Resumo
O esporte passa historicamente por um processo de apropriação social e cultural que o vinculou a diversos benefícios e potencialidades, bem como a uma possível capacidade de resolução de problemas sociais. Esse processo estabeleceu um elo entre a política e o esporte, que passou a ser concebido como um bem público, e a sua oferta passou a ser associada à garantia do bem-estar social, justificando e impulsionado a elaboração de políticas esportivas. Esses possíveis benefícios se estenderam ao esporte de elite, o que justificou a crescente preocupação do Estado com a elaboração de políticas e o direcionamento de recursos a ele. Não diferente de outros países, o Brasil passou a desenvolver políticas de desenvolvimento do esporte de elite. Como uma dessas ações, em 2004, foi implementada a política de financiamento ao atleta – Programa Bolsa-Atleta – com o objetivo de permitir que os atletas tivessem tranquilidade financeira para se dedicarem ao esporte e melhorarem os níveis competitivos, desenvolvendo o esporte de alto rendimento. Embora a literatura e os relatórios institucionais desenvolvidos tenham demonstrado a importância do programa para o contexto brasileiro, eles apontaram fragilidades que poderiam impedir o alcance dos resultados esperados pelo programa. Entre tais fragilidades, destacou-se principalmente a defasagem nos valores concedidos pelo programa e sua relação com o atendimento dos objetivos propostos. A partir do levantamento de dados preliminares na literatura, estabeleceu-se como hipótese que o Programa Bolsa-Atleta adquire, ao longo dos anos, a característica de uma política de Welfare no esporte, que atua como uma fonte de renda não primária, subsidia os atletas no custeio de determinadas despesas da prática esportiva, viabiliza a manutenção destes no universo competitivo, estimula o bem-estar do atleta, mas que não se caracteriza, por si próprio, como uma política de desenvolvimento de performance esportiva. Nesse sentido, traçou-se como objetivo de pesquisa identificar, a partir da análise documental e pela percepção de atletas, se o Programa Bolsa-Atleta, concebido como a uma política de desenvolvimento do esporte de alto rendimento, adquire, ao longo do tempo, a característica de uma política de Welfare no esporte. Este estudo, realizado a partir de um processo multipassos e com uma característica de pesquisa mista, utilizou recursos documentais e bibliográficos e efetuou a coleta de dados a partir de grupos focais (com a participação de 12 atletas) e de um questionário, medido com uma escala do tipo Likert (com 1.519 respostas validadas). O desenvolvimento da tese, por meio dos dados obtidos, corroborou a hipótese levantada. Isso porque, a relação entre os valores do benefício, que ao longo de período de execução se tornaram insuficientes e defasados, e o tempo de execução do pagamento afetam diretamente o planejamento dos atletas em relação aos treinamentos e às competições. Para além disso, os dados demonstraram que tais valores são insuficientes para que seja viabilizado aos atletas a possibilidade de dedicação exclusiva ou prioritária às atividades esportivas, o que interfere no tempo de treinamento e na escolha das competições a serem disputadas. Embora os dados apontem que o benefício tenha suprido uma lacuna no que diz à inexistência de financiamento aos atletas brasileiros, a ausência de processos de avaliação e de correção (policy cycle), ao longo de sua execução, levou o Programa a assumir características que o configuram como uma política de complementação de renda, o limitando a uma ação que permite a manutenção e reduz a evasão dos atletas do universo do esporte competitivo.