Resumo
No desporto de alto rendimento, cada vez mais os detalhes fazem a diferença entre o primeiro e o segundo colocados. O jogo, e no nosso caso o jogo de futebol, é um fenômeno complexo, onde o desempenho de quem joga é transdimensional. A todo o tempo, jogadores e equipes são confrontados com situaçõesproblema, em circunstâncias com alto grau de imprevisibilidade que requerem respostas imediatas, técnicas, táticas, físicas e psicológicas ao mesmo tempo, não dissociadas e de forma integral. Os conflitos e soluções desencadeadas por tais situações geram um ambiente de jogo extremamente dinâmico de constantes ajustes em suas estruturas e com permanente mobilização da inteligência humana, individual e coletiva, que do ponto de vista da complexidade, se torna transdimensional. Caos, fractais, sistemas, jogo, imprevisibilidade; a real compreensão dos fenômenos que levam ao melhor rendimento e aos melhores resultados nas situações-problema do jogo deve transcender os óculos tradicionais que o observam como fenômeno. Dessa forma a proposição dessa pesquisa é: a) analisar o fenômeno da auto-organização no jogo de futebol; b) analisar a mobilização da atuação da inteligência humana em contexto específico de jogo com característica emergencial; c) justificar a necessidade de um modelo de treino para o futebol pautado no paradigma da complexidade. Para tanto, foi realizada pesquisa de caráter qualitativo: 1) com análise de ações técnico-táticas de jogadores de futebol, durante os jogos das quartas-de-final, das semifinais e da final da Copa do Mundo FIFA 2006; 2) através da análise de imagem, a 30 quadros por segundo, de situações específicas em contexto de urgência nesses mesmos jogos; e 3) através de procedimento de observação participante de uma equipe de futebol masculino sub-17, treinada sob o ponto de vista da complexidade. A partir das observações realizadas, podemos destacar dentre outras coisas, que: a) no jogo de futebol a inteligência humana se manifesta individual e coletivamente de acordo com cada circunstância; b) A mobilização da inteligência humana individual, observada em contexto de urgência, mostrou estar intimamente associada à intenção nas ações e à intencionalidade; c) a mobilização da inteligência coletiva de jogo mostrou estar associada a auto-organização das equipes, sendo essa (a autoorganização) a manifestação da inteligência em constante interação com os atratores e outros elementos do sistema "jogo"; d) é o sistema "jogo" que comporta a interação dos sistemas organizacionais das equipes que jogam. A organização de cada um desses sistemas pode ser influenciada e influenciar a organização adversária através, ou de uma interação melhor com o sistema "jogo", ou de ruídos que são gerados por cada uma das equipes visando desequilibrar o adversário (futebol de influência); e) como a organização funciona como uma identidade do sistema, para mantê-la, jogadores e equipes precisam de referências que permitam melhor leitura de jogo e autonomia para as ações. O esquema tático, por exemplo, pode se configurar como uma dessas referências (e também como um atrator do sistema); f) a transdimensionalidade das situações-problema do jogo, sob as lentes da complexidade, justifica a necessidade de um modelo de treino subordinado ao jogo.
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