O jogo desportivo e seu emprego na escola
Por Guilherme Locks (Autor).
Em IV EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
Por jogo desportivo entendemos, uma atividade normatizada com regras semelhantes aos desportos, tendo como característica, principal, a disputa agonística em relação de adversidade. Eles são divididos em individuais e coletivos, entre os mais conhecidos e que fazem parte da cultura da nossa educação física escolar estão: o futebol, o fut-sal, o basquetebol, o voleibol e o handebol. Existem outros [jogos desportivos] que apresentam pertença a regiões específicas, grupos étnicos ou classes sociais, como por exemplo: o hóquei sobre patins na região de Sertãozinho, interior do estado de São Paulo, o beisebol na colônia nipo-brasileira, e o tênis nas classes econômicas mais abastadas.
A aula de educação física escolar deve ser entendida como integrante do processo pedagógico da escola, visando, sobretudo, o desenvolvimento da personalidade do aluno e promover a aderência do mesmo à prática da atividade física como modo de lhe proporcionar melhor qualidade de vida. A pedagogia reflete sobre o homem, portanto, o jogo desportivo por ser uma ação humana, é objeto da pedagogia e deve fazer parte dos conteúdos da educação física escolar.
Os objetivos acima poderão ser atingidos nas aulas de educação física, através da prática de um jogo desportivo, desde que, esse não seja uma cópia do desporto de rendimento feito fora da escola, principalmente, àqueles mostrados na televisão, onde, o objetivo é o rendimento máximo, rendimento esse impossível de ser alcançado no âmbito da escola, constituindo-se, em equivoco pedagógico tal procedimento.
Assim sendo, entendemos que os efeitos negativos de sua utilização na aula de educação física escolar não estão no jogo desportivo por sua característica agonística, suas regras, etc.., e sim no seu emprego e, este é responsabilidade do professor através da sua idéia de mundo.
Qual é o sujeito da aula de educação física escolar ?
O curso de licenciatura para professor de educação física privilegia o movimento, por esse motivo, o professor tende ao planejar suas atividades, relegar o ator (aluno) e a parte cognitiva da aquisição e da aplicação da habilidade motora a um plano menor. Para reforçar a ênfase dada ao movimento no curso de graduação, o jogo desportivo tem na habilidade motora desportiva a sua parte principal, esse fator pode levar o professor de educação física a entender que é o movimento (habilidade motora desportiva) o seu sujeito.
Por assim agir, o professor é origem de algumas críticas que são feitas ao jogo desportivo como conteúdo da aula de educação física escolar. A mais comum, é que, poderá através de regras confeccionadas ’a priori’ condicionar o aluno à aceitação e obediência de outras regras que lhe serão imposta pela sociedade como justas, sem o hábito da reflexão e da discussão. Outra crítica que se faz, e com razão, é que dada a limitação do número das habilidades motoras e a prevalência de um segmento corporal (futebol as pernas e o handebol o braço), ele se limitaria a poucos movimentos o que empobreceria o repertório motor do aluno. Critica-se, também, a exacerbação da componente agonística do jogo que, valorizando a execução da habilidade motora, cria uma divisão da comunidade da aula de educação física escolar entre os ’fortes’ (hábeis) e os ’fracos’. Esse procedimento tem forte apelo na formação de uma concepção social que divide a sociedade entre vencedores e perdedores, onde, os primeiros são os indivíduos a serem imitados, porque, seriam portadores de valores positivos para a construção da mesma.
Apesar de sermos de acordo com todas as afirmações acima, entendemos que o jogo desportivo deva fazer parte do currículo da educação física escolar, obviamente, centrando a sua atuação, respeitando os princípios do desenvolvimento psicológico e ontogênico, sobre o aluno que, é ao mesmo tempo o sujeito e o objeto dessa atividade, pois, somente, pensando e agindo desse modo a educação física poderá fazer parte do processo educacional da escola.
O sujeito da educação física escolar
Para a compreensão do ser humano ele deverá ser estudado em duas perspectivas: o ser animalis e o ser do homem. No que diz respeito a aula de educação física escolar, na primeira, estão as nossas capacidades condicionais e coordenativas, aquelas que nos permitem executar os movimentos, desde, os iniciais como o de agarrar as coisas, o quadrupedismo e a marcha ereta às habilidades motoras desportivas, em sua complexidade e variabilidade de aplicação. A segunda é baseada sobre a cultura, a vontade e os valores, que são plataforma de elaboração dos nossos atos como pessoa humana e, portanto, objeto que a aula de educação física escolar deverá procurar desenvolver.
A prática do jogo desportivo, em especial o coletivo, faz que o aluno acumule várias vivências, entre as quais, o conhecimento do jogo e a necessidade do trabalho de grupo para realizá-lo. Essa relação deve ser o pressuposto para outros valores importantes, tais como: solidariedade, responsabilidade, etc., que são imprescindíveis para uma equipe e também para a construção de uma sociedade mais justa. Entendemos, também, que a prática do jogo desportivo tendo como objetivo o desenvolvimento biopsicossocial do aluno, permitirá a esse várias oportunidades de enriquecimento sensório-motor, pois, o aprendizado das habilidades motoras e a diversidade da aplicação das mesmas como exercício de competição, oferece uma vasta gama de estímulos nesse sentido.
Assim, daremos a seguir algumas referências sobre as quais norteamos o nosso pensamento:
Martin (1991), informa que entre os 10 e os 12 anos de idade o ser humano apresenta um conjunto de variáveis que o habilita para a prática do jogo desportivo. Em uma sociedade normal, as pessoas dessa idade estão na escola uma boa parte da sua jornada.
Segundo Mainel e Schnabel (1984) o indivíduo passaria por três fases para atingir a plenitude da utilização da habilidade motora como exercício de competição:
• A primeira denominada coordenação grosseira, onde não existe um domínio da habilidade, pois ela está em fase de aquisição. Essa fase é caracterizada pelo uso equivocado da força, ora maior, ora menor que a necessária. Essa fase é notável pela inconstância de rendimento da habilidade, existem momentos em que parece ter sido adquirida para logo em seguida retornarem as imprecisões de execução.
• A segunda fase é denominada coordenação fina, onde a habilidade motora é realizada de acordo com o ’optimum’ biomecânico e economicamente do ponto de vista fisiológico. Sendo o executante capaz de aplicá-la eficazmente como exercício de competição de maneira eficaz e verbalizar as dificuldades de execução.
• A terceira fase é denominada de automação e aplicação do exercício de competição em condições de variabilidade e, se caracteriza pela execução, aparentemente, inconsciente da habilidade motora desportiva, permitindo ao executante, ocupar-se de outras funções necessárias ao desenvolvimento do jogo desportivo, tais como: a sua função tática individual ou a antecipação das intenções do adversário.
Baseado nessa classificação, Bento (1987) propõe que na escola a prática do jogo desportivo, respeitando os princípios que regem o desenvolvimento da personalidade do aluno, deveria atingir a segunda fase, considerando, um trabalho de alta qualidade, aquele que, proporcione aos alunos a obtenção desse nível. Indica, também, que a terceira fase, a da automação seria objeto específico de outro segmento social, ou seja, a sociedade desportiva.
Mechling apud Martin (1991) informa que o jogo desportivo é constituído por movimentos acíclicos e as habilidades motoras desportivas são abertas, pois são utilizadas de acordo com a situação do jogo e, portanto, serão, sempre, aperfeiçoadas e motivarão escolhas adaptadas ao momento da competição. Por esse motivo, o aluno deverá, sempre, construir novas soluções e construção do conhecimento é por excelência objeto da escola.
Esse desenvolvimento sensório-motor deve ser respaldado pela psicologia social de modo a ser utilizado como instrumento do desenvolvimento da personalidade do aluno. Essa interdisciplinaridade, seguramente, transformará o jogo desportivo em motivo de atração para o aluno aderir a pratica de atividade física, a qual, tem importância, fundamental, na saúde física e emocional do ser humano.
Deste modo e pelo exposto acima, entendemos que, salvaguardando o respeito às fases de desenvolvimento ontogênico e utilizando o jogo desportivo para o desenvolvimento da personalidade do ser humano, essa atividade deva ocupar um lugar privilegiado nas atividades da educação física escolar e, portanto, dentro das atividades da escola.
Na escola poderia ser assim
A aula de educação física escolar, assim como o processo educacional na sua totalidade, deve ser campo de reflexão sobre a sociedade na qual o aluno está inserido, estimulando-o, a pensar sobre si mesmo e as suas relações com os outros como pessoa humana, à sua participação comunitária na organização de uma sociedade justa e democrática e desenvolver a consciência de que a sua história é projetável e, que ele deve ser protagonista na concepção dela.
Em nosso entender, o professor ao utilizar o jogo desportivo na escola, deverá fazê-lo como atividade correlata ao desporto-modelo, modelando-o ao desenvolvimento biopsícossocial do aluno, tanto no que concerne ao modo de empregar as habilidades motoras desportivas, aos materiais utilizados, bem como a discussão das regras (leis) que regerão a atividade. Evitando que as regras sejam a origem do rendimento elevado para a prática do jogo o que, seguramente, prejudicará a ludicidade da atividade, motivo importante na promoção da aderência à atividade e por conseguinte aos exercícios físicos.
Agindo assim, o professor dará aos alunos a possibilidade de refletir e entender que regras e leis são compromisso entre as partes envolvidas na comunidade. Em nosso caso, um jogo desportivo, o momento da discussão e elaboração das regras deverá ser realizado com a colaboração de todos e deverá deixar claro que existe uma inter-relação com os adversários, ainda que, em condições de adversidade. Essa compreensão do fato, poderá ser a origem de comportamento tolerante em relação às pessoas que pensem diversamente ou sejam provenientes de culturas diferentes, que o nosso ator defrontar-se-á inúmeras vezes ao longo da vida
Conclusão
Por termos claro a contribuição que pode dar nossa disciplina e os seus conteúdos, em nosso caso o jogo desportivo, ao ’modus vivendi’ de uma sociedade baseada em princípios éticos e democráticos, enfatizamos, que o sujeito da aula deve ser o aluno, não sendo, portanto, justa a exigência de rendimento máximo da habilidade motora desportiva na escola. Pois, aliado ao caráter excludente daqueles que apresentam características psico-fisiomorfológicas não adaptadas à atividade proposta, existe o fato, que o aluno não tem direito de escolha, a educação física lhe é imposta como parte do currículo e a atividade desportiva é selecionada pelo professor, tendo o aluno que concordar com essa pratica sob pena de ser posto à margem do grupo.
Portanto, se o jogo desportivo apresenta aspectos negativos com suas normas e a sua lógica de espetáculo, o equivoco da sua utilização nas aulas de educação física escolar está no professor, que não tem discernimento para entender que, o modelo não pode e nem deve ser transplantado para outra realidade, sem sofrer transformações para atender as necessidades do novo ambiente. Ou seja, o que deve ser revisto não é o jogo desportivo, mas sim a visão de mundo do professor.
Referências Bibliográficas
Bento, Jorge Olímpio. O desporto "matéria" de ensino. Coleção desporto e tempo livre n° 11. Lisboa : Editorial Caminho S.A. , 1987, p. 72.
Coletivo de autores, Metodologia do ensino de educação física, São Paulo : Cortez, 1992.
Graça, Amândio , Oliveira, José (Ed.). O ensino dos jogos desportivos. 3ª ed. Porto : 1998. 244 p. 19 cm. ISBN: 972-97358-1-6
Martins, Dietrich,. Tecnica sportiva e teoria dell’allenamento. Scuola Dello Sport. Roma. Supp. al n. 22, 1991, p. 70-80
Meinel Kurt , Schanbel, Günter. Teoria del movimento. Roma : Società Stampa Sportiva, 1984