Resumo

No decorrer do século XIX e início do XX o circo foi um dos pioneiros e principais espaços de difusão de imagens e informações sobre as práticas ginásticas, mesmo que questionado e combatido por parte daqueles que defendiam uma ideia "científica" de educação do corpo ligada aos intuitos de controle, disciplina e desenvolvimento de hábitos higiênicos (MELO e PERES, 2014). Nesse sentido, pretendemos por meio desta pesquisa tratar dos entrelaçamentos históricos entre as artes circenses e a educação física no Brasil no decorrer do século XIX e início do XX, tendo como objetivo evidenciar os saberes dos circenses no que tange ao corpo, a produção do espetáculo e os processos de formação no âmbito do próprio circo, destacando o quanto os circenses sempre foram detentores de múltiplos conhecimentos e práticas ligadas ao corpo. Tais fatores são decorrentes da elaboração de fazer de sua própria arte e sedimentados nos processos de formação, socialização e aprendizagem operados dentro do próprio modo de organização e produção do circo como espetáculo (SILVA, 2007; 2009). Assim, em busca de compreendermos como e por quais razões circo e ginástica estruturaram-se como áreas que se influenciaram, se misturaram e se confrontaram, analisamos a atuação de diversas companhias circenses que estiveram no Brasil no século XIX e o quanto o circo consolidou-se como um espaço de difusão de diversas práticas corporais, tendo os circenses assumindo-se como mestres em ginástica e equitação (LOPES e SILVA, 2015). Também foram levadas em conta a trajetória do circense Vicente Casali, um dos mais ativos professores de ginástica, esgrima e natação em dezenas de instituições fluminenses em fins do século XIX; a intensa atividade como sportsman, professor, artista e diretor circense do atleta José Floriano Peixoto no início do século XX; e, por fim, a composição da obra “Pequeno Tratado de Acrobacia e Ginástica”, escrita pelo circense Raul Olimecha em 1924. Frente à esta proposta de análise, realizamos o levantamento e cruzamento de diferentes fontes como livros, iconografias e, principalmente, 189 diferentes títulos de jornais de oito estados brasileiros nos quais obtivemos aproximadamente 1819 ocorrências refentes à produções circenses diversas, à Vicente Casali e à José Floriano Peixoto, bem como o livro de Raul Olimecha, publicado em 1933, consultados no Centro de Memória do Circo (SP), Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (RJ) e CEDOC-FUNARTE (RJ). Evidenciamos, dessa forma, os circenses como detentores de práticas e saberes sedimentados em seus complexos processos de formação a respeito da produção de seus espetáculos, sobre o corpo e a ginástica, significativos para a constituição da educação do corpo gestada no período abordado.