Integra
Desde que me conheço por gente o primeiro dia do ano é marcado por promessas dos mais variados níveis: de pactos para emagrecimento à busca dos sonhos impossíveis, já ouvi de tudo. Agora com as redes sociais pude constatar que a loucura de se prometer o impossível de ser cumprido é muito maior do que eu podia imaginar. Sem contar que será inevitável: depois do dia primeiro virá o dia 2 de janeiro… e a vida continua. E ainda vaticino: o mundo não acabará, embora os arautos do apocalipse insistam nessa paranóia! Provavelmente no dia 12 de dezembro os mais espertos verão seus ganhos aumentarem substancialmente prometendo o Paraíso (que não é o bairro próximo ao começo da Av. Paulista, em São Paulo), o Nirvana (com ou sem Kurt Cobain) ou simplesmente a vida eterna.
Mas, 2012 para mim tem um significado especial por ser ano olímpico. Incrível pensar que já se passaram quase 4 anos do final dos Jogos Olímpicos de Pequim. Ainda lembro o impacto daqueles 5 minutos que os organizadores dos Jogos de Londres tiveram para apresentar uma dose sintética da idéia do que ocorreria em 2012: o ônibus de dois andares, um dos maiores símbolos da capital inglesa, e de repente, não mais que de repente, ouvi Whole Lotta Love, um clássico do Led Zeppelin. Chapei! Estariam as tradições sendo postas a prova, justamente na terra onde grande parte das tradições contemporâneas foram criadas? Se considerarmos o Movimento Olímpico em si como uma tradição inventada em grande parte pelos ingleses no final do século XIX, 2012 poderia significar a busca de uma reinvenção ou resignificação do Olimpismo. Antes que alguém me corrija sobre a criação dos Jogos Olímpicos por Pierre de Coubertin recomendo a leitura de suas obras completas onde ele fala de forma melancólica a importância e o papel que os ingleses exerceram para a estruturação do Movimento Olímpico e o que isso representou para questões como o amadorismo e o profissionalismo na estrutura olímpica entre outras coisas. Estrategista que era ele sabia que não podia prescindir do apoio dos inventores do esporte moderno, tanto no que se referia a organização institucional do esporte amador, dos gentlemen, do esporte profissional que se referia a uma prática corporal de movimento daqueles que trabalhavam para ganhar a vida. Ao optar pelos aristocratas amadores Coubertin fez uma escolha que determinou os rumos do esporte olímpico que hoje temos e que cerca a vida de nossos atletas até o presente.
Mas, quando vi aquela apresentação em Pequim e, algum tempo depois, o logotipo pós-moderno que rompeu com os paradigmas olímpicos, tive a impressão de que mais algumas surpresas poderiam ocorrer em 2012.
O fato de Sebastian Coe estar à frente do Comitê Organizador ajudou a reforçar essa impressão. Estariam os atletas ocupando de fato e de direito o protagonismo que marcou suas vidas competitivas e que deveria ser dignamente aproveitado na vida pós-atleta?
Agora que chegamos a 2012 vejo que meu otimismo não contava com todas as voltas que o mundo podia dar nesses últimos 4 anos, nem a crise que assola o mundo e, particularmente, o continente europeu. Londres se esmera em produzir Jogos que entrem para a história como politica-ambiental-e-socialmente correto. E aí também se observa a tentativa em alterar o curso de uma história que perpetuou tradições, colocando a aristocracia à frente da organização de uma atividade humana que desde sempre deveria ser para todos, mas que privilegiou os semelhantes, fosse na prática competitiva ou no comando das instituições fomentadoras do esporte.
Mas, como canta Lulu Santos, “eu vejo a vida melhor no futuro; eu vejo isso por cima do muro; de hipocrisia que insiste em nos rodear”.
Quero crer, depois das muitas denúncias de corrupção que envolveram esses mesmos dirigentes aristocratas que, EM TESE, seriam os guardiões dos ideais e valores olímpicos, que vivemos momentos de resgate daquilo que moveu e motivou alguns em um momento em que o mundo precisava de liberdade, igualdade e fraternidade. Entendo que a busca pelo envolvimento dos atletas nas atividades fins do Olimpismo é uma forma de se pagar essa dívida que o esporte tem para com seus heróis, afinal, não há olimpismo sem o esporte praticado por esses seres humanos fora da média que tornaram-se o símbolo vivo de um estar-no-mundo. Entendo que a luta de classes que separou ricos e pobres da prática olímpica no começo do século XX possa de fato ser superada nesse século XXI. Afinal, embora o movimento olímpico tenha sempre se manifestado contra o racismo, nunca conseguiu se posicionar claramente contra a discriminação de classe social. E assim os mais pobres, fossem eles indivíduos ou países, historicamente ocuparam papéis de coadjuvantes em uma festa marcada pelo glamour dos poderosos.
E os atletas brasileiros, em sua grande maioria, se viram ao longo desses quase 100 anos de participação olímpica nessa posição. No século passado éramos, primeiro, o país latino-americano, sub-desenvolvido que tinha a pretensão de ser tão importante e imponente quanto seu território fazia supor, mas que não contava com mais do que algumas poucas dezenas de atletas em sua delegação. Depois, passamos a ser um país em desenvolvimento, que no cenário olímpico provou isso multiplicando sua delegação nos últimos 20 anos, sem apresentar, porém, os resultados esperados para uma nação com essa proporção.
E agora, começado esse ano de 2012, com o mundo em crise, a representação brasileira chegará aos Jogos Olímpicos representando uma nação respeitada por sua potência territorial, econômica e por uma democracia, com problemas sabemos todos, mas que busca seu próprio estilo de se posicionar no mundo. Nem melhor, nem pior que os outros. Apenas diferente.
Não acredito que estaremos entre as 10 potências olímpicas ainda esse ano. Isso não se dá por acaso, vontade própria ou por decreto. Assim como ocorre com o cultivo de qualquer plantação é preciso preparar a terra, escolher bem a semente, o adubo, torcer para que não chova muito, nem pouco. Colaborar com a natureza buscando toda tecnologia de que se dispõe e que ainda podemos aprimorar. E aí sim, teremos uma ótima colheita. Se quisermos medalhas olímpicas, símbolo da excelência do esporte em um país, é preciso cuidar de todo esse processo, ou mais uma vez iremos aos Jogos para fazermos outros brilharem.
Se já superamos a condição de emergentes em outras esferas é hora de fazermos isso também no esporte. Pena eu não ter visto em nenhum perfil do facebook nesse dia primeiro de janeiro resoluções de ano novo que se referissem a determinação em fazer mais investimentos no esporte, com planejamento de longo prazo e demais condições que favorecessem o lugar que o Brasil deve, por obrigação, ocupar em 2016.
E, para fechar, volto a Lulu Santos que vê um novo começo de Era; de gente fina, elegante e sincera; com habilidade pra dizer mais sim do que não. Se tivermos isso, de fato, e não apenas como resolução de ano novo, talvez cheguemos a Londres para ser protagonistas, e não coadjuvantes, desse que deve ser o grande espetáculo desse ano.
Por katiarubio
em 2-01-2012, às 2:09
2 comentários. Deixe o seu.
Muito bom professsora, nos faz pensar e refletir com outros olhares!
bj
Obrigada Adriana
Um ótimo 2012
Por Adriana Marques
em 2-01-2012, às 9:52.
explendido texto para começarmos 2012 Prof. Katia.
aprecio seu entusiasmo e conto contigo Renato
Por Renato Emilio
em 2-01-2012, às 11:32.