Integra

1º - Os obstáculos

Assim que cheguei à escola em 1998 tive a notícia da diretora que nunca havia observado naquele Ciep um planejamento realizado pôr um professor de Educação Física. O diálogo com o outro professor também não foi bom. Ao perguntar o objetivo de seu trabalho a resposta era o velho jargão de promover uma "iniciação esportiva", mas ao observar suas aulas percebi que nem este possível "objetivo " era buscado com o devido rigor. Ainda realizando nossa avaliação diagnose, comecei a questionar nossos estudantes. O que eles tinham aprendido nas aulas de Educação Física nos anos anteriores? Qual era a avaliação organizada pelo professor de Educação Física? E nos deparamos com mais obstáculos conforme alertado pela obra Coletivo de Autores (1). Seus depoimentos ao longo desses quatro anos demonstram e faz-me constatar que as aulas de Educação Física não existem. Na verdade o que existia eram propostas de atividades ( em geral somente esportivas e mais em específico o futebol ) onde quem quisesse poderia fazer e quem não quisesse poderia ficar sentado assistindo a aula. Constatei também que existe um imaginário em que a aula de Educação Física faz quem desejar. Lembro que nestes últimos 4 anos sempre trabalhei com turmas de 1º ano, ou seja, com estudantes que acabaram de concluir seu ensino fundamental. Esses fatos constatados construíram os respectivos obstáculos para a construção de nosso trabalho.

2º - Rompendo com os obstáculos e buscando criar uma nova cultura

Ao concluir minha graduação em 1997 acreditava nos princípios abordados pelo Coletivo de Autores. Porém para aquele momento histórico tive que fazer uso de outros instrumentos pedagógicos que não estão contidos nesta obra. A primeira atitude enquanto professor foi negar os fatos encontrados na minha avaliação diagnose(2). A primeira coisa a ser negada era que eu não sou professor de futebol. Isto provocou uma polêmica, uma tensão, principalmente entre os rapazes. A segunda coisa a ser negada era que naquela aula onde eu era responsável ninguém iria fazer qualquer coisa. Após comprovar toda uma situação desfavorável para encaminhar um trabalho apresentei às turmas de 1º ano o objetivo da nossa proposta de ensino-aprendizado: potencializar a autonomia. Expliquei também como seria realizada a avaliação: uma lista de checagem para acompanhar as retificações e as descontinuidades no processo de ensino- aprendizagem no ato de fazer. Isto representaria 50% da avaliação. E como não basta somente fazer, mas também é necessário ao sujeito saber as razões do que ele faz, os outros 50% seriam construídos por meio de explicações descritivas do que fora aprendido ao longo das aulas. E por fim o estabelecimento dos conteúdos que deveriam ser estudados. Aqui não houve chegada num consenso. Mesmo que dialogássemos , os rapazes não abriam mão de fazer futebol e as moças algumas querendo fazer qualquer "brincadeirinha", outras em não fazer aula, outras até propunham que eu "desse" um conteúdo para os rapazes e outro conteúdo para as moças. Com isto eu lhes perguntei: _ "em suas aulas de geografia, história, matemática, ou qualquer outra disciplina o professor ou professora trabalha um conteúdo com os rapazes e outra com as moças? A única resposta foi não. Com isto uma dificuldade consegui resolver, mas não conseguíamos chegar a uma definição do que seria estudado. Eu lhes havia colocado que poderíamos fazer uma luta, ginástica, dança e o esporte. Lembrei-os que ao longo dos três anos ,ali no ensino médio, eles iriam estudar esses quatro conteúdos e não somente o esporte. Comuniquei-os que estaria construindo um plano curricular para este processo de ensino aprendizagem, mas naquele primeiro ano eles não iriam fazer o esporte. Aqui a tensão aumentou. Esta decisão até hoje me faz repensar se a mesma é tomada pelo exercício da autoridade ou pelo exercício do autoritarismo? Com isto o primeiro conteúdo a ser desenvolvido foi uma escolha arbitrária minha. Começamos a trabalhar com a Ginástica, logo a seguir com as danças folclóricas e por fim com a luta. Para tanto tivemos que fazer uso de um instrumento de Ensino criticado pôr diversos professores de Educação Física, os velhos Ensinos propostos pôr Moston. Esta decisão foi tomada, porque me encontrava sozinho. Não tinha um outro professor para dialogar, não existia um coletivo, não existia na escola um projeto. A escola não era aquilo que desejava ser conforme havia estudado com Snyders.(3).

Com isto fui construindo minha prática pedagógica e criando uma cultura da existência da aula de Educação Física na escola. Ao longo deste ano de 1998 estivemos sozinhos. Porém, no ano de 1999, comecei a negar não só a história que nossos estudantes haviam construído ao longo de seus quatro anos, mas também a negar o que os outros professores de Educação Física faziam.
2.1 A construção de um plano curricular para educação física no Ciep 311

Numa reunião pedagógica ,destas que acontecem no início do ano, em que os professores, infelizmente, somente mudam a data do planejamento do ano anterior, nós professores de Educação Física nem isto poderíamos fazer, pois não tínhamos um planejamento.

Apresentei aos outros dois professores o nosso planejamento construído ao longo do ano anterior. Perguntei aos outros professores :

qual era o objetivo das suas aulas? Como que eles avaliavam? Qual era a finalidade da Educação Física na escola? Não houve resposta. Infelizmente um professor achou até enfadonho àquela reunião. Isto me fez até criticar o seu trabalho, pois dividíamos a nossa sala de aula ( trabalhávamos no mesmo dia). Isto me permitiu sugerir naquela reunião que não éramos "animadores" e sim professores. Isto causou maior polêmica, inclusive isto o fez se afastar das decisões do nosso plano curricular. Porém, uma outra professora, já com mais de dez anos como docente no ensino público, iniciou o debate comigo, mas especificamente quando afirmei que não éramos professor de esporte, e que deveríamos trabalhar outros conteúdos conforme sugerido pelo Coletivo de Autores. Com isto chegamos ao fim de nossa reunião negando a iniciação esportiva( diga-se deixar o estudante jogar futebol e dá presença, para as meninas), que deveríamos tentar construir uma ação pedagógica fundamentando-se no Coletivo de Autores, e iniciarmos um processo de reflexão das nossas ações diárias, e da nossa realidade. Com isto realizamos o seguinte plano curricular: 1º ano- Conteúdo Ginástica/ Dança Folclórica/ Lutas; 2º ano -Esporte/ Lutas; quanto ao 3º ano- não havíamos definido os conteúdos, nem os objetivos pois não trabalhávamos com esta série naquele ano.

Nas turmas de 1º ano sempre temos problemas quanto as presenças, pela recusa deles fazerem uma aula que não está tratando do esporte. Ao longo do processo quando eles percebem que há uma proposta de trabalho, de ensino-aprendizagem, os mesmos começam a trabalhar conosco. A outra professora ao trabalhar com uma turma que havia estudado comigo no ano anterior espantou-se, pois os mesmos compareceram quase que na sua totalidade na aula. Isto era um indicador favorável ao meu trabalho. Mas tínhamos ainda muito o que fazer, principalmente ter resistência com os estudantes do primeiro ano que vêm na sua totalidade afim de fazer qualquer coisa, segundo seu interesse, de acordo com o seu momento. Este imaginário construído nas aulas de Educação Física, constitui num obstáculo para quem deseja construir sua proposta de trabalho, seja em qualquer tendência das que foram construídas pela Educação Física desde a década de 80. Num trabalho anterior relatei outros obstáculos existentes na escola(4) , agora ao relatar nossas dificuldades internas de conhecimento e especificidade(5) da Educação Física acredito que nossas respostas, ou a melhora de nossas perguntas, estão sendo conquistadas.

Após estes 4 anos de trabalho, consigo observar que a realidade pode ser reconstruída. Que devemos enquanto educador constatá-la e se a mesma não for favorável as nossas idéias, nossos valores, devemos negá-la. Acredito que este deva ser um imperativo de ação básico para todo e qualquer professor ao buscar romper com os obstáculos construídos ao longo da história da Educação Física. Esses obstáculos devem ser negados. Urge a nós professores de Educação Física estarmos alerta a nossa tarefa de educar. Ainda estamos melhorando nossas perguntas a respeito da Educação Física escolar ao mesmo tempo em que o sentido de educar sofre diversas interrogações. Caminhar e estudar esses dois campos corresponde numa ação necessária para não deixarmos aos futuros professores de Educação Física tantas lacunas incompletas. Um depoimento de dois estudantes ainda me faz acreditar nessa reconstrução:

"Esse ano foi bastante puchado pois o professor cobrava muito a participação de todos os alunos. Nós estudamos alongamento, resistência e flexibilidade(...) o mais importante foi como nós trabalhamos em grupo. Essa foi a melhor parte. Nós estudamos danças folclóricas foram duas danças ensaiadas no decorrer das aulas. Essa pra mim e pro Vitor foi a pior parte pois eu achava que ia ser maior micão a quadra lotada e agente la no meio dançando mais ainda bem que não foi. E pra finalizar o ano nós tivemos algumas aulas de defesa pessoal com técnicas de finalização, quanto em pé, quanto no chão. Com teorias e chaves do jiu-jitsu."
( Flavio e Vitor, turma 1104, 28 de novembro de 2000.)

Obs. O autor, professor Ms. Carlos Henrique Ferreira Magalhães leciona na Rede Estadual do Rio de Janeiro

Notas

  1. "A partir de dados obtidos da observação sistemática das aulas de Educação Física verifica-se que a avaliação tem sido entendida e tratada (...), ou simplesmente, não é realizada." ( Coletivo de Autores, 1992,p.98-99).
  2. "A avaliação (...) com a função diagnóstica (...) constitui-se num momento dialético de avançar no desenvolvimento da ação, do crescimento para a autonomia, do crescimento para a competência"( Luckesi, 1995, p.35)
  3. "A escola poderia ser um dos locais privilegiados para a reconciliação entre o conhecimento e o amor" ( Snyders, 1996,p.94)
  4. Magalhães ,Carlos Henrique Ferreira. Possíveis Implicações dos Atuais Estudos Curriculares para Educação Física Escolar . Anais do IV Enfefe. 2000. P.119-121.
  5. Para aprofundamento deste tema acredito que seja necessário a leitura do artigo de SOARES, Carmém Lúcia. Educação Física Escolar: conhecimento e especificidade. Revista Paulista de Educação Física. Suplemento nº 2 1996, p.6-12.