O Professor de Educação Física no Espaço/tempo da Escola
Por Simone Gonçalves e Almeida (Autor).
Em X EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
Introdução
Segundo Veiga Neto (2001), o professor ao executar sua atividade necessita de espaço e tempo determinados, a fim de tornar "lugar" o espaço por ele devidamente ocupado/mobilizado. Lugar esse, que não é estático, mas que relaciona, sofre e promove modificações.
Dessa forma, este estudo implica na observação da subjetividade dos atores em atividade, não só considerando-os como objeto de pesquisa, mas professores que além de mobilizar saberes específicos da sua formação profissional, carregam consigo saberes experimentais de sua própria vida, os quais geralmente estruturam e orientam suas atividades cotidianas.
Sendo assim, buscamos entender o lugar do professor do professor de Educação Física no âmbito escolar para o grupo docente de outras disciplinas, para os alunos e todos que colaboram com a construção dos pilares educacionais de forma consciente ou mesmo inconscientemente. Por conseguinte, pretendemos: a) identificar, analisar e compreender os desafios provenientes da profissão e das condições estruturais educacionais regionais; b) identificar, analisar e compreender o lugar ocupado pelo professor, ou seja, o ser professor; c) verificar as aproximações e os distanciamentos entre a prática pedagógica vivida e idealizada na formação acadêmica da área da Educação Física.
Metodologia
Como encaminhamento metodológico realizamos entrevistas e observações sistemáticas, cuja amostra compreende professores da área de Educação Física no âmbito escolar, atuantes em escolas de Ensino Fundamental do Sistema Municipal de Vitória.
Ao providenciar a observação participante nas aulas de Educação Física pretendemos nos aproximar dos protagonistas, ou seja, os professores de educação física, propondo uma interpretação autêntica e natural dos eventos assistidos durante o processo e também revelar interesses implícitos em momentos particulares e únicos, os quais muitas vezes não são comentados durante o discurso das entrevistas.
No que diz respeito a escolha do quantitativo de professores de Educação Física foram entrevistados e observados dois professores atuantes no turno vespertino da Escola Municipal de Ensino Fundamental São José.
Partindo do prévio embasamento teórico comparecemos a escola citada onde realizamos entrevistas com a diretora, as pedagogas, dois professores de outras disciplinas, alunos e os responsáveis por esses alunos os quais nos relataram fatos e impressões subjetivas com relação às práticas pedagógicas executadas pelos professores de Educação Física naquele espaço escolar. Tais dados contribuíram com a análise junto à investigação realizada especificamente com os/as professores/as de Educação Física.
Primeiramente concretizamos as entrevistas as quais foram transcritas e posteriormente iniciamos as observações das aulas procurando perceber como ocorria a prática pedagógica dos referidos professores, a relação/interação professor-aluno e algo mais que se fizesse útil aos nossos questionamentos atuais.
Encerrado a coleta de dados registramos as informações em um diário de campo esquematizado por série /data, descrevendo tudo o que fora observado. Tal diário foi disponibilizado aos professores investigados otimizando uma retórica do trabalho. Em seguida iniciamos a análise e compreensão dos dados.
Trabalho de campo
1 - Diálogo com os professores sujeitos da pesquisa
1.1 Professora Cíntia - Prioridade à inclusão
A professora Cíntia concluiu a graduação em Licenciatura Plena em Educação Física em 1991/2. Acrescentando ao currículo uma pós-graduação em Treinamento Desportivo. Enquanto aluna de Ensino Fundamental e Médio freqüentou escolas particulares em Vitória, onde as vivências eram direcionadas ao desporto e as aulas de Educação Física eram substituídas por treino para os alunos que fossem atletas, assim como foi Cíntia. Desde então, se caracterizava por atitudes inclusivas apesar do envolvimento com o esporte competitivo e a formação inerente ao mesmo.
Na época em que fizemos esta entrevista a professora trabalhava na escola investigada por apenas um mês e sua permanência se estenderia por um ano. Caso houvesse mais oportunidades a professora gostaria de investir em reflexões sobre o corpo, a saúde, a dança e outras práticas corporais ou temas, julgando que esses seriam pertinentes às turmas de 5ª a 8ª séries. O objetivo de suas aulas é a tentativa da participação de todos os alunos sem intencionar o rendimento de uma atleta, mas que eles entendam minimamente sobre a cultura do movimento praticado.
1.2 - Professor Gilmar - As certezas da atuação embasada na formação
Gilmar, graduado em Educação Física no ano de 1981, possui 25 anos na área escolar; desses, os últimos quatro anos são dedicados a docência na escola investigada. Enquanto aluno de Ensino fundamental freqüentou primordialmente a escola pública e sua formação acadêmica teve respaldo desportivo.
Justo por tal formação, ele ministra suas aulas para o esporte ou jogo objetivando promover participação competitiva de seus alunos em jogos escolares.
Apesar de ser aparentemente descontraído e comunicativo confessou que tem dificuldades em ceder no que diz respeito ao conteúdo de suas aulas. Entretanto, nos informou que não teria inconveniente em ceder sua aula para um colega /professor de outra disciplina. Ao final do diálogo acrescenta que não seria capaz de trabalhar com crianças que possuem necessidades especiais, em parte por não ter na sua formação uma adequação a essa problemática e por outro lado, devido ao seu modo de ser.
2 - Observações das aulas de educação física
Ao cruzar as entrevistas com nossas observações foi possível entender que a fala expressa pode retratar um desejo de ser ou de fazer, entretanto ao longo das ações é que se pode aproximar da espontaneidade dos fatos verídicos. Desse modo, alguns temas foram evidenciados nessa pesquisa de campo, destacando-se:
- O Esporte da/na Educação Física Escolar: durante as aulas foi nítida a presença dominante do esporte como conteúdo. Mesmo que os professores aleguem promover uma prática não direcionada a eficiência, mas sim, à saúde física-mental, integração/socialização, pautavam suas aulas no ensinamento de esportes e execução de jogos.
- Exclusão/auto-exclusão Versus Inclusão: foi possível ver que, em alguns momentos, durante a excitação do esporte/jogo os próprios alunos excluíam seus colegas, atitude justificada pelo limitado grau de habilidade de alguns. Ou ocorria, também, a auto-exclusão daquele aluno que naturalmente não participava das aulas julgando-se incapaz de executar as manobras de determinado esporte, às vezes afirmando não gostar da modalidade.
- Gênero - uma cultura internalizada: ao acompanharmos as aulas em quadra imediatamente observamos um mecanismo bastante automatizado. Os alunos vinham de suas salas para a quadra, acompanhados pelo professores, e se acomodavam numa mini-arquibancada, situada em uma das laterais da quadra, configurando grupos compostos por meninos e outro por meninas. Esse fato também se configurava na divisão dos grupos para realização das atividades.
Discussão
Essa pesquisa se apresentou em duas etapas: a) entrevista e b) observação. Por meio das entrevistas ficamos a par da história de vida e formação dos professores abordados, vislumbrando as raízes de suas atitudes no decorrer da carreira docente. Já as observações foram úteis para a compreensão vividas das falas, além do enriquecimento do estudo através de situações inusitadas. Segue a discussão oriunda dos dados coletados e analisados posteriormente.
Predominância de ações em determinadas fases da carreira docente
Na convivência de aproximadamente dois meses apreciamos dois sujeitos principais no que diz respeito ao nosso estudo. Estes carregam para um meio em comum, histórias de vida, formações, vitórias/fracassos que essencialmente os diferem e constroem modos de subjetivar particulares.
Segundo HUBERMAN (2000), independente da área pertencente a carreira profissional é delimitada por uma organização de seqüências, as quais não se estabelecem necessariamente em uma ordem rígida e definitiva.Tais seqüências se dispõem nas seguintes fases: exploração, estabilização, diversificação, serenidade, e finalmente o desinvestimento.
Não intencionamos estabelecer relação entre as fases identificadas por Huberman e nossos sujeitos identificados, mas ao acompanha-los pudemos perceber que talvez transitem em tais fases carregando a complexidade de suas formações, que se assemelham quanto ao conteúdo esporte, todavia se distanciam em seus objetivos.
Não gostaríamos aqui de elaborar uma comparaçãoentre os dois professores, visto que os sujeitos em questão seriam incomparáveis devido a proposta e época de formação. Entretanto, faz-se necessário divulgar que um deles se empenha por elevar o seu grau de liberdade sobre um sistema da Educação Física como uma prática previsível correspondente ao mero aprendizado esportivo, propõe um pensamento reflexivo à sua turma e se importa na qualidade do ser professor. Por vezes, este sofre dificuldades resultantes de uma formação sem a diversificação didática pleiteada na prática pedagógica inovadora, mas investe na informação e tentativa do novo.
Já o outro sujeito em questão, desfruta da autenticidade e constância de ações, não pretendendo "provar" algo sobre seu modo de agir ou pensar, além de expor uma interiorização de formas estabelecidas/rígidas, rejeitando discretamente o inovador.
Para nós fica claro que um deles acredita que já contribuiu, ao seu modo, com a prática docente da Educação Física, enquanto o outro sujeito ainda investe na diferenciação e qualificação do ser e como ser professor.
Subjetividades: transformação de conhecimentos
Ambos professores compartilhavam o mesmo espaço/tempo na execução de suas aulas, ou seja, duas turmas razoavelmente grandes sob a coordenação simultânea dos profissionais. Ressaltando que um deles já se estabelecia naquela comunidade há quatro anos e o outro professor permaneceria atuando naquele contexto por apenas um ano. Assim, podemos supor que ocorra uma sobreposição, devido à existência de uma representação social construída por todos que convivem naquele ambiente. Procedendo desta forma duas opções para a professora: a adaptação ou o embate.
Nós presenciamos o "conflito" da autoridade versus inovação, dois modos de subjetivar que não se adequaram. Assim as aulas de Educação Física passaram a realizar-se separadamente.
Segundo os professores, a escola havia sido reformada recentemente, mas não pensaram em ampliar o lugar apropriado as aulas de Educação Física. Sem muita alternativa a professora Cíntia tentou a utilização de um pátio, que se situava próximo as janelas das salas de aula. A movimentação inerente as aulas incomodou aos professores de outras disciplinas, levando a modificação da rotina por mais uma vez. A partir daquele momento as aulas se deram uma semana em sala e na outra em quadra.
Tal circunstância estimulou a novas tomadas de decisões. Apesar das diferenciações quanto a formação e objetivos nas práticas pedagógicas, ambos professores constituíram novas metodologias, aulas com conteúdos além do esporte ou da necessidade de se utilizar a bola como instrumento. Segundo Tardif (2000), se os professores são, efetivamente, sujeitos do conhecimento devem fazer, então o esforço de agir como tais, ou seja, o esforço de se tornarem atores capazes de nomear, de objetivar e de partilhar sua própria prática e sua vivência profissional.
Esporte x inclusão
Constatamos nessa pesquisa o reflexo de uma formação que constitui uma educação física acrítica, com ênfase no esporte, fato que acaba por provocar uma seleção, favorecendo o domínio do espaço e das ações pelos alunos ditos mais habilidosos. Tal constatação também foi relatada por DARIDO (1997) na pesquisa Educação Física na escola: Possibilidades e Limites.
Ainda coincidimos em outras conclusões tais como, a preocupação na inclusão de alunos de certa forma discriminados nas aulas. Tomamos como base, principalmente, as providências da professora Cíntia, que por várias vezes dialogava com seus alunos esperando estimular a integração entre todos acima do rendimento, por meio de atividades adaptadas, sem sobrepor a cultura da ação/aprendizagem esportiva. Assim, nossas percepções foram preenchidas por modos de subjetivar em prol da inclusão, originadas pelos professores, cada qual com as suas particularidades de ação e a existência da auto-exclusão automatizada, quando os próprios alunos desistiam de participar das aulas por não apreciar a modalidade esportiva ou por não sentir capacidade em executar tal atividade em alguns momentos ignorados e desestimulados pelos colegas.
Separação de gêneros - Um panorama histórico
Verificamos que a potencialização do afastamento entre alunos dos sexos femininos e masculinos era decorrente dos próprios alunos no cotidiano escolar. Confirmamos esse movimento quando os alunos chegavam a quadra acomodando-se na arquibancada, no ritual das filas antes do inicio das aulas ou para o canto do Hino Nacional e ainda na utilização da quadra durante o recreio.
Por diversas vezes percebemos a predominância de aproximação por gênero, uma delas foi no auditório onde os alunos assistiram a um filme sobre técnicas do basquete: os alunos se acomodaram separados por gênero, tal como ocorrera em quadra. Os meninos sentaram-se nas primeiras cadeiras e as meninas logo atrás. Trata-se de algo que internalizamos e apesar da construção dinâmica de identidades, em síntese perpetuamos com tal conduta.
Na tese Meninos à marcha! Meninas à sombra! (1994) fora abordado o princípio dos moldes da Educação Física brasileira. Os esportes eram aplicados conforme o sexo, as mulheres não praticavam o Judô e os homens por sua vez não participavam das aulas de ginástica rítmica, dança.
Atualmente a participação feminina foi intensificada nos diversos âmbitos sociais, como no futebol. Todavia, a separação dos gêneros nos remete a uma constância histórica, pois percebemos nas aulas de Educação Física que meninos geralmente executavam as atividades somente com meninos e as meninas por sua vez procediam da mesma forma.
Conclusão
Identificamos que a Educação Física na escola investigada, possui dificuldades quanto ao espaço físico e representativo. As estruturas não foram adequadas às novas necessidades, dificultando a execução das aulas com qualidade mediante a uma turma de aproximadamente sessenta alunos. No que diz respeito a sua representação ainda há a consideração de tais aulas serem direcionadas a recreação, brincadeiras que não propõe um objetivo significativo. E esse equívoco é proveniente de idéias daqueles que circundam a Educação Física escolar e também dos próprios professores.
Em se tratando das ações específicas ao professor nos deparamos com a falta de planejamento do curso de aula. Os professores investigados pensam sobre o que fazer, todavia não traçam sua ação respaldada em objetivos claros, expondo uma continuidade/conexão do trabalho, nem mesmo registram as possibilidades de práticas pedagógicas. Na lacuna existente em relação à formação dos sujeitos dessa pesquisa, percebemos que não há diálogo e sim a sobreposição por aquele participante de uma construção do meio com a cumplicidade dos demais atores. Deste modo, permanecemos sem conhecer as perspectivas inovadoras da Educação Física, pois nos satisfazemos com a exclusividade da prática esportiva.
Mesmo que digamos não considerar as aulas de Educação Física o tempo ideal para treinamento, deixa-se escapar momentos de identificação dos ditos mais habilidosos, promovendo uma seleção nítida realizada por professores e alunos.
As carências da formação podem potencializar um certo desequilíbrio da carreira profissional, haja vista a tendência em desvalorizar os saberes dos professores. Temos uma história carregada de significados pessoais e sociais, os quais acabam por direcionar o modo de subjetivar mediante as circunstâncias. Acreditamos que o grande desafio da formação seja repensar suas bases em concordância com os valores simbólicos e práticos da sociedade contemporânea amenizando os conflitos inseridos na comunidade escolar.
Obs. As autoras Simone Gonçalves e Almeida (simone_g_Almeida@yahoo.com.br) e Valéria da Penha Matedi Bufon (valeriamatedi@yahoo.com.br) são acadêmicas e a profa. Drª. Zenólia Christina Campos Figueiredo leciona na UFES e obtiveram o apoio da agência de financiamento CNPq FACITEC.
Referências
- André, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da prática escolar. Campinas, SP: Papirus, 1995
- Darido, Suraya Cristina; GALVÃO, Z. Educação Física na Escola: Possibilidades e Limites. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE Ciências do Esporte, 10., 1997, Goiânia-Goiás, Anais... Goiânia-Goiás: Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, 1997. v.1, p.311-316
- Gil, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1999
- Hguette, Teresa Maria Frota. Metodologias qualitativas na sociologia. 3ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992
- Huberman, Michael. O ciclo de vida profissional dos professores. In: Novoa, Antonio. Vida de Profesores. Portugal: Publicações Dom Quixote,2000.
- Souza, Eustáquia Salvadora de. Meninos, à marcha! Meninas, à sombra! A História do ensino da Educação Física em Belo Horizonte -1897/1994. Tese (Educação) Universidade Estadual de Campinas - Faculdade de Educação - 1994
- Tardif, Maurice. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários: elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas conseqüências em relação à formação para o magistério. Revista Brasileira de Educação, 2000.
- Trivinos, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987
- Veiga-Neto, Alfredo. Currículo espaço e subjetividade: a arquitetura como programa. 2ª ed. RJ: Editora DP&A, 2001.