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No esforço para conter o avanço da obesidade, governos, especialistas e até empresas adotam medidas para restringir o consumo dos alimentos ricos em gordura e açúcar

Juliane Zaché, Lena Castellón e Mônica Tarantino

O planeta está engordando. Dos seis bilhões de habitantes, 1,4 bilhão está com excesso de peso. E a tendência é de que esse contingente continue crescendo. O problema é tão grave que a Organização Mundial da Saúde (OMS) o classificou de epidemia. No Brasil, calcula-se que 40% da população esteja com quilos a mais do que deveria. Por motivos diferentes da patrulha da silhueta, a situação deixa os profissionais da saúde apreensivos. Está comprovado que a obesidade pode levar ao desenvolvimento de doenças cardíacas e diabete, entre outras. “É um fator de risco importante. Se não houver controle, em três décadas teremos uma explosão do número de infartos e derrames e o problema da falta de leitos nos hospitais se agravará”, alerta o endocrinologista Márcio Mancini, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade.

Além do prejuízo à saúde pessoal, a epidemia também ganha peso no orçamento. “Nos Estados Unidos, gastam-se pelo menos US$ 50 bilhões por ano para tratar a obesidade e suas consequências”, diz o endocrinologista Walmir Coutinho, coordenador da Força-Tarefa Latino-Americana de Obesidade. No Brasil, uma estimativa de gastos feita pela entidade revelou que as doenças relacionadas com o excesso de peso consomem 5% dos gastos com internação pelo Sistema Único de Saúde.

Processos – O grande desafio é achar meios de enfrentar uma situação tão séria. A novidade é que cada vez mais os profissionais da saúde e autoridades admitem que apenas a reeducação alimentar não é suficiente para conter o avanço da obesidade. Por isso, a tendência é adotar medidas com efeito sobre toda a população e minar a doença por vários ângulos. Um dos alvos que começam a ser atacados é a abundante oferta de pratos gordurosos e calóricos e produtos com
altas taxas de açúcar.

Na semana passada, o Brasil deu um passo importante nessa direção. Na quinta-feira 24, o Ministério Público de São Paulo protocolou na Justiça um processo inédito no País contra dois grandes fabricantes de refrigerantes. Os alvos da ação civil, de autoria do promotor João Lopes Guimarães Júnior, da Promotoria da Justiça do Consumidor, são a Coca-Cola e a AmBev (responsável pelas marcas Pepsi, Sukita, guaranás Antarctica e Brahma, 7up, Soda limonada e Teem). As empresas respondem por 66% do mercado. A ação pede que as indústrias incluam advertências nas suas embalagens sobre os riscos do consumo excessivo do produto (pode levar à obesidade). A Promotoria também quer a proibição da veiculação de publicidade durante a programação infantil na televisão e em publicações dirigidas às crianças. Além disso, pede o fim das promoções e brindes associados às bebidas e voltados para os pequenos. Guimarães está convencido de que os refrigerantes têm lugar de destaque na onda de obesidade que assola o mundo. “O problema é consumir demais, pois essa bebida é uma das principais fontes de açúcar na rotina dos consumidores”, afirma. Até a noite de quinta-feira, as assessorias de imprensa da AmBev e da Coca-Cola disseram que as empresas ainda não tinham sido comunicadas da ação.

Várias cidades brasileiras estão adotando medidas duras. Na semana passada, a Prefeitura do Rio de Janeiro baixou dois decretos. Um deles determina que os alimentos fabricados e vendidos no município deverão trazer no rótulo a especificação das quantidades de gordura trans por porção de alimento. Usado para dar consistência aos alimentos, o ingrediente está sendo apontado como um dos principais responsáveis pelo aumento do colesterol ruim (LDL) e diminuição do colesterol protetor (HDL). A regra passa a valer em um ano. O outro decreto, válido daqui a três meses, obriga as redes de fast-food a afixar tabelas visíveis com a quantidade de calorias e de nutrientes dos seus lanches, ao lado dos valores recomendados mundialmente. “É uma maneira de garantir ao consumidor informação correta”, justifica Inês Rugani de Castro, da Secretaria Municipal de Saúde carioca.

No Rio, as medidas restritivas começaram no ano passado, quando a prefeitura proibiu a propaganda e a venda, nas cantinas das escolas municipais, de balas, chicletes, salgadinhos e refrigerantes, entre outros produtos. Em Florianópolis, as mesmas guloseimas foram vetadas em 2001. Lá, porém, a proibição tirou também as pipocas. Em São Paulo, onde não há legislação que regule alimentos nas escolas, colégios públicos e particulares já criam programas de melhoria da merenda. Um dos mais avançados é o do Colégio Dante Aligheri, em São Paulo, onde a mudança na merenda começou há quatro anos por causa do aumento de peso dos alunos. A primeira medida da nutricionista Martha Paschoa foi banir doces, chocolate, salgadinhos e refrigerantes da lanchonete. Colocou no lugar potes de frutas, sucos naturais e salgados assados. Deixou, é verdade, pequenos bombons de chocolate. E atendentes treinados para ajudar a meninada a escolher. “Nada é proibido, mas o funcionário aconselha o jovem a não comprar o segundo chocolate e trocá-lo por uma fruta”, explica. O nutrólogo e pediatra Mauro Fisberg, da Universidade São Marcos, apóia essa atitude. “Proibir não adianta. É imprescindível educar e oferecer opções”, explica. Uma das provas do sucesso dessas mudanças foi a guinada nos hábitos do aluno Cícero César Braga, dez anos, da quarta série. “Em dado momento, ele passou a comer mais e só queria ficar deitado vendo tevê. Tinha dores nas costas e uma barriguinha em formação”, lembra a mãe, a psicóloga Maria da Glória Vicente, que pediu ajuda à nutricionista da escola. O garoto entendeu as dicas da especialista e colaborou para reduzir o colesterol, que estava alto. “Troquei o churrasco pela carne branca, como pão integral e frutas em vez de bala e refrigerante. Emagreci, meu colesterol ficou normal e ninguém me chama mais de gordo”, conta César.

Lanches – Mudar hábitos é uma tarefa complicada. Além da resistência dos alunos, que protestaram na porta da sua sala contra a retirada das coxinhas da merenda, Martha enfrentou dificuldades para convencer os fornecedores a mudar a linha de montagem dos lanches. Mas houve quem aceitasse o desafio. A empresa Classe A, fornecedora de salgadinhos e lanches para hospitais, escolas e clubes, criou petiscos diferentes como os pasteizinhos assados de queijo branco. “Mas precisei trocar umas dez vezes de fornecedor até achar um que fizesse minipães de qualidade e com pouca gordura”, diz o empresário Carlos Alberto Vianna, da Classe A.

O governo brasileiro não assiste parado à movimentação da sociedade. O Ministério da Saúde discute a elaboração de uma política de alimentação para regular o que se come nas escolas. Na prática, em 2001 foi determinado que os rótulos tragam estampado o valor calórico e a quantidade de carboidratos, fibras e proteínas, entre outros nutrientes. O período de adequação das empresas se encerra no dia 31 deste mês. No entanto, alguns especialistas acham que só isso não resolve a situação. “O consumidor não entende a informação escrita nos rótulos”, diz a nutricionista Anita Sachs, da Universidade Federal de São Paulo.

A busca de saídas para o mesmo problema é mundial. Em meados do ano passado, 13 países estudavam medidas para conter o crescimento da obesidade. Na Finlândia, a rede McDonald’s foi proibida de promover a venda de seus lanches com brinquedos. Na Suécia, a publicidade de alimentos para crianças foi banida. Na Noruega também não são permitidos anúncios dirigidos a menores de 12 anos. Nos Estados Unidos, o governo definiu critérios – usando selos coloridos – para que a população identifique nos supermercados os alimentos comprovadamente benéficos à saúde. A medida é importante, principalmente em um país onde as pessoas costumam fazer refeições carregadas de gordura. O chef paulista Ulisses Arruda, 52 anos, que o diga. De 1985 a 2000, ele viveu na Califórnia e só se deparava com pratos que engordavam muito. Ganhou peso, ficou com o colesterol alto, até que resolveu ele mesmo preparar suas refeições. O resultado é que ele se tornou um expert
em delícias saudáveis. Há cerca de seis meses, o chef abriu seu restaurante em São Paulo, onde oferece refeições com baixo teor de gordura e pouco sal. Um dos campeões de pedidos é a lasanha feita
com berinjela no lugar da massa.

Imposto – Há também propostas que acertam no bolso da indústria e dos consumidores. Em julho do ano passado, o médico inglês Martin Breach, do comitê de saúde pública da Inglaterra, sugeriu à Associação Médica Britânica a criação de um imposto de 17,5% sobre produtos com alta concentração de gordura, como chocolate e hambúrguer. A idéia foi rechaçada. “Mas a repercussão foi boa e já me procuraram da França e da Austrália”, disse a ISTOÉ.

Na verdade, o controle da publicidade dos produtos e o aumento na taxa de impostos são medidas semelhantes às usadas no cerco ao cigarro. Na opinião das nutricionistas Fernanda Scagliusi e Viviane Polacow, da Universidade de São Paulo, porém, a tendência das indústrias e restaurantes de fornecerem pratos cada vez maiores é outro dos fatores que fazem os consumidores perder a noção do quanto comem realmente – e quase ninguém presta atenção nisso. Um estudo feito por elas com orientação do nutricionista Antônio Lancha Jr. em 2002 com 88 adultos mostrou que há muita confusão. “Pedimos às pessoas para definir o tamanho de um bife médio e vimos que as porções tinham tamanho quase gigante”, diz Viviane. Um dos resultados do trabalho foi a criação de uma cartilha com o desenho das porções em tamanho real.

A indústria alimentícia está se preparando para responder à ofensiva dos médicos e autoridades. A Kraft Foods, que produz biscoitos recheados de chocolate e pratos congelados nos Estados Unidos, instituiu medidas preventivas que entrarão em vigor a partir de 2004. A empresa decidiu diminuir o tamanho das porções de alguns produtos, eliminar o marketing nas escolas e promover campanhas educativas para as crianças. “A indústria alimentícia tem um papel importante para conter o avanço da obesidade”, disse a ISTOÉ Jonathan Atwood, diretor corporativo da Kraft.

Mais empresas estão criando opções. A Perdigão tem produtos congelados para crianças com menos gordura e condimentos. Produz ainda congelados light e com 30% a menos de sódio. A Nestlé defende que é necessário investir em trabalhos de educação nutricional. Em razão disso, a filial brasileira implantou o Programa Nutrir, dirigido a 72 mil crianças de até dez anos. O objetivo é ensinar a garotada a ter hábitos saudáveis na mesa.

Troca – As redes de fast-food também estão sob pressão. Vários americanos obesos entraram na Justiça contra o McDonald’s, acusando a empresa, que já ganhou a primeira batalha no tribunal, de não informar aos consumidores a quantidade de calorias e gordura presentes nos alimentos. Desde então, a rede americana substituiu o óleo em que fritava as batatas, à base de gordura animal e prejudicial ao coração, por um outro óleo mais adequado. A rede brasileira adotou a medida. Além disso, a empresa lançou uma versão do seu guia nutricional que ensina o cliente a ter uma dieta balanceada. Os lanches também podem vir acompanhados de salada no lugar de batatinha, por exemplo. Já o McDonald’s francês foi mais agressivo. Em 2002, veiculou um anúncio na revistaFemme Actuelle alertando a população para ir à rede apenas uma vez por semana. A propaganda traz a informação de que 16% das crianças francesas estão obesas porque têm o hábito de comer em fast-food. A atitude, é claro, foi aplaudida pelos especialistas.


Salgadinho saudável

Cientistas da Universidade de São Paulo e do Instituto do Coração criaram um salgadinho saudável. O segredo da guloseima, com potencial para diminuir as taxas de colesterol ruim do sangue (LDL), está na composição. O petisco é feito com a planta amaranthus, encontrada nos Andes. Um trabalho realizado com 60 participantes entre 25 e 65 anos, com colesterol alto, indica que o alimento funciona. Uma parte do grupo comeu um pacote de salgadinho
três vezes por semana junto com uma dieta equilibrada. A outra
tomou remédio e fez dieta e a terceira se submeteu a todos esses métodos juntos. Os que receberam salgadinho tiveram uma redução
do colesterol ruim em 12%. Já para os que comeram o salgado e usaram remédios, houve uma diminuição de 18%. “É preciso pesquisar mais, mas percebemos que o amaranthus pode ser um bom aliado contra o mau colesterol”, diz José Alfredo Arêas, um dos coordenadores do trabalho.


É proibido proibir

O jornalista inglês Simon Clark, 43 anos, dirige uma das mais polêmicas organizações do mundo, a Forest (Freedom Organization for the Right to Enjoy Smoking Tabaco), entidade que defende os direitos dos fumantes. Recentemente, Clark se meteu em mais uma empreitada polêmica. Ele criou um movimento para defender o direito de comer. “Você não pode proibir tudo o que acha errado”, esbraveja. Em sua opinião, proibir o consumo de um alimento é tão absurdo quanto fumar a vida inteira e depois processar a indústria de tabaco por estar com câncer. “Cada um faz suas escolhas e arca com as consequências, certo?” Foi por telefone de sua casa na Inglaterra que ele concedeu essa entrevista a IstoÉ.

ISTOÉ – Por que o sr. faz a defesa do direito de comer?
Clark – Não defendemos que as pessoas se encham de comidas que não são saudáveis, mas sim que cada um escolha o que vai comer. Queremos que avisem os indivíduos sobre os riscos. Mas se eles escolhem ingerir esse tipo de comida devem ter o direito de comê-la.

ISTOÉ – Então o sr. concorda com campanhas que pregam uma alimentação saudável?
Clark – Sim. Acreditamos na educação e não na legislação.

ISTOÉ – O que o sr. pretende fazer?
Clark – Estamos tentando representar o consumidor e fiscalizar os impostos, porque todas as campanhas antiobesidade são pagas por nós. Queremos ter certeza de que nosso dinheiro está sendo bem gasto. Outra ação é ensinar as crianças sobre os riscos de uma alimentação ruim. A grande diferença entre educação e legislação está aí. Insistimos na idéia de que não é necessário proibir as coisas.

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