Integra

Introdução

O presente trabalho busca expor elaborações preliminares de um estudo a respeito do projeto Escolas-Referência do governo estadual de Minas Gerais e seus impactos para a educação física. O estudo em questão é uma monografia, em andamento, do curso de especialização em fundamentos teóricos metodológicos da EF escolar, da UFJF.

Neste trabalho serão apresentadas, de forma sucinta, algumas elaborações contidas no texto atual da monografia. Inicialmente serão apresentados os aspectos metodológicos que nortearam a pesquisa. A seguir, serão feitas algumas considerações sobre a reestruturação do capital e suas implicações para a educação. Dando prosseguimento, serão apresentadas algumas análises preliminares a respeito do projeto escolas-referência e sua relação com a política educacional mineira e, por fim, algumas aproximações acerca dos impactos deste projeto para a configuração da educação física.

Aspectos metodológicos

A pesquisa aqui apresentada não pretendeu ater-se a uma reflexão superficial, mas analisar os determinantes concretos desta nova configuração educacional para Minas Gerais. Deste modo, partiu-se da opção da dialética materialista histórica, sendo as indicações de metodologia provenientes das próprias categorias do método dialético.

Devido ao fato deste estudo buscar estudar a proposta Escolas - Referência e seus impactos na Educação Física para além de sua manifestação fenomênica, objetivando alcançar sua essência, a opção pela dialética materialista como método de análise demonstra-se necessária, pois a dialética é "a reprodução espiritual e intelectual da realidade é o método do desenvolvimento e da explicitação dos fenômenos culturais partindo da atividade prática objetiva do homem histórico". ( KOSIK, 1995: 39).

A opção feita neste estudo é mais do que apenas uma opção metodológica, pois como explicita Frigotto (2000), a dialética materialista é ao mesmo tempo uma concepção de mundo; um método de investigação, permitindo uma apreensão radical da realidade e uma práxis, na busca de superação e transformação no plano do conhecimento e no plano da realidade histórica

Deste modo, a partir da análise da inter-relação do caso mineiro com a política educacional que tem sido implementada no Brasil e na América Latina, o estudo buscou identificar quais relações o projeto Escolas-Referência estabelece com a política educacional mais ampla que está sendo implementada neste estado e quais são seus impactos para a Educação Física, buscando desvendar o papel desta disciplina no projeto educacional mineiro e construir possibilidades de resistência política e pedagógica.

Para tal, o estudo foi dividido em dois momentos, um de análise da proposta Escolas-Referência no interior da política educacional mineira e outro de análise da implementação e desenvolvimento do mesmo projeto, com enfoque nas repercussões para a Educação Física. O primeiro momento do estudo foi concentrado na revisão de fontes bibliográficas e na análise de documentos relativos à atual política educacional mineira e ao projeto Escolas- Referência. O segundo momento, configurado como um estudo de caso, foi realizado em duas escolas estaduais de Juiz de Fora que foram escolhidas para aplicação do projeto. Foram utilizadas como fonte de coleta de dados: planos, relatórios e entrevistas semi - estruturadas com os sujeitos envolvidos.

A reestruturação do capital e suas implicações para a educação e para a educação física

Vivemos um tempo de novos ajustes estruturais que estabelecem, dialeticamente, no plano superestrutural, um conjunto de novas determinações fundamentais para construção desse novo estágio de organização social, envolvendo o trabalho, bem como a própria vida. Dentro dessas novas exigências destaca-se o processo de formação humana, particularmente aquele construído no espaço escolar.

Frente ao contexto de crise da economia deflagrado entre a década de 70/80, o capitalismo passa a sofrer uma reestruturação político-econômica e uma reorganização da produção. A exigência dessa nova configuração econômica pela atual crise do sistema capitalista traz como necessidade a adoção de políticas de ajuste, de forma global - as políticas neoliberais - apresentadas como essenciais para a internacionalização da economia.

Diversos estudos no campo da educação, dentre os quais podemos mencionar o de Gaudêncio Frigotto (1996), analisam que as soluções apresentadas pelos liberais à mais nova crise do capital foi a criação de um Estado forte no controle e mínimo quanto às políticas sociais que rompesse com o poder dos sindicatos, incentivasse os grandes agentes econômicos, promovendo a criação de um grande exército de reserva, aumentando a exclusão social e submetendo-se à lógica de livre mercado. Pode-se evidenciar este fato através das reformas em curso no Brasil, como as reformas da previdência, sindical e trabalhista.

Segundo Ricardo Antunes (2001), a resposta para crise foi uma ofensiva capitalista contra a classe trabalhadora, visando uma reestruturação da forma de produção e do trabalho.

A implementação de novas tecnologias na produção desencadeou um processo, como mostra Tomas Gounet (1999), de reorganização da base técnica do trabalho, de acordo com o novo paradigma produtivo. Deste modo, tem-se início à substituição do paradigma fordista, pautado na divisão do trabalho, na produção em série e em massa, para o modelo toyotista baseado nos princípios da Qualidade Total e da acumulação flexível.

Esta mudança paradigmática traz, segundo Lúcia Neves (2000), a necessidade de formar um novo trabalhador com os requisitos exigidos para a sociabilidade na nova organização do trabalho e da produção, adaptado à reconfiguração social.

Segundo Acácia Kuenzer (1999), há uma alteração nos processos de formação humana de acordo com as novas formas de organizar o trabalho e as novas relações de produção que passam a exigir do trabalhador novas competências.

Neste intuito a escola tem sido utilizada como um espaço estratégico. De acordo com Frigotto (2001), a função econômica da escola passa a ser a formação para a empregabilidade ou a formação para o desemprego. Sendo que, no âmbito das concepções, a pedagogia empresarial passa a constituir-se em política oficial, ganhando relevo perspectivas individualistas - centradas em velhas noções: competências, habilidades, ensino modular; bem como, em novas noções: empregabilidade e qualidade total.

Nesta nova configuração, a educação é incumbida a formar competências como capacidade de abstração, comunicação, criatividade, prontidão para aprender entre outras. Dentro disto, as disciplinas ditas básicas são privilegiadas, em detrimento a outras disciplinas que sofrem certa desvalorização, como é o caso da EF.

O projeto escolas-referência no interior da política educacional mineira: Análises preliminares

A reestruturação do capital via mundialização da economia e expansão das políticas neoliberais trouxeram implicações para o delineamento das reformas educacionais propostas para a América Latina nos anos 90. De acordo com Roberto Leher (1998), sob a égide do Banco Mundial, objetivando um deslocamento da ideologia do desenvolvimento para a ideologia da globalização, a educação dos países periféricos tem sido inscrita nas políticas de alívio à pobreza, adequando-se à divisão internacional do trabalho e mascarando as contradições advindas da exclusão estrutural.

No caso brasileiro tal fenômeno pode ser evidenciado por diversas ações concretas e materializado em diversos ajustes e estratégias estruturais do ensino, como por exemplo: LDB, PCNs, Diretrizes Curriculares para o ensino Médio, Diretrizes Curriculares para o ensino Superior, Diretrizes Curriculares para o ensino médio e mecanismos de controle do produto do trabalho pedagógico.

No caso de Minas Gerais pode-se perceber que essas novas exigências e esse novo discurso têm promovido um conjunto de mudanças no sistema público de ensino. A nova política educacional, iniciada na década de 90, permitiu, de acordo com Tommasi (1996), que o Banco Mundial considerasse Minas Gerais um estado paradigmático para todo Brasil.

A partir de 2003, com o lema de economizar e modernizar, o governo de Minas Gerais iniciou a implementação de uma Reforma administrativa neste estado, anunciada sob o título Choque de Gestão: Pessoas, qualidade e inovação na gestão pública. (MINAS GERAIS, 2005.a). Ao lado da reforma administrativa são lançadas novas proposta pedagógicas que buscam reestruturar o sistema educacional, apresentando-se sob um discurso sedutor como inovadoras e eficientes.

Dentro deste quadro, o governo de Minas Gerais, no mandato Aécio Neves (2003/2006), elaborou um documento visando orientar as políticas educacionais deste estado ao longo dos quatro anos de governo. De acordo com Minas Gerais (2003), na perspectiva de superar os desafios impostos para a elevação da qualidade do ensino é apontada, entre outras políticas, a política de universalização e melhoria do ensino médio.

Como um dos programas da política acima referida, foi apresentado em 2004 o projeto Escolas - Referência, com o objetivo de elevar o nível e excelência das escolas públicas de MG, optando por investir mais em um número reduzido de escolas selecionadas pelo seu potencial de crescimento, a fim de que estas apresentem rapidamente os resultados.

De acordo com o documento da Secretaria Estadual de Educação que apresenta o projeto Escolas-Referência, as escolas escolhidas serão "as escolas que se destacam pela qualidade do trabalho realizado, especialmente aquelas que evidenciam uma postura empreendedora no seu âmbito de atuação - desenvolvendo projetos bem sucedidos na solução de problemas educacionais relevantes (...) Essas escolas já possuem uma característica fundamental de uma escola - referência: a capacidade de investir no próprio desenvolvimento, o que as torna potencialmente capazes de contribuir para o desenvolvimento do sistema, desde que fortalecidas e colocadas em interação com as demais." (MINAS GERAIS, 2005.b:02)

Nas duas escolas escolhidas para estudar a implantação do referido projeto foram encontrados programas de formação continuada para os professores (Projeto de desenvolvimento profissional de educadores), grupos de pesquisa e trabalho, além de recebimento de um financiamento diferencial para execução de projetos elaborados. Embora os relatos dos professores revelem que este financiamento é escasso.

Um ponto muito destacado nas entrevistas feitas com os professores que participam do projeto, quanto ao salário dos mesmos, é que apesar destes terem sua carga de trabalho aumentada, não há remuneração extra. Percebemos aqui, uma superexploração do trabalhador docente.

A proposição e implementação do projeto Escolas-Referência - ao escolherem as escolas que merecem um maior investimento e apoio, criando realidades distintas num mesmo sistema educacional - ajusta-se a uma tendência de construção na escola pública de uma nova visão, baseada nos princípios e valores da lógica privada. Como aponta Geraldo Leão (1999), de forma indireta e implícita, assistimos a utilização de diversas estratégias para a invasão da lógica privada no espaço escolar, com sua ênfase no mercado, no individualismo e no consumismo.

No projeto Escolas-Referência, o princípio de qualidade do ensino público para todos cede lugar para uma qualidade selecionada, meritocrática, de acordo com o potencial de rendimento da escola/aluno. Outro fator que precisa ser destacado é o empreendedorismo, apontado como grande solução para os problemas do sistema educacional mineiro. Vale lembrar que este é um conceito vigente na atual reestruturação do mundo do trabalho, ao lado das novas competências e da empregabilidade.

Impactos do projeto escolas-referência na ef: primeiras aproximações

Nas escolas onde o projeto está sendo aplicado, estão sendo apresentadas novas propostas curriculares para as disciplinas. No caso da educação física, a proposta, apesar de apresentar alguns avanços, segue a linha dos PCNs, dividindo os conteúdos em conceituais, procedimentais e atitudinais. Sendo que as finalidades da educação física são elaboradas com base nos quatro pilares propostos pela UNESCO para a educação no século XXI: aprender a conhecer e a perceber; aprender a conviver; aprender a viver e aprender a ser cidadão. Os objetivos propostos para a educação física são pautados no desenvolvimento de competências e habilidades.

Outro ponto que movimenta a EF é a resolução de N.º 753 de 06 de Janeiro de 2006, através da qual Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais propõe uma nova organização curricular a ser implementada nos cursos de ensino médio das unidades de ensino integrantes do projeto Escolas - Referência. Esta organização apresenta uma estrutura comum a todas as modalidades de ensino, a saber: no 1º ano, obrigatoriedade do ensino dos conteúdos básicos comuns; no 2º ano, obrigatoriedade de ênfase curricular em áreas de conhecimento: ciências humanas ou ciências da natureza; no 3º ano, obrigatoriedade de ênfases curriculares em áreas específicas de conhecimento: ciências humanas, ciências exatas ou ciências biológicas. A opção por determinada área de conhecimento exclui do currículo disciplinas pertencentes às outras áreas, com exceção de português e matemática que aparecem em todos os anos. As disciplinas artes e educação física estão presentes apenas no 1º ano.

Além desta reorganização curricular trazer mudanças profundas na concepção de educação para o ensino médio, ela parece confirmar a tese que afirma uma secundarização imediata da educação física na escola pública. De acordo com Nozaki (2004), sob o ponto de vista imediato, a educação física é secundarizada no projeto pedagógico dominante, formador do trabalhador de novo tipo. No entanto, é possível afirmar que esta disciplina integra-se ao projeto dominante a partir de outras mediações. A EF permanece e é valorizada na educação das classes médias e, sobretudo, da classe burguesa, sendo oferecida como artigo de luxo e atuando como um distintivo de classe.

Por outro lado, os professores das escolas pesquisadas revelaram o recebimento de um kit para as aulas de educação física, contendo diversos materiais, totalizando 75 itens. Além do oferecimento de um curso de formação continuada para os professores de educação física que fazem parte do projeto.

Portanto, permanecendo em aberto, este estudo traz à tona algumas questões: seria o projeto Escolas-Referência uma exacerbação do dualismo educacional, construindo maior qualidade de ensino em algumas escolas, selecionadas pelo seu potencial de crescimento? ou, o que é mais assustador, estas escolas estariam servindo como porta de entrada para uma reestruturação do sistema educacional mineiro, tendo por base uma educação terminal e desqualificada para as camadas populares? e a educação física neste projeto, tem maior ou menor importância?

Considerações finais

O estudo, ainda em andamento, visou socializar uma reflexão acerca do projeto Escolas-Referência da rede estadual de Minas Gerais, identificando uma penetração de princípios da lógica privada e da esfera do mercado neste sistema público de ensino. Quanto à educação física, percebe-se que esta vive uma contradição dentro das Escolas-Referência, por um lado recebe maior financiamento, no que se refere à materiais e à formação de professores, por outro é praticamente descartada no ensino médio, o que mostra sua secundarização no projeto de formação humana proposto pelo governo de Minas Gerais.

A partir da reflexão dos problemas levantados neste estudo, busca-se pensar, coletivamente, formas de resistência política e pedagógica à este projeto, contribuindo com a defesa da escola pública e com a presença da educação física no currículo em todos o níveis de ensino, por ser esta uma disciplina indispensável à compreensão da realidade complexa e contraditória.

Obs. A autora professora Renata Aparecida Alves Landim (renatalandim@hotmail.com) leciona nas redes Municipal de Juiz de Fora e Estadual de Minas Gerais e na UFJF

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