Integra

Quando o Barão Pierre de Coubertin reinventou os Jogos Olímpicos ele jamais poderia imaginar no que se transformaria esse espetáculo que nasceu para ser uma grande celebração, ainda que para poucos e abastados. Até ele morrer em 1937 ele assistiu à interrupção do ciclo olímpico com a não realização dos Jogos de 1916, por causa da Primeira Grande Guerra, a transformação dessa celebração em um grande espetáculo com os Jogos Olímpicos de Los Angeles em 1932, mas nada que se comparasse aos Jogos de Berlim em 36, sob a coordenação de uma bem preparada equipe de propaganda nazista, que transformou essa edição olímpica no maior espetáculo olímpico jamais visto. E essa afirmação veio do próprio Coubertin.

Talvez tenha sido Hitler e sua equipe os primeiros a perceberem o quanto essa celebração, que nasceu para promover a paz entre as nações e ser uma linguagem universal, poderia ser utilizada como uma forma de mostrar ao mundo a pujança de uma nação e a força de um povo. Isso porque a estrutura necessária para a realização de uma edição olímpica só é possível com o envolvimento do Estado, uma vez que são mobilizadas toda a infraestrutura da cidade que se propõe a realiza-la. E é função do poder público uma vez que essa estrutura pode depois ser usada pela comunidade que abrigou os Jogos. Esse é um dos legados mais visíveis e discutidos, afinal obras costumam durar muito, se bem feitas.

Mas, não são apenas obras grandiosas que ficam para a história dos Jogos Olímpicos. Há realizações que atravessam os anos, e se formos olhar para o passado, os séculos, muitos séculos, como atestam os muros do estádio olímpico, em Olímpia, na Grécia. Ali estão inscritos os nomes de todos os atletas vencedores da prova de velocidade das competições olímpicas da Antiguidade. Mesmo o tempo e as intempéries tendo se incumbido de deixar suas marcas em obra tão magnifica, nada mais indelével do que os resultados obtidos por aqueles cidadãos que partiam de diferentes cidades, rumo a Olímpia, em busca da eternidade, conquistada por meio de um feito glorioso, como a vitória na prova do estádio.

É provável que Hitler soubesse disso, porque o que ele buscava nos Jogos Olímpicos de 1936 era mostrar ao mundo a superioridade dos atletas alemães, preparados por um Estado que se afirmava para o mundo como potência, deixando também sua marca para a história. Curiosamente estudiosos das ciências humanas e do esporte apontam esse momento como um marco na história do Olimpismo por usar a filosofia que fundamenta os Jogos para fins outros que não a celebração da paz entre os povos e a busca da excelência.

O que é possível observar depois de 1936, ao longo de todo o período da Guerra Fria e agora em plena ocorrência do profissionalismo que o mesmo deslocamento de objetivos continua a acontecer e isso pode ser observado na presença cada vez mais necessária do Estado na realização dos Jogos Olímpicos e o esquecimento daqueles que são a verdadeira razão de ser da competição esportiva: os atletas.
Não há espetáculo sem eles. De nada adianta toda a discussão a respeito da realização ou não desse mega evento seja lá onde for se não se investir e motivar o desenvolvimento do talento daqueles que são os protagonistas dessa realização que pode, ou não, ficar na memória e entrar para a história, como uma realização sem precedentes ou a quebra de um recorde. Muito embora sejam eles a razão de tudo isso acontecer vejo, estudo e acompanho essas trajetórias e ainda me espanto com o desprezo e a falta de cuidado com que são tratados esses que são imortalizados por seus feito, ou no caso do Brasil, pelo “simples fato” de terem ido aos Jogos Olímpicos.
E quanta memória há guardada do esporte olímpico brasileiro.

Desde a primeira participação brasileira em 1920 acumulam-se histórias das mais variadas espécies. São elas heroicas como as longas travessias do oceano a bordo de navios de passageiros ou cargueiros travestidos de navios de guerra, como foi o caso de 1932. Há cenas de cunho heróico como foi o caso do já bicampeão olímpico Adhemar Ferreira da Silva que competiu tuberculoso nos Jogos Olímpicos de Roma ou Aída dos Santos, a única mulher na delegação brasileira que competiu sem a companhia de qualquer técnico ou dirigente nos Jogos de 1964 e ficou na 4ª colocação no salto em altura. Há ainda a disposição férrea de um grupo de mulheres dispostas a superar o preconceito e a falta de estrutura e de respeito como é o caso do futebol feminino que impõe sua marca desde 1996. São muitas histórias, várias com final feliz e outras nem tanto, mas cada uma dessas de alguma forma alterou a vida e famílias, cidades e do próprio país trazendo a marca da superação, da busca pela excelência, palavra tantas vezes utilizada, mas pouco incentivada com recursos materiais capazes de materializar um resultado digno do esforço realizado para esse fim.

Se os Jogos Olímpicos podem ser vistos como a metáfora das disputas bélicas que a sociedade contemporânea procura abolir, a superação dos limites continua a ser a atitude que mais contagia as gerações que se espelham nos atletas que competem como o seu ideal de “vir a ser”. Isso porque essa manifestação prodigiosa de habilidade é aquilo que leva o humano à transcendência, que o imortaliza, que o torna quase divino. E por que não valorizar isso? Porque é preciso acostumar-se à possibilidade de ser campeão. É preciso preparar-se para estar ao lado dos melhores e se sentir pertencente a esse pequeno grupo e não o contrário, um peixe fora d’água.

E isso é que os Jogos Olímpicos, e sua realização, podem mostrar a esse país que começa a se acostumar a estar lado a lado com os grandes, com os melhores. Não queremos fazer festa para os outros se divertirem. Queremos fazer uma festa para também aproveitarmos. Queremos estar em 2016 não para ouvir o hino e ver a bandeira de outros ser hasteada. E para isso é preciso que várias forças se unam e se responsabilizem pelo que via acontecer daqui a 4 anos.

Sabemos que para isso ocorrer era preciso ter se começado antes. Basta ver os resultados de todos os países que postularam a condição de sede olímpica e esses dados no mostraram que na edição imediatamente anterior a curva do quadro de medalhas já apontava para um desempenho denunciador de maior desenvolvimento e melhores resultados que nas edições olímpicas anteriores.

Mais alguns dias e o espetáculo irá começar. Promessas não faltam e otimistas e pessimistas fazem suas apostas. Há quantas medalhas chegaremos? Difícil dizer ainda, mas como sempre, quem enfrentará as câmeras e os microfones para dar explicações sobre o sucesso ou o fracasso serão eles, os atletas, que preparados ou não para isso carregam nos ombros a expectativa de milhões de brasileiros, que mal informados acreditam que poderemos ter inúmeras medalhas.

Espero em breve poder escrever que desta vez foi diferente