Integra

Dentre as muitas boas lembranças que guardo da infância as competições esportivas ocupam o topo de minhas preferências.

Esporte e escola faziam uma dobradinha perfeita, tipo queijo com goiabada, arroz com feijão, sanduiche de mortadela com tubaína. Os limites do meu corpo foram explorados nas muitas atividades que a escola me proporcionou, fosse como a baliza da fanfarra, como ginasta ou jogadora de voleibol. Isso mesmo, foi ali na escola que eu descobri precocemente o que era ser desafiada a buscar um resultado que muitas vezes estava fora do meu limite.

Quando estava na 5ª série fui selecionada para participar de provas de atletismo no campeonato colegial. Eu tinha apenas 9 anos e frequentava a Escola Estadual de 1º grau Pasquale Peccicacco. Minha professora inesquecível se chamava Maria Keiko Morinaga e ousava nos treinar com a rigidez de uma técnica asiática.

Foi com ela que aprendi a controlar o medo e a ansiedade em um momento de stress sem igual. Estávamos na pista de atletismo do Ibirapuera e eu iria correr a prova de velocidade. Não lembro exatamente se era 100 metros ou uma distância um pouco menor em função da minha idade. Fato é que ao pisar na pista e olhar para a arquibancada eu pensei que fosse desmaiar. Atenta aos meus movimentos ela se aproximou e perguntou o que eu estava sentindo. Quase sem respirar disse a ela que eu sentia meu coração na boca, ao que ela respondeu: então, engula e vá.

Muitas outras vezes na vida eu senti essa mesma sensação. Provas, concursos, exames, bancas, conferências e aquela sensação estava ali. O coração na boca a me fazer lembrar que independentemente da passagem do tempo e da experiência adquirida com os anos de atividade profissional há momentos em que o sistema nervoso autônomo assume o comando, e não há força que controle o descontrole causado pelo medo.

Feliz de quem teve o esporte para simular essa sensação de limite. E para isso não é preciso estar em uma seleção nacional participando de uma competição internacional. As competições escolares tinham o poder de transformar um “simples” jogo de bairros rivais em um clássico capaz de levantar a multidão formada por colegas de sala e de outras turmas.

Não bastasse isso, foi por meio do campeonato colegial que eu pude sair do meu bairro e conquistar a cidade de São Paulo. Vencida a fase regional íamos ao DEFE, na Água Branca, ao Pacaembu ou ao Ibirapuera e as fronteiras se deslocavam junto com nosso time. Conhecíamos outras escolas e tudo o que elas representavam para suas comunidades. Nossas camisetas brancas, com números desenhados com fitas adesivas coloridas, pareciam de fato modestas diante de escolas abastadas que chegavam com suas atletas vestidas com abrigos confeccionados sob medida e com nomes e números bordados, sem contar as sacolas com bolas de couro, sem costuras. Um luxo só.

O que quero dizer com isso é que a vivência da competição na escola é uma experiência significativa capaz de desencadear escolhas que nos acompanham para o resto da vida. Ela não é privilégio dos mais habilidosos. Longe disso. Ela é um direito de toda a comunidade escolar. Professoras e professores que educam pelo esporte sabem o que é se dedicar ao longo de um ou mais anos a um grupo de meninas e meninos para alcançar um objetivo que está relacionado com a busca de um resultado. Daí nasce a compreensão da excelência, do respeito e da igualdade. O resultado não precisa necessariamente ser a vitória. Pode simplesmente ser a sensação de sentir do coração na boca e engolir, síntese do controle e da capacidade de superação.

Que as olimpíadas estudantis da cidade de São Paulo continuem a promover esse aprendizado. Isso faz parte da educação com E maiúsculo.