O que um jogo de futebol nos ensina sobre nossa sociedade
Por João Batista Freire (Autor), Rafael Moreno Castellani (Autor).
Resumo
Poderíamos iniciar este texto lamentando a baixíssima qualidade técnica do jogo disputado sábado passado, dia 30/1/2021, entre Palmeiras e Santos, partida final da principal competição sul-americana. Poderíamos lamentar, também, o infeliz ato do, ótimo, treinador santista que, ao tentar retardar o reinício da partida, foi expulso por, na opinião do árbitro, gerar uma confusão em campo. Mas não... os fatos que realmente temos a lamentar são outros.
Inicialmente, não há como deixar de externar a imensa irresponsabilidade (para não usar outro termo mais “forte”) dos gestores do futebol brasileiro e sul-americano. Talvez influenciados pelo mais irresponsável (também para não usar outros termos mais fortes e que seriam mais apropriados para tal sujeito) dos gestores do nosso país, o atual presidente do Brasil, dirigentes do futebol brasileiro e sul-americano passaram por cima da lei e das mais de 1.000 mortes diárias por Covid-19 para convidar cerca de 5.000 torcedores a assistirem presencialmente o jogo no estádio do Maracanã. Políticos (inclusive o prefeito de São Paulo, que decretou o fechamento de todos os serviços não essenciais na cidade de São Paulo, mas foi ao Rio de Janeiro para acompanhar o jogo nas arquibancadas), ex-atletas, dirigentes e milhares de outros torcedores se aglomeraram nas arquibancadas do Maracanã para ver o jogo. Fala-se em 5 mil torcedores, mas a farra foi tão grande (nos pareceu muito maior pelas imagens da TV) que até cambistas foram notados nos arredores do estádio.
Fora do estádio, também foi muito fácil tomar conhecimento de inúmeros episódios de desrespeito às milhares de pessoas mortas nas últimas semanas e às recomendações dos órgãos competentes de manter-se em isolamento, longe de aglomerações. Em um rápido passeio de carro pelas cidades, foi possível notar bares lotados de pessoas reunidas para acompanhar as partidas pelos telões. Em um breve “passeio” pelas redes sociais, notou-se, também, a convocação de churrascos e encontros de amigos e/ou parentes para assistir ao jogo na casa de um deles.
Ainda fora do estádio, já finalizada a partida e conhecida a equipe campeã, milhares de torcedores se aglomeraram nas ruas para comemorar o título conquistado! As cenas chegam a ser até assustadoras, de tão lamentáveis.
Todos os acontecimentos são pedagógicos, com maior ou com menor intensidade; ensinam ao seu modo. Os acontecimentos grandiosos são grandiosamente pedagógicos. O que acontece antes, durante e após uma partida, dentro e fora do estádio, ensina. O futebol por seu entranhamento fortíssimo na cultura brasileira tem um poder extraordinário de ensinar. E a partida entre Palmeiras e Santos, pela final da Libertadores, ensinou muito, infelizmente, mais para o mal que para o bem. Foi um acontecimento assistido por milhões de pessoas de todas as idades; os mais vulneráveis e influenciáveis a essa pedagogia proporcionada por esse grande espetáculo são os mais jovens, mais flexíveis.
Pois bem, a partida entre os dois finalistas sul-americanos ensinou que mais importante que a vida, era aquele jogo. Ensinou que não há mal em aglomerar pessoas durante a pandemia, porque há alguma coisa mais importante que preservar-se da doença, isto é, uma partida de futebol. Ensinou que as autoridades responsáveis pelo futebol, em suas federações e confederações, não se sentem com qualquer responsabilidade para advertir a população do perigo que é se expor ao vírus, porque, afinal, uma partida de futebol é mais importante que a vida. Ensinou que a imprensa especializada no futebol não precisa se preocupar com a preservação das vidas, alertando para o perigo das aglomerações, dentro e fora do campo, pois, afinal, a partida entre Santos e Palmeiras era mais importante que a vida. Ensinou que algo que mexa fortemente com nossas emoções é capaz de superar a necessidade de evitar a contaminação desse vírus mortal. Portanto, ensinou que, não só a partida entre Santos e Palmeiras justificou expor-se ao vírus (e talvez milhares de pessoas tenham sido infectadas nos bares, estádio, casas de família etc.), mas também qualquer outra coisa que julguemos igualmente importante justificará a exposição ao vírus. Assim que parte da população deixou os cuidados de lado para assistir à partida, ela recebeu mais um aval de que não é necessário cuidar de si e dos outros.
Nosso presidente da república, acima de tudo e de todos, desde o início da pandemia de Covid-19 incentiva a população a descuidar-se quanto ao vírus (e incentivar o descuido, é diferente de não incentivar o cuidado). Ele é acompanhado nisso por inúmeras outras autoridades. E as autoridades responsáveis pelo futebol, por ocasião da final da Libertadores, sem usar as mesmas palavras, fizeram coro ao presidente: “Isso mesmo, saiam às ruas, aglomerem-se, não deixem de ir ao estádio ou ao boteco com seus amigos ver a partida. Afinal, precisamos dar vasão às nossas emoções e tocar a economia.”
Essa é a sociedade, parte dela, na verdade, que coloca a vida de cada um e a de todos que estão a sua volta em perigo para assistir um jogo de futebol (sim, temos total consciência que não se trata de um “simples jogo”) e/ou comemorar uma conquista. O que essa partida mais nos ensinou sobre nossa sociedade é que uma pandemia e milhares de mortes em decorrência dela podem ser esquecidas já que há outra doença, tão perigosa quanto a Covid19, que parece ter contaminado todos, sem falar da submissão à lógica do capital e da necessidade de preservar a economia: a falta de empatia e solidariedade e uma tremenda dose de egoísmo.
Integra
Poderíamos iniciar este texto lamentando a baixíssima qualidade técnica do jogo disputado sábado passado, dia 30/1/2021, entre Palmeiras e Santos, partida final da principal competição sul-americana. Poderíamos lamentar, também, o infeliz ato do, ótimo, treinador santista que, ao tentar retardar o reinício da partida, foi expulso por, na opinião do árbitro, gerar uma confusão em campo. Mas não... os fatos que realmente temos a lamentar são outros.
Inicialmente, não há como deixar de externar a imensa irresponsabilidade (para não usar outro termo mais “forte”) dos gestores do futebol brasileiro e sul-americano. Talvez influenciados pelo mais irresponsável (também para não usar outros termos mais fortes e que seriam mais apropriados para tal sujeito) dos gestores do nosso país, o atual presidente do Brasil, dirigentes do futebol brasileiro e sul-americano passaram por cima da lei e das mais de 1.000 mortes diárias por Covid-19 para convidar cerca de 5.000 torcedores a assistirem presencialmente o jogo no estádio do Maracanã. Políticos (inclusive o prefeito de São Paulo, que decretou o fechamento de todos os serviços não essenciais na cidade de São Paulo, mas foi ao Rio de Janeiro para acompanhar o jogo nas arquibancadas), ex-atletas, dirigentes e milhares de outros torcedores se aglomeraram nas arquibancadas do Maracanã para ver o jogo. Fala-se em 5 mil torcedores, mas a farra foi tão grande (nos pareceu muito maior pelas imagens da TV) que até cambistas foram notados nos arredores do estádio.
Fora do estádio, também foi muito fácil tomar conhecimento de inúmeros episódios de desrespeito às milhares de pessoas mortas nas últimas semanas e às recomendações dos órgãos competentes de manter-se em isolamento, longe de aglomerações. Em um rápido passeio de carro pelas cidades, foi possível notar bares lotados de pessoas reunidas para acompanhar as partidas pelos telões. Em um breve “passeio” pelas redes sociais, notou-se, também, a convocação de churrascos e encontros de amigos e/ou parentes para assistir ao jogo na casa de um deles.
Ainda fora do estádio, já finalizada a partida e conhecida a equipe campeã, milhares de torcedores se aglomeraram nas ruas para comemorar o título conquistado! As cenas chegam a ser até assustadoras, de tão lamentáveis.
Todos os acontecimentos são pedagógicos, com maior ou com menor intensidade; ensinam ao seu modo. Os acontecimentos grandiosos são grandiosamente pedagógicos. O que acontece antes, durante e após uma partida, dentro e fora do estádio, ensina. O futebol por seu entranhamento fortíssimo na cultura brasileira tem um poder extraordinário de ensinar. E a partida entre Palmeiras e Santos, pela final da Libertadores, ensinou muito, infelizmente, mais para o mal que para o bem. Foi um acontecimento assistido por milhões de pessoas de todas as idades; os mais vulneráveis e influenciáveis a essa pedagogia proporcionada por esse grande espetáculo são os mais jovens, mais flexíveis.
Pois bem, a partida entre os dois finalistas sul-americanos ensinou que mais importante que a vida, era aquele jogo. Ensinou que não há mal em aglomerar pessoas durante a pandemia, porque há alguma coisa mais importante que preservar-se da doença, isto é, uma partida de futebol. Ensinou que as autoridades responsáveis pelo futebol, em suas federações e confederações, não se sentem com qualquer responsabilidade para advertir a população do perigo que é se expor ao vírus, porque, afinal, uma partida de futebol é mais importante que a vida. Ensinou que a imprensa especializada no futebol não precisa se preocupar com a preservação das vidas, alertando para o perigo das aglomerações, dentro e fora do campo, pois, afinal, a partida entre Santos e Palmeiras era mais importante que a vida. Ensinou que algo que mexa fortemente com nossas emoções é capaz de superar a necessidade de evitar a contaminação desse vírus mortal. Portanto, ensinou que, não só a partida entre Santos e Palmeiras justificou expor-se ao vírus (e talvez milhares de pessoas tenham sido infectadas nos bares, estádio, casas de família etc.), mas também qualquer outra coisa que julguemos igualmente importante justificará a exposição ao vírus. Assim que parte da população deixou os cuidados de lado para assistir à partida, ela recebeu mais um aval de que não é necessário cuidar de si e dos outros.
Nosso presidente da república, acima de tudo e de todos, desde o início da pandemia de Covid-19 incentiva a população a descuidar-se quanto ao vírus (e incentivar o descuido, é diferente de não incentivar o cuidado). Ele é acompanhado nisso por inúmeras outras autoridades. E as autoridades responsáveis pelo futebol, por ocasião da final da Libertadores, sem usar as mesmas palavras, fizeram coro ao presidente: “Isso mesmo, saiam às ruas, aglomerem-se, não deixem de ir ao estádio ou ao boteco com seus amigos ver a partida. Afinal, precisamos dar vasão às nossas emoções e tocar a economia.”
Essa é a sociedade, parte dela, na verdade, que coloca a vida de cada um e a de todos que estão a sua volta em perigo para assistir um jogo de futebol (sim, temos total consciência que não se trata de um “simples jogo”) e/ou comemorar uma conquista. O que essa partida mais nos ensinou sobre nossa sociedade é que uma pandemia e milhares de mortes em decorrência dela podem ser esquecidas já que há outra doença, tão perigosa quanto a Covid19, que parece ter contaminado todos, sem falar da submissão à lógica do capital e da necessidade de preservar a economia: a falta de empatia e solidariedade e uma tremenda dose de egoísmo.