Obdulio Varela, o Chefe Celeste
Integra
No Brasil, o futebol talvez seja o esporte coletivo mais individual que conhecemos. Os grandes jogadores têm salários maiores, patrocínios próprios, chuteiras sob medida. Só faltou o camarote exclusivo no vestiário. Calma. Daí seria demais, né! Mas a realidade é que, no Brasil, futebol profissional é cada um por si e a torcida por todos. Esta máxima vale inclusive pra seleção brasileira, até a torcida não ficar estressada, lógico. Todos sabemos o que uma vaia pode causar.
Mas há um jogador na história do futebol uruguaio que foge à regra. Falamos de Obdulio Varela. Obdulio era semianalfabeto. Se bem que pra época era comum jogadores sem formação escolar nenhuma, o que, em certa medida, segue até os dias atuais. Mas Obdulio tinha uma consciência de igualdade muito acima da média para uma categoria individualista. Uma infância pobre, coisa comum entre jogadores, foi de flanelinha a pedreiro. Do Montevidéu Wanderes foi convocado para a seleção Uruguaia. A partir daí, foi para o Peñarol, clube no qual jogou por 12 anos, conquistando seis campeonatos nacionais e se transformando num dos maiores ídolos do Carbonero.
Na Copa do Mundo de 1950 para além da tragédia que representou a derrota do selecionado brasileiro, o famoso Maracanazo, deixou historiais e personagens, sendo o próprio estádio do Maracanã um dos personagens da copa de 1950.
Em meio a muitos personagens emblemáticos, desde Barbosa, o goleiro negro que carregou toda a culpa da derrota brasileira, a Ghiggia, o atacante uruguaio que fez o gol do título Celeste. E entre estes personagens está o que ergueu a taça, um capitão dentro e fora de campo. Falamos de Obdulio Varela. Sob o apelido de “Negro” desde o início de sua carreira, teve que enfrentar o racismo durante todos os momentos. Mas nunca se calou sendo protagonista na luta por direitos coletivos. Não permitiu, por exemplo, que sua camisa estampasse patrocínio, afirmando ser uma nova forma de escravidão. “Antes, nós, os negros, éramos puxados por argolas no nariz. Esse tempo já passou”, disse ele pra justificar.
Obdulio foi líder sindical quando sequer existia sindicato dos atletas.
Em 1948, liderou uma das maiores greves de jogadores de futebol. Vale lembrar que, a exemplo do Brasil, o profissionalismo só havia chegado nos anos 1930 e pouco evoluiu desde então. Além disso, a lei do passe tornava o jogador refém dos clubes. Com isso, a possibilidade de exigir melhorias era quase nula.
A greve durou sete meses chegando até a Argentina. Os dois campeonatos nacionais foram paralisados. A pauta de reivindicações: salário mínimo e punição aos clubes por atraso de salário. Algo familiar?
Nelson Rodrigues disse que “Varela não atava as chuteiras com cordões, mas com as veias.”
Capitão da seleção uruguaia, foi ele que recebeu a taça de campeão mundial em 1950. Mas nunca escondeu seu constrangimento por calar mais de 200 mil pessoas. Sempre tratou o fato como triste apesar da conquista. Para combater as desigualdades no futebol, precisamos de mais Obdulios Varelas na América do Sul!