questão que indaga sobre a qualificação e a prática profissional dos professores, conclui-se que a maioria cursou especialização, principalmente na área desportiva, sendo que, os que ensinam Dança na Escola Pública, classificam o curso de Dança, tanto da Graduação quanto o da Pós-Graduação, como bom, adequado mas insuficiente quanto à realidade da Escola Pública.
d) Quanto à questão que relaciona as finalidades, objetivos e metodologia às Tendências e Correntes da Educação brasileira, conclui-se que as finalidades, objetivos e método correspondem à Tendência Humanista Tradicional enquanto que a avaliação mais relacionada corresponde à Tendência Tecnicista de Educação. Especificamente com relação à Educação Física, a Tendência Psico-pedagógica de matriz neopositivista, encontra-se mais fortemente enfatizada.
e) Quanto à questão que solicita ao professor sugestões para que a Dança venha contribuir para a melhoria do ensino no contexto da Educação Pública, conclui-se que, além da troca de experiências através de eventos, tantos os realizados internamente quanto os que envolvam diversas escolas, eles sugerem uma ampla discussão, com a participação dos diversos seguimentos institucionais, com a finalidade de transpor coletivamente os problemas e dificuldades encontradas.