Resumo

Nossas crianças estão cada vez mais obesas. Muitas já apresentam doenças como diabete e pressão alta. Esse quadro se deve, em parte aos pais

Nas férias, o que a gente mais quer é ficar completamente livre para curtir a vida. Com as crianças não é diferente. Até a volta às aulas – que em algumas escolas acontece no final de janeiro – elas podem aproveitar o período para, por exemplo, dormir e comer sem tantas regras. O exagero, porém, muitas vezes se transforma em crise de consciência e na necessidade de se fazer dieta para entrar na linha. A novidade é que esse tipo de comportamento está deixando de ser exclusividade dos adultos e começa a fazer parte do mundo infantil. Uma das razões é o receio de encarar os apelidos maldosos que só os colegas de classe são capazes de inventar.

Mas há outros motivos para impedir que a garota da acumule quilinhos a mais. Amparados em estudos, especialistas em obesidade estão empenhados em controlar a doença para evitar que ela se torne um tormento crônico. Em alguns casos, usam até medicamentos. Também já se sabe que não adianta só enquadrar os pequenos. A perda de peso das crianças e adolescentes depende do envolvimento de toda a família.

De acordo com levantamento recente divulgado pela LatinPanel (do grupo Ibope), uma em cada três crianças brasileiras de sete a 12 anos tem sobrepeso. Quando o excesso é ainda maior, passa a se chamar obesidade. Esse problema acomete 10% da população infantil. A pesquisa também quantificou a relação entre os quilos a mais e os hábitos alimentares das famílias. Mostrou que os lares com donas-de-casa obesas têm um gasto 10% maior com comida e bebida e que a maioria das crianças acima do peso vive em casas onde é alto o consumo de óleo, doces e refrigerantes. Essa situação já provoca reações na sociedade. Os profissionais da propaganda, por exemplo, querem criar instrumentos que possam diminuir a atração das crianças por alimentos muito calóricos. A pedido do Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar), empresas de refrigerantes apresentaram algumas sugestões para compor um código de regras para os comerciais. “Restrições de horários e de linguagem são algumas delas”, cita o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Refrigerantes, Hoche Pulcherio. O setor de alimentos também promete se engajar. Nos Estados Unidos, a gigante de alimentos Kraft Foods decidiu este mês banir os anúncios de salgadinhos dos gibis e dos programas de desenho animado.

Os dados populacionais e os avanços da medicina comprovam que a obesidade infantil é uma epidemia mundial. Segundo o pediatra Mauro Fisberg, a idade mais delicada é dos sete aos 12 anos. “Algumas crianças conseguem reverter a situação, mas a maioria vai continuar obesa para sempre”, alerta. Essa triste previsão tem base científica. É na infância que as células de gordura se formam. Quando não há gasto suficiente de calorias, o excesso estimula o surgimento de uma quantidade maior de tecidos gordurosos. “Na adolescência, esses tecidos param de se multiplicar e passam a inchar”, explica a presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Valéria Guimarães, de Brasília. “Quem foi obeso na infância passará o resto 
da vida de olho na balança. Quando uma pessoa perde peso, suas células de gordura murcham, mas jamais desaparecem e estarão sempre querendo
voltar a crescer”, acrescenta.

O endocrinologista Alfredo Halpern, do Hospital das Clínicas de São Paulo, vai além. “É grande o risco de morte por causa da obesidade. Os obesos podem ficar hipertensos, resistentes à insulina (primeiro passo para o desenvolvimento da diabete) e ter altas taxas de colesterol ruim”, enumera. Esse coquetel molotov camuflado em pneuzinhos é chamado de síndrome metabólica. “Acomete uma em cada três crianças obesas, contribui para o aparecimento de problemas cardiovasculares e pode causar infarto antes dos 25 anos”, alerta Halpern. Nesses casos, como muitos médicos, ele não teme usar remédios como a sibutramina (substância que aumenta a sensação de saciedade), embora não existam estudos que comprovem sua segurança a longo prazo para crianças. “Não posso esperar”, justifica. No ano passado, uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro com o apoio do laboratório Abbott, fabricante do Reductil (nome comercial da sibutramina), e coordenada pelo endocrinologista Amélio Godoy, mostrou sua eficácia em adolescentes de 13 a 17 anos. “A resposta foi rápida e não houve efeitos colaterais”, comemora Jader Baima, médico da Abbott.

Televisão – Se depender do ritmo de progressão da doença, é necessário correr contra o tempo. Estima-se que no Brasil o número de crianças obesas tenha crescido cinco vezes nos últimos 20 anos. Isso se deve principalmente à proliferação de refeições rápidas. Ao mesmo tempo, as condições de vida nas cidades causaram a substituição de brincadeiras como pega-pega e esconde-esconde por jogos de computador e muita televisão. “Ligo a tevê quando chego da escola, por volta do meio-dia, e só desligo quando vou dormir”, confessa Nathália Menezes, de São Paulo. Aos oito anos, ela mede 1,32 m e pesa 53,8 quilos. O ideal seria ficar com menos de 32 quilos. “A Nathália é superelétrica e desconta sua ansiedade na comida. Passa a tarde em casa, só faz educação física uma vez por semana e já me pediu para ser dispensada”, conta a mãe, Maria Cecília. “Tem coisa que eu não consigo fazer, como cambalhota. E é chato quando me chamam de baleia”, justifica a menina.

Depois de um ano e três meses de espera, Nathália passará a frequentar em breve um programa oferecido pela Liga de Obesidade Infantil do Hospital das Clínicas. Durante seis meses, ela e outras 30 crianças contarão com o apoio de endocrinologista, nutricionista, psicóloga e professores de educação física. “Não falamos em dieta, mas em reeducação alimentar. As crianças devem comer de tudo, mas em menor quantidade”, insiste a endocrinologista Sandra Mara Villares, coordenadora da Liga. “E reeducação alimentar é para toda a família, não apenas para o filho mais gordinho”, ensina. Trocando em miúdos, Sandra quer mostrar que não tem cabimento encher o armário de doces e proibir a criança de comê-los. Nem fazer batatas fritas apenas para o papai. “Por isso pesamos também as mães. Se elas não perderem peso, os filhos não vão perder”, garante.

Essa mudança de comportamento está ajudando a baiana Giovanna Rodrigues, sete anos, a baixar os ponteiros da balança. Há seis meses, um exame mostrou que a estudante, então com 40 quilos, tinha colesterol alto. O alerta foi suficiente para que a família adotasse novos hábitos. “O pediatra sugeriu que evitássemos frituras e lanches muito calóricos. Decidimos ir mais longe”, conta a mãe, Zélia Souza. A primeira coisa a mudar foi a lista do supermercado, que passou a privilegiar alimentos mais saudáveis. Além disso, o sedentarismo dos pais deu lugar a caminhadas diárias com a filha. Giovanna, quatro quilos mais magra e com o colesterol em dia, comemora. “Finalmente estão parando de me chamar de gordinha”, diz.

A influência dos pais na obesidade dos filhos é maior do que se pensa. Um deslize comum às mães é a falta de sensibilidade para perceber quando o pequeno passou dos limites. “Muitas acham que excesso de peso é sinal de saúde ou não assumem que cometeram erros na educação alimentar dos filhos. Outras dão comida como se fosse carinho”, observa a psicóloga Patrícia Spada. O histórico da gravidez e dos primeiros meses de vida também influencia. O endocrinologista Halpern aponta três ocasiões em que as gestantes criam situações de maior risco: quando têm diabete, quando ganham peso demais ou menos do que deveriam. “Nos dois primeiros casos, a criança vai nascer obesa. No terceiro, se nascer muito pequena, tentará reverter o déficit calórico e engordará logo”, explica.

Revolução – Em dívida com a balança, as crianças costumam ter a auto-estima abalada, o que intensifica a angústia e o apetite. Quando conseguem vencer o bicho-papão, sentem um alívio enorme. “Minhas roupas estão mais soltas. Antes, quando colocava cinto, a fivela entrava no segundo buraco. Agora, já uso o quarto”, conta a paulistana Camila Antenor, 13 anos. Em quatro meses de reeducação alimentar, ela perdeu sete quilos e fez uma revolução à mesa. “Devorava um pacote inteiro de bolachas. Hoje, só como duas”, diz. Apesar de ainda estar com 81 kg e precisar perder mais dez, Camila já pode se deliciar. “Um amigo que me chamava de gordinha notou que eu emagreci. Também já consigo dar quatro voltas correndo no campo de futebol”, comemora.

Diminuir o número de bolachas ajuda, mas a prática esportiva é essencial para regularizar as respostas do organismo. O professor de educação física Maurício Maltez é autor de uma tese de doutorado sobre o assunto. Segundo ele, normalmente durante o exercício há aumento no fluxo sanguíneo e os vasos se dilatam. Nas crianças obesas, esse mecanismo não é tão ágil, o que aumenta o desgaste dessas estruturas. “A prática regular de esportes pode reverter essa falha e diminuir os riscos cardiovasculares”, resume. Durante seis meses, Maltez acompanhou 39 crianças obesas, das quais 18 fizeram apenas dieta e 21, dieta e exercícios. Apenas as últimas conseguiram chegar à resposta vasodilatadora comum aos magros sedentários (os que se exercitam têm resultado ainda melhor).

As opções são exercícios como jogar futebol, caminhar e pedalar, atividades que o paulista André Passos, 13 anos, aprendeu a amar. Aos 11, o adolescente chegou a pesar 105 quilos, numa fase em que o videogame e os doces eram sua diversão favorita. “Tive diabete e alteração no colesterol. Ficava sempre fora das brinca-
deiras e não aguentava correr”, lembra. Fez um tratamento, modificou os hábitos alimentares e começou a se movimentar. “Fizemos uma mudança radical e hoje a família tem uma rotina saudável”, conta a madrasta, Regina Guataferro. Vinte quilos mais magro, André ganhou novo apelido na escola. “Agora me chamam de magrelo”, comemora. Sua garra vale como lição.

• Estima-se que no Brasil o número de crianças obesas tenha crescido cinco vezes nos últimos 20 anos
• O regime ideal tem 55% de carboidratos, 30% de gorduras e 15 % de proteínas

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