O projeto esporte vai à escola: um projeto de extensão universitária
Por Antônio Carlos Vaz (Autor).
Em V EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
Uma leitura da educação física e do esporte como conteúdo
A Educação Física, embora componente curricular obrigatório desde a década de 30 (Lucena, 1994), somente nos anos 90, como fruto do consumo das produções críticas dos anos 80, é que começa a surgir, ainda em pontos isolados e, conseqüentemente, de forma insipiente, novas perspectivas para as intervenções dos professores de Educação Física, lançando um novo olhar para a escola e aos desafios que são postos a ela.
A Educação Física, historicamente e de modo genérico, jamais esteve comprometida com uma educação emancipatória, social, política, do aluno. No processo de formação de professores raramente se discutia a importância do papel do educador, principalmente numa perspectiva crítica, voltada para a transformação social (CARMO, 1985). Nas escolas, poucos professores parecem se preocupar com a contribuição da Educação Física dentro de um amplo processo de formação do indivíduo crítico.
Em geral, a Educação Física é vista exclusivamente como sinônimo de Esporte e, como tal, vislumbram a perspectiva de descobrirem novos talentos esportivos, de montarem grandes equipes representativas. Não que não seja legítima a participação da escola em jogos escolares, absolutamente, entretanto, o que é inaceitável é a exclusão da maioria das crianças das aulas de Educação Física a fim de se privilegiar os treinos dos alunos selecionados para as equipes representativas.
O problema central de acreditar-se na tese acima descrita é os professores entenderem que com esta ênfase estarão contribuindo para a formação do caráter, ajudando os alunos a se tornarem mais "disciplinados", a se manterem longe das drogas e da violência urbana. Todas estas "finalidades", apontadas por boa parte dos professores e da população, não passam de uma retórica vazia de conteúdo e cheia de componentes ideológicos, que vêem a Educação Física como um instrumento que poderá, por si só, "salvar" os adolescentes pobres das periferias, encaminhado-os para uma vida mais produtiva (e conformada), como se a violência e as drogas fossem fenômenos motivados pela ociosidade.
Aos que aceitam o discurso acima como verdadeiro, cabe responder: de que maneira o professor, através de suas aulas, consegue operar essas transformações nos indivíduos? Em que momento e em qual situação se dá a aprendizagem de novos conceitos sociais que propiciará ao aluno a consciência e um novo padrão de comportamento social?
Temos razões para duvidar deste caráter transformador do esporte quando não vemos uma ação deliberada, intencional, do professor que não procura potencializar os momentos de educação social (Kunz, 2000), que menospreza os instantes em que os alunos podem ser submetidos a discussões que buscam a superação de conflitos internos (Gadotti, 1998), que não fomenta a participação dos alunos na construção da aula, que não cria um ambiente democrático, dialogal (Taffarel, 1993), que não trabalha com componentes como ética, honestidade, solidariedade, entre outros. A prática esportiva, na ausência efetiva do professor, caminhará no sentido de alcançar os valores presentes no esporte de alto como o vencer a qualquer preço, o estímulo ao uso da violência, da desonestidade, da malandragem, desenvolvendo desta maneira comportamentos sociais incompatíveis com uma sociedade fraterna, solidária, democrática de fato.
Fundamentados nas teorias críticas da educação (SAVIANI, 1998) adotamos uma Educação Física pautada em três competências: instrumental, social e comunicativa (PALAFOX, 1999; KUNZ, 2000), essenciais para uma pedagogia que busca a superação das relações de subordinação de classe, de gênero e de raça, que estimule de forma direta a participação ativa dos indivíduos nas tomadas de decisões.
A proposta
O projeto foi aplicado na Escola: EE Capitão Sérgio Paulo M. Pimenta, escola que pertence à 10ª Diretoria de Ensino da capital (Leste 2), no Itaim Paulista, extremo Leste de São Paulo, durante os meses de outubro e novembro de 2000
Considerando-se as características sócio-econômicas dos alunos e, ainda, as condições físicas e materiais da escola, elaboramos um planejamento de aulas a fim de explorar as ricas possibilidades de aprendizagem social concomitantemente ao desenvolvimento das potencialidades motoras.
A Educação Física é, dentre todas, a disciplina do currículo escolar que mais pode contribuir para a aprendizagem social, visto tratar-se de uma disciplina onde as relações inter-pessoais estão permanentemente presentes e, nestas relações, transparece de maneira clara os conflitos, as tensões, as contradições sociais, os interesses antagônicos e, essas, são oportunidades singulares para a introdução de conceitos como ética, honestidade, justiça e democracia. Em momentos oportunos de uma aula, o professor será capaz, através de estratégias específicas, de dar vida a estas questões, problematizando os conflitos que emergirem durante a aula, realçando, assim, o aprendizado social.
Esta abordagem metodológica não diminui a preocupação com a competência instrumental ou técnica, absolutamente, ela igualmente visa capacitar os alunos para uma vida ativa, seja para o Esporte/Lazer, seja para as suas necessidades cotidianas.
Esta proposta foi aplicada em uma turma de escolares (5ª série) a partir de uma ação conjunta entre a Escola Estadual Capitão Sérgio Paulo M. Pimenta e o GRUPO de ESTUDOS das "PEDAGOGIAS DAS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS ESPORTIVAS" do curso de Educação Física da Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL).
Nossa proposta era construir jogos que comportassem papéis diversificados que envolvessem todos os alunos, independente de sua condição física ou de sua habilidade motora. Enfim, os papéis deveriam ser criados/modificados de acordo com a realidade e a intenção dos alunos. A participação efetiva de todos foi um importante foco de preocupação.
Buscamos enfatizar a importância da cooperação, de preferência a cooperação voluntária. Marx (1984) distingue a cooperação natural da cooperação voluntária. A natural é aquela necessária, onde o sujeito não tem outra alternativa, como trabalhar em uma linha de produção. Neste caso parece não haver cooperação espontânea, ele apenas faz parte de um modelo de produção alienado e cumpre rigorosamente a parte que lhe cabe no conjunto desta produção. Já na cooperação voluntária aparece o desejo, a intenção da cooperação como um ato de amor, de solidariedade, de fraternidade, que o engrandecerá como homem, enquanto que na natural há uma cooperação instrumental, necessária para se atingir um determinado objetivo, e que, em geral, não engrandece o homem no sentido do Ser, mas, talvez, no sentido do Ter. E a mim, parece que a cooperação presente no esporte assemelha-se mais à cooperação natural, porque em havendo possibilidade de concretização de uma determinada ação ofensiva sem que seja necessária a participação de outros, certamente o sujeito desta ação assim o fará. Em algumas modalidades esportivas como o voleibol, por exemplo, é absolutamente imprescindível a cooperação natural, uma vez que a própria regra institucionalizada do esporte assim o exige, já para os esportes coletivos que possibilitam determinadas jogadas sem a necessidade da participação dos companheiros, como o futebol e o basquetebol, a cooperação não é absolutamente necessária, no entanto é instrumental, o jogador a faz, única e exclusivamente, por conta de atingir melhores resultados e, assim, obter maiores vantagens pessoais.
Quanto ao uso de materiais procuramos pautar nossas atividades no menor número de recursos possíveis: 2 bolas de handebol; 20 bolas de borracha; 1 corda de 20 metros; 2 cordas de 10 metros e fitas para distinguirmos as equipes.
Relato
Antes de iniciarmos o projeto, visitamos a escola, conhecemos sua estrutura, bem como assistimos a uma aula da turma com a qual passaríamos a trabalhar. O professor trabalhava com o basquetebol como conteúdo, utilizando apenas meia quadra, a que possuía tabela com aro. Participavam da aula apenas os meninos; as meninas, agrupadas em pequenos grupos, ficavam ao lado da quadra conversando ou brincando de alguma coisa criada por elas mesmas, enquanto os meninos revezavam-se na quadra.
Esta dinâmica, segundo os alunos, era constante. As meninas eram geralmente alijadas das aulas por não enfrentarem os meninos e, ao que parece, o professor não se sentia incomodado e tampouco responsável por essa situação, talvez encare essa situação com natural!
Nossa atuação na escola teve a duração de 6 semanas. A dinâmica empreendida no projeto consistia em: 1) planejar a aula discutindo o conteúdo e as preocupações didático-pedagógicas segundo nossas referências bibliográficas; 2) aplicação da aula com gravação em VHS e produção de relatórios críticos pelos alunos do GRUPO de ESTUDOS sobre a aula; 3) discussão da aula anterior, baseado nos relatórios e elaboração da aula seguinte tentando superar os problemas detectados na aula anterior.
A dinâmica empreendida, por se tratar de um projeto aberto, foi nos levando a temas que não imaginávamos inicialmente, como as questões psicológicas, tanto de aprendizagem como de atenção, de compreensão.
Havia uma grande dificuldade de concentração por parte dos alunos; pareciam extremamente dispersos. Havia uma grande dificuldade em estabelecermos uma boa comunicação com as crianças, o que nos trouxe preocupações de outra ordem. Ao propormos uma brincadeira, os alunos pareciam brincar sozinhos, mesmo em grupo eles não conseguiam perceber o outro, e só conseguimos dar um sentido à mesma quando mostramo-nos interessados em saber quem será o último a ser pego???
As questões de aprendizagem social foram mais difíceis que esperávamos, a dificuldade de comunicação com as crianças nos levou a aplicar um questionário para os conhecer melhor, para sabermos, inclusive, sobre o grau de alfabetização dessas crianças (5ª série).
PESQUISA ESCOLAR - UNICSUL
Nome: _______________________________________________________Idade_____
1) Quantos irmãos você tem?_______
2) Em quais horários você brinca? Manhã* Noite*
3) Onde você costuma brincar? Dentro de casa* No quintal* Na rua* Na escola*
3) Com quem você costuma brincar? Irmãos* Vizinhos* Sozinho* Outros________
4) Do que você mais gosta de brincar?........................................................................
Durante a aplicação do questionário, pudemos observar a dificuldade de muitos alunos em preenchê-lo. A partir desta constatação passamos a nos preocupar com a linguagem utilizada. Vários foram os momentos em que tentávamos explicar algo e quando eles entendiam diziam: - Ah, por que o senhor não falou que era tal coisa? Referindo-se a algo que todos conheciam e que poderia ter simplificado nossas explicações.
O questionário aplicado visava descobrir o repertório da cultura de movimentos dos alunos para contribuir com a construção de um novo programa de educação física.
Considerações finais
Foi uma experiência valiosa, tanto para o professor, coordenador do projeto, quanto para os alunos de graduação envolvidos no trabalho. Puderam perceber como se dá a construção de um plano de ensino e como este se conflita com a realidade. Ressaltamos ainda o caráter aberto dos enfrentamentos sociais numa aula de educação física e a necessidade da preparação dos futuros professores com base numa consistente formação humanística, crítica e emancipatória.
Ao final, a expressão de uma aluna foi emblemática:
"Nunca as meninas puderam participar das aulas de Educação Física, foi muito bom, voltem o ano que vem!"
Obs.
O autor, professor Ms. Antonio Carlos Vaz, é professor da UNICSUL/SP
Referências bibliográficas
Carmo, Apolônio A. Educação Física: competência técnica e consciência política em busca de um movimento simétrico. Uberlândia-MG: Universidade Federal de Uberlândia, 1985.
Kunz, Elenor. Transformações didático-pedagógicas do esporte. 3 ed. Ijuí/RS: Unijuí, 2000.
Lucena, Ricardo de F. Quando a lei é regra: um estudo da legislação da Educação Física escolar brasileira. Vitória/ES: UFES/CEFD, 1994.
Marx, Karl. A ideologia alemã. São Paulo: Moraes, 1984.
Palafox, Gabriel H. M. e Col. Jogo e agir comunicativo: construindo uma estratégia de ensino na Educação Física Escolar no contexto do Pctp da SME/UDI/MG. Anais do XI Conbrace. Florianópolis, 1999.
Saviani, Dermeval. Escola e democracia. 33 ed. Campinas/SP: Autores Associados, 2000.
Taffarel, Celi N. Z. Concepção de Aulas Abertas em Educação Física: discussão de pressupostos em relação a fins e objetivos à luz da realidade brasileira. Motrivivência, Aracajú/SE: UFSE, Ano IV, n.4, p. 41-47, jun./1993.