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Introdução

O esporte é tratado por vários autores como um fenômeno sócio-cultural, pelo fato dele estar inserido historicamente na sociedade e estarmos em constante contato com ele, observando jogos televisionados, jornais, clubes, praças esportivas, etc., podendo considerá-lo como um patrimônio da humanidade. Conforme alguns autores, como Paes (2002) e Tubino (2002), que estudam este fenômeno, ele pode se manifestar de diversificadas formas, apresentando características diferentes quanto ao local, público e objetivo. Os autores sinalizam para um esporte direcionado para a competição, o esporte com objetivos recreacionais, o esporte desenvolvido no interior da escola. Com o esporte a ser trabalhado em um ambiente formal de ensino (escola) é que temos o intuito de direcionar este estudo, procurando focar especificamente a modalidade esportiva voleibol, identificando algumas propostas metodológicas para sua aplicação no ensino fundamental.

O esporte é um importante conteúdo das aulas de Educação Física, sendo inclusive na época do governo militar, praticamente o conteúdo exclusivo desta disciplina. Neste período as aulas de Educação Física tinham o objetivo de desenvolver o rendimento físico, treinamento de gestos esportivos, detecção de talentos, dando prioridade aos alunos com maiores habilidades motoras, deixando em segundo plano aqueles que não apresentavam tais características (DARIDO, 2003).

A elaboração desta pesquisa justifica-se pelo fato de procurarmos avançar em propostas metodológicas que trabalhem a modalidade esportiva voleibol na escola, com a preocupação da participação e aprendizagem de todos, independente de diferenças de níveis de habilidades motoras, altura, peso, sexo, etc.

Para esse estudo, conforme Marconi e Lakatos (2003), faremos uso da técnica da pesquisa bibliográfica, utilizando as fontes bibliográficas do tipo de publicações, encontradas em livros, artigos, publicações avulsas, etc. Procuraremos, a partir da análise de trabalhos que ofereçam um tratamento pedagógico para esta modalidade esportiva dentro do ambiente formal de ensino, apontar para algumas possibilidades educacionais. Especificamente, o objetivo dessa pesquisa é apresentar sugestões para o profissional de Educação Física escolar desenvolver o voleibol em suas aulas, na perspectiva predominantemente procedimental dos conteúdos.

Propostas metodológicas

Em um trabalho de análise do esporte dentro da escola, Paes (2002) destaca quatro problemas de sua aplicação, que prejudicam o desenvolvimento deste conteúdo nas aulas de Educação Física, sendo eles: a prática esportivizada, que seria a realização de movimentos de diversas modalidades esportivas, sem uma definição dos objetivos do ambiente escolar; a prática repetitiva de gestos técnicos em diferentes níveis de ensino, tratando-se da realização dos mesmos exercícios em diversas séries do ensino; a fragmentação de conteúdos, relacionado à falta de organização, estruturação e continuidade do conteúdo a ser trabalhado; e por fim a especialização precoce, que é determinada pelo alcance de resultados em curto período, fazendo com que o aluno se especialize em determinados movimentos, ao invés de uma diversificação de ações motoras.

Para contrapor estes problemas detectados, Paes apresenta alguns fatores que seriam determinantes para dar ao esporte escolar um tratamento pedagógico: inicialmente o entendimento do esporte como um fenômeno sócio-cultural, agindo como uma ferramenta para o processo educacional e estando inserido no projeto pedagógico da escola; a sistematização de conteúdos, ou seja, estruturar e organizar o conteúdo para que a aprendizagem aconteça de forma progressiva; a consideração aos diferentes níveis de ensino, relacionado ao oferecimento de atividades compatíveis ao desenvolvimento dos alunos; a diversificação, possibilitando aos alunos o aumento do seu repertório motor e oferecendo a vivência em variadas modalidades esportivas, para que eles inicialmente aprendam estas modalidades e possam escolher na sua vida extra-escolar uma prática que venha de encontro aos seus interesses.

Freire e Scaglia (2003) apontam para três temas quando se referem ao conteúdo esporte na escola: jogos pré-desportivos, atividades de fundamentação dos esportes e esportes com bolas. Os jogos pré-desportivos são jogos preparatórios para a aprendizagem dos esportes, e propõem a sua utilização da terceira até a sexta série. Para as atividades de fundamentação do esporte, os autores não teorizam a sua aplicação, apenas sugerem algumas atividades, que pelos exemplos mencionados, podemos observar que são brincadeiras da cultura popular, como pular corda, pega-pega, queimada, entre outros, incluindo a manipulação de bolas, de tamanhos e materiais diversos, devendo ocorrer entre a quarta e oitava séries. Quanto aos esportes com bolas, tratam-se dos esportes coletivos convencionais e dos adaptados, que através da utilização da bola, integram um grupo de alunos para a busca de um objetivo em comum, acontecendo a partir da quinta-série em diante. Os autores ressaltam que o procedimento pedagógico para o trabalho das técnicas esportivas devem envolver primordialmente atividades lúdicas e não se direcionar para o treinamento esportivo.

Paes (2001) em seu trabalho de utilização do esporte como conteúdo pedagógico dentro do Ensino Fundamental, apresentou uma proposta para quatro modalidades coletivas (basquetebol, futebol, handebol e voleibol). Para estruturação, organização e definição de conteúdos, é proposto a divisão em fases, tendo: pré-iniciação (1ª e 2ª séries), iniciação I (3ª e 4ª séries), iniciação II (5ª e 6ª séries) e iniciação III (7ª e 8ª séries). A proposta não se baseia em trabalhar cada modalidade esportiva em uma fase, ou a cada bimestre desenvolver uma destas modalidades, mas sim, respeitando a faixa etária, para cada fase, o autor define os conteúdos a serem trabalhados, sempre vindo de encontro com as características das modalidades esportivas vivenciadas anteriormente. Na pré-iniciação o conteúdo a ser trabalhado é o domínio do corpo e a manipulação de bola; na iniciação I o passe, a recepção e o drible; já na iniciação II o enfoque se dá nas finalizações e nos fundamentos específicos; e por último na iniciação III as situações de jogo, a transição e os sistemas ofensivos e defensivos.

O autor salienta que cada fase serve de pré-requisitos para um bom desenvolvimento das fases subseqüentes, e que este trabalho foi direcionado para quatro esportes coletivos; isto não implica que um planejamento escolar não deva ser ampliado para um número maior de modalidades esportivas, apenas neste momento, teve-se o objetivo de apresentar uma metodologia para se trabalhar o conteúdo esporte na Educação Física escolar.

Mesquita (1998) traz uma proposta pedagógica para o ensino do voleibol, onde primordialmente faz sinalizações para a utilização do jogo, por interpretar que ele é um instrumento fundamental para a aprendizagem, devido a fatores como o prazer e motivação que proporciona.

Porém, a autora destaca que o jogo realizado na iniciação não deve ser o formal de 6x6 com a dimensão padrão, pois há uma constante quebra na sua seqüência, devido à dificuldade de manutenção da bola no alto, tornando o número de contatos do aluno muito pequeno, fator prejudicial para a aprendizagem. Para ela, uma estratégia é a execução do "jogo reduzido", que seria a diminuição do espaço de jogo, como também o número de jogadores. Os "jogos reduzidos" poderão variar de 1x1, 2x2, 3x3, 4x4, possibilitando maiores contatos dos alunos com a bola, menores percursos da mesma, seqüência das ações do jogo, interação entre os integrantes da equipe; propiciando como conseqüências aumento da motivação, melhores condições para realização de gestos técnicos e ações coletivas.

Para a autora é importante o professor detectar que nível de jogo o seu grupo está apresentando, pois facilitará para estruturação de novos procedimentos pedagógicos. Ela destaca que os níveis e as suas características não retratam um planejamento de treinamento em voleibol, mas sim, na perspectiva de ser trabalhado no ambiente escolar, respeitando tanto o tempo de escolaridade obrigatório, como a carga de horas da disciplina Educação Física. Outro fator observado por Mesquita (1998) é que: "Os níveis constituem apenas comportamentos padrões referenciados a determinados momentos do jogo, o que quer dizer que na prática podem surgir situações híbridas (não deve constituir "receita")" (p.159).

Os níveis de jogo apresentam-se como: jogo estático, jogo anárquico, consecução rudimentar dos três toques e consecução elaborada dos três toques.

Bayer (1994) apresenta uma proposta que vai contra o ensino separado das variadas modalidades coletivas, direcionando para uma junção destas modalidades, surgindo o ensino dos jogos desportivos coletivos. Esta proposta se contrapõe a uma pedagogia tradicional (mecanicista) muito utilizada em toda a história do processo de ensino e aprendizagem, com os objetivos voltados primeiramente para a aquisição de gestos técnicos específicos de cada modalidade esportiva e posteriormente a utilização destes gestos no jogo. O autor defende a idéia de uma "pedagogia das intenções", onde cada aluno apresenta a sua intenção individual, chamada na situação de jogo de "intenção tática"; destacando que em situações de jogo, o aluno terá uma enorme quantidade de estímulos, agindo intencionalmente para atingir os seus objetivos e conseqüentemente favoravelmente às metas da sua equipe.

Encontramos na bibliografia outros autores que defendem a idéia do ensino dos jogos desportivos coletivos, como Garganta (1998) que destaca dois pontos fundamentais no desenvolvimento desta metodologia: a cooperação, que dentro da equipe deve apresentar grandes níveis de eficiência para se atingir os objetivos comuns; a inteligência, entendendo-a como "a capacidade de adaptação a novas situações" (p.12), ou seja, o jogo vai propiciar situações variadas e diferentes a todo o momento e cabe ao aluno buscar respostas compatíveis para resolução dessas situações-problemas.

Graça (1998) também defende a proposta de uma fusão das modalidades esportivas coletivas para desenvolvimento desta metodologia, destacando que a utilização do jogo possibilita a aprendizagem das habilidades dentro de um referencial de habilidades abertas, ou seja, ocorre uma imprevisibilidade de sua aplicação, dependendo das inúmeras variáveis que podem se apresentar durante a realização dos jogos.

Para o autor, a aprendizagem não deve ter prioridade na repetição de movimentos isolados, caracterizando, desta forma, as habilidades como fechadas, pois não retrata as reais necessidades encontradas para sua realização, fator que só se manifestará com o aluno estando inserido em um jogo.

Considerações finais

Torna-se significante ressaltar que, para aplicação das aulas de Educação Física, conforme Brasil (1998), é importante também abrangermos as dimensões conceituais e atitudinais do conteúdo, porém neste estudo, devido ao espaço atribuído para sua estruturação, estamos nos concentrando essencialmente na dimensão procedimental.

Baseados em autores analisados na revisão da literatura é possível destacar aspectos do ensino do voleibol. Procuraremos apontar para determinados procedimentos pedagógicos, que poderão facilitar o processo de ensino e aprendizagem da modalidade esportiva:
- Promover uma sistematização dos fundamentos do voleibol, distribuindo-os pelas séries de ensino: quinta e sexta séries - fundamentos básicos da modalidade: saque por baixo, manchete e toque; sétima e oitava séries - utilização dos fundamentos anteriormente aprendidos e introdução aos movimentos mais complexos como saque por cima, cortada e bloqueio.

- Concomitantemente aos fundamentos, poderá ocorrer o ensino de sistemas de jogo: sexta e sétima séries - sistema de jogo simples (6x0); sétima e oitava séries - sistema de jogo 4x2, com a necessidade de todos vivenciarem as diversas funções no jogo.
- Inserir os primeiros contatos com os movimentos específicos da modalidade relacionando-os com jogos e brincadeiras da cultura popular.

- Realizar os jogos reduzidos (mini-vôlei) essencialmente nas duas primeiras séries do ensino fundamental II, para além de tornar a aprendizagem mais prazerosa, propiciar um melhor desenvolvimento do jogo, com alterações nas regras, tendo um espaço menor e com menos integrantes na equipe, facilitando os deslocamentos e aumentando a possibilidade do número de contatos de cada aluno com a bola.

- Utilizar diversificadas formas de jogos, estimulando o aluno ao constante entendimento da dinâmica da modalidade esportiva, possibilitando que ele: entenda a necessidade de cooperação entre os integrantes do grupo para que o jogo apresente uma melhor organização; possa resolver os problemas exigidos pelo jogo, tanto nos aspectos individuais, como coletivos.

Com estas sugestões, utilizando o referencial bibliográfico deste estudo, temos o objetivo de apontar caminhos para o professor de Educação Física desenvolver a modalidade esportiva voleibol no ambiente escolar. Procuramos basear-nos em Paes (2001) para apresentar uma pequena sistematização do conteúdo da modalidade, como também garantir a sua continuidade durante a progressão escolar. Referimo-nos a Freire e Scaglia (2003) para promover uma interação entre a aprendizagem de gestos específicos da modalidade com jogos e brincadeiras populares, pois poderá se tornar mais significante a aprendizagem havendo uma interação entre atividades que os alunos já conhecem com a introdução de novos movimentos. Temos uma grande afinidade com as idéias de Mesquita (1998), quando propõe o uso dos jogos reduzidos, diminuindo tanto o espaço como o número de alunos na equipe, propiciando um melhor

desenvolvimento do jogo. Concordamos com Bayer (1994), Garganta (1998), Graça (1998), quando eles defendem a aprendizagem pelo jogo, pois entendemos que a simples repetição de movimentos possa ser importante em momentos específicos, porém se torna essencial a utilização dos jogos para aprendizagem do voleibol, pois eles propiciam o entendimento das características da modalidade, possibilitam a constante imprevisibilidade, favorecem ao aluno o desenvolvimento de raciocínios que poderão facilitar a resolução de problemas ocorrentes no jogo, encontrando caminhos mais apropriados para as respostas, como também, apresentando uma organização coletiva adequada.

Procuramos nesta pesquisa, colaborar com propostas para aplicação da modalidade esportiva voleibol nas aulas de Educação Física. Não temos o objetivo de esgotar o assunto, mas sim estimular uma reflexão sobre a prática pedagógica do professor, pois entendemos que há necessidade de um maior aprofundamento nos estudos relacionados à estruturação e forma de desenvolvimento deste conteúdo no ambiente escolar.

Obs. Os autores André Luís Ruggiero Barroso (al.barroso@uol.com.br) é aluno e Suraya Cristina Darido (surayacd@rc.unesp.br) é professora, ambos da UNESP - Rio Claro

Referência bibliográfica

  • Bayer, C. L’enseignement des jeux sportifs collectifs. Paris: Vigot, 1994.
  • Brasil - SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC / SEF, 1998.
  • Darido, S. C. Educação Física na escola: questões e reflexões. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003.
  • Freire, J. B.; SCAGLIA, A. J. Educação como prática corporal. São Paulo: Scipione, 2003.
  • Garganta, J. Para uma teoria dos jogos desportivos colectivos. In: GRAÇA, A; OLIVEIRA, J. (Ed.). O ensino dos jogos desportivos. 3ª edição. Universidade do Porto, 1998. p. 11-25.
  • Graça, A. Os comos e os quandos no ensino dos jogos. In: GRAÇA, A; OLIVEIRA, J. (Ed.). O ensino dos jogos desportivos. 3ª edição. Universidade do Porto, 1998. p. 27-34.
  • Lakatos, E. M.; MARCONI, M. de A. Fundamentos de metodologia científica. 5ª edição. São Paulo: Atlas, 2003.
  • Mesquita, I. O ensino do voleibol. Proposta metodológica. In: GRAÇA, A; OLIVEIRA, J. (Ed.). O ensino dos jogos desportivos. 3ª edição. Universidade do Porto, 1998. p. 153-199.
  • Paes, R. R. Educação Física escolar: o esporte como conteúdo pedagógico do ensino fundamental. Canoas: Ulbra, 2001.
  • ¬¬¬__________. A pedagogia do esporte e os jogos coletivos. In: ROSE JR., D. de (org.). Esporte e atividade física na infância e na adolescência. Porto Alegre: Artmed, 2002. p. 89-98.
  • Tubino, M. J. G. Uma visão paradigmática das perspectivas do esporte para o início do século XXI. In: GEBARA, A. [et al]; MOREIRA, W. W. (Org.). Educação física & esportes: perspectivas para o século XXI. 9ª edição. Campinas: Papirus, 2002. p. 125-139.