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Diante das mazelas diárias da saúde, da educação e da insegurança pública, principalmente, pode parecer inoportuno defender o esporte entre as prioridades de governo. Mas, não estaria na prática esportiva regular, complementando o programa pedagógico, uma forma de reverter a debandada de jovens para a criminalidade? Ou, melhorando a qualidade de vida, reduzir as doenças e internações nos serviços públicos de saúde? É o que outros países já conseguiram, com metas de médio e longo prazos e bom planejamento. 

Repete-se com frequência um estudo da ONU demonstrando que, para cada dólar investido em atividade física na idade escolar o Estado tem o retorno de 3,4 dólares, na forma da redução de reprovações dos alunos, na queda das despesas nos serviços públicos de saúde e consequente melhoria de qualidade de vida. Mas, apesar desse indicativo internacional, o governo que assumirá em 1º de Janeiro sugere que o esporte ficará das prioridades dos seus programas educacionais e sociais. Daí a importância de o Brasil ter uma “política de Estado” para o esporte, e não projetos de ocasião que mudam a cada troca de governo. Quem sabe, a reforma da Lei Pelé (n° 9.615/1998), que será debatida no Senado Federal em 2019, consiga avançar nesse sentido?

Historicamente, o Brasil ingressou tarde na era do “capital esportivo”, fora do futebol. E fez isso só em 2003, no primeiro governo Lula, graças à injeção de verbas públicas nas modalidades olímpicas e paraolímpicas. Os investimentos vieram do Ministério do Esporte e patrocínios do Banco do Brasil, Caixa, Correios, Eletrobras, Petrobras, Casa da Moeda etc. Outras fontes foram a Lei de Incentivo ao Esporte, a Bolsa Atleta e, principalmente dinheiro das loterias federais. Foi assim que os nossos atletas e paratletas deixaram de ser “amadores” e se tornaram profissionais. Mas, sem a tal “política de Estado”, o esporte segue apenas como um “comp romisso de governo”, frágil e sem garantias de continuidade por longo prazo.  

A partir de 2003, o governo federal investiu cerca de R$ 7 bilhões no esporte de alto rendimento, tendo a Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos como principais ambições de resultados, de forma que o Brasil pudesse ingressar no ranking das grandes potências esportivas, fortalecendo o discurso do governo nas suas relações internacionais.

Nos anos de fartura, agora encerrados, a Bolsa Atleta foi importante apoio, e os valores destinados eram divulgados a cada temporada. Mas pouco se sabia sobre os patrocínios dos Correios aos nadadores de ponta, às ginastas famosas, tenistas etc, assim como a efetiva aplicação do dinheiro de outras estatais, como a Caixa Econômica, no atletismo. Nesse programa, cerca de três mil competidores eram selecionados anualmente, mas sem um eficiente controle e fiscalização. Identificou-se, por exemplo, atletas beneficiados por até cinco fontes de verbas públicas: Bolsa Atleta federal, Bolsa Atleta Estadual, patrocínio de uma estatal, soldo por ser competidor das Forças Armadas e um sal& aacute;rio do clube pelo qual competia. 

Além disso, alguns dos nossos melhores tenistas, que participam do circuito mundial, recebendo valiosas premiações em dólar, também foram contemplados com a Bolsa Atleta e, mesmo assim, recebiam patrocínio dos Correios. Enquanto os mais ricos nadavam na fartura da verba pública, os juvenis, no início de carreira, recebiam migalhas. 

A essa prática, comprovada pelo Tribunal de Contas da União, juntaram-se denúncias de corrupção em confederações ,contribuindo para que a desconfiança e a desordem na estrutura financeira fossem imediatas. Teria isso contribuído, também, para que o futuro governo tratasse o importante setor de forma tão desprestigiada, colocando o esporte no rumo da insegurança e da incerteza?

José Cruz é jornalista e trabalha no gabinete do senador Romário